Abel Ferreira diz que o futebol “tem memória curta”, mas os seus atos têm escrito história que não pode ser apagada. O JPN falou com um familiar e antigos treinadores que atestam a competitividade, competência e paixão pelo jogo do treinador do Palmeiras.

Abel Fernando Moreira Ferreira nasceu na época natalícia, a 22 de dezembro de 1978, na cidade de Penafiel. Descrito por ex-treinadores como um apaixonado pelo desporto, foi no clube da sua cidade que começou a jornada no mundo do futebol, e no Norte seguiria a sua carreira até chegar a um dos três grandes de Portugal, o Sporting CP.

Conta ao JPN Arlindo Gomes, primo que com ele passou a infância, que Abel era “um jovem que sonhava ser jogador de futebol” e que “sempre foi um miúdo com alguma rebeldia”. Por não ser titular na equipa de juniores do F.C. Penafiel, desistiu do futebol para seguir os estudos após se desentender com o treinador Miguel Leal, que hoje o descreve, em declarações ao JPN, como “um treinador extremamente competente, dedicado, muito atento à realidade que envolve o futebol e, acima de tudo, bastante equilibrado do ponto de vista emocional”. Um jovem Abel, hoje cidadão honorário de Penafiel, voltaria aos relvados três semanas depois de o abandonar, por pressão de Manuel Moreira, que o treinou dos 10 aos 16 anos.

Uma vez convencido a seguir carreira nas quatro linhas, acabou por conquistar a titularidade nos juniores, onde boas prestações lhe garantiram, mais tarde, um lugar na equipa principal do FC Penafiel, aos 19 anos, na segunda divisão. Lateral direito de cariz defensivo, mas frequentemente autor de perigosos cruzamentos que muitas vezes davam em golo, partiria com 21 anos para a cidade vizinha de Guimarães para jogar no Vitória SC, depois de três épocas em Penafiel.

Apesar de ter outras propostas, Guimarães ficava perto de casa e do Instituto Superior de Ciências Educativas (ISCE), onde conciliava a carreira com os estudos e se licenciou em Educação Física, um plano a longo prazo. O seu primo Arlindo diz ao JPN que “já na altura, enquanto jogava futebol, também estava envolvido com o treino” e que “ele era muito interessado, gostava muito de perceber a dinâmica do treino”. Um homem que, segundo o treinador Miguel Leal, estava “sempre interessado em saber mais e conhecer mais”.

Foi no Vitória de Guimarães que Abel conquistou o seu primeiro troféu como profissional sénior, o Torneio Internacional Vale do Tejo, em 2002. Na Cidade Berço jogaria durante quatro temporadas, até 2004/2005, época em que se mudou para os rivais do SC Braga. Na equipa minhota, o defesa rapidamente ganhou destaque, e em apenas época e meia foi ‘roubado’ pelos leões, num empréstimo com opção de compra de 750 mil euros que viria a ser ativada no final da época.

Apanhando um Sporting CP em dificuldades, não chegou a vencer o campeonato nacional, mas conquistou duas Taças de Portugal e duas Supertaças Cândido de Oliveira. Na temporada 2010/2011 a sua carreira como jogador termina com uma infelicidade: num treino dos leões, sofre uma rotura de ligamentos cruzados que o obriga a pendurar as botas aos 34 anos.

Do relvado para o banco

Após 386 jogos, 12 golos e 2 internacionalizações por Portugal sob o comando de Luiz Felipe Scolari, Abel Ferreira assumiria de imediato os juniores do Sporting CP, naquela que seria a sua primeira experiência como treinador, e cedo mostraria o que tinha para oferecer fora das quatro linhas – venceu logo no primeiro ano o Campeonato Nacional de Juniores e foi promovido a treinador da equipa B dos leões em 2013/2014, época em que Leonardo Jardim comandava a equipa principal.

Sucesso que, para o seu primo Arlindo (que também é treinador, no Rebordosa AC) se deve à sua sede de atingir novos conhecimentos futebolísticos – um apaixonado pela bola, que já tinha ‘queda’ para treinador. “Eu na altura até estava a treinar o Cinfães do Campeonato de Portugal e ele andou lá para aí um mês e tal comigo, e vinha para Cinfães para perceber a dinâmica do que era treinar no Campeonato de Portugal. E ele tinha treinado o Sporting da equipa B profissional. Sempre quis perceber tudo o que era futebol e por isso é que está a atingir o que está”, conta ao JPN.

Abel Ferreira com Luiz Felipe Scolari, que o convocou para a seleção nacional pela primeira vez Foto: Palmeiras

Na época de 2014/2015 é convidado para treinar a equipa B do SC Braga e, substituindo Jorge Simão na equipa principal em 2016/2017, faria história no conjunto minhoto: em 2017/2018, o seu Braga atingiu o recorde de pontos no campeonato (75), recorde de golos (101) e de vitórias (33). Abel tornou-se, também, no treinador com maior percentagem de vitórias do clube – uns impressionantes 64%.

Em 2019/20, passou a comandar o campeão da Grécia PAOK, naquela que seria a sua primeira experiência no estrangeiro. O clube contratou-o pagando a cláusula de 2,5 milhões de euros e Abel tornou-se o quinto treinador português mais caro da história.

Apesar do sucesso, a fama não lhe subiu à cabeça, conta ao JPN Rui Quinta, que o orientou nas camadas jovens do Penafiel. “Ele continua exatamente a mesma pessoa, a cultivar o seu grupo de amigos, e tem uma particularidade que eu adoro, que é a sua competitividade. A forma como ele encara cada oportunidade da vida para vencer.”

Competitivo até no padel

Abel orientou os gregos durante duas épocas, mas não conseguiu ganhar nenhuma competição.

Competitividade. Um dos traços que Abel nunca perdeu, mesmo fora do futebol. Entre risos, Rui Quinta partilhou com o JPN um episódio recente que o comprova. “Ele esteve cá na altura do Natal, veio passar o Natal com a família, e juntamo-nos um dia para jogar padel. Foi uma jornada extraordinária em que nós passámos uma manhã ali a esgrimir argumentos de um lado e do outro, e a natureza dele, altamente competitiva, sobressaiu e isso foi uma risota depois, no fim. Quando terminamos, falamos disso, que é uma das características de quem normalmente tem sucesso na vida. E era a primeira vez dele a jogar. Apesar de ter umas bases de ténis, adaptou-se rapidamente às regras do padel e foi uma manhã supercompetitiva”.

O treinador, que o identifica como sendo “um homem do Norte e do Mundo” disse ainda que o seu sucesso como técnico está vigorosamente aliado ao seu caráter: “É um homem com princípios, é um homem com paixão enorme pela vida, pela profissão, pela família. É um homem que tem pautado a sua forma de estar, com uma independência e uma isenção que são de louvar, aliado a isso a sua competência como treinador, que lhe tem dado uma visibilidade muito grande e uma notoriedade também muito grande e que faz jus áquilo que ele, fundamentalmente, é como pessoa”.

Do PAOK, Abel salta para o clube brasileiro Palmeiras em 2020 onde, apesar de ainda não ter conquistado o Brasileirão (campeonato brasileiro), já venceu a Copa do Brasil e a Libertadores duas vezes seguidas, um dos maiores feitos de qualquer treinador português – foi a primeira vez que o Palmeiras fez a ‘dobradinha’ e a primeira vez que venceu a Libertadores neste século (não vencia desde Scolari em 1999, a primeira vez que venceu a Copa).

Foi, também, o único português a vencer a Copa Libertadores mais do que uma vez. Um percurso que, para Miguel Leal, “tem sido excelente, mais não seria de esperar. Só estar presente nas finais já é um sinal de excelência”. Na opinião de Rui Quinta, “ele conseguiu dar o seu cunho pessoal, conseguiu pegar naquele grupo de jogadores e fê-los acreditar fundamentalmente na sua ideia de jogar e teve, neste caso, um sucesso fantástico com a dupla conquista da Copa Libertadores.”

A par de José Mourinho e Manuel José, Abel foi o único treinador a vencer provas intercontinentais mais do que uma vez. Agora, fez novamente história com o Palmeiras, tornando-se o primeiro português a chegar à final do Mundial de Clubes, perdida para o Chelsea FC por 2-1. Para Rui Quinta, o feito “é um indicador da qualidade do trabalho que ele está a desenvolver”.

Abel na derrota frente ao Chelsea FC (2-1) na final do Mundial de Clubes Foto: Palmeiras

Eleito melhor treinador do ano no Brasil pelo Globo/Extra em 2020 e 2021 e treinador sul-americano do ano em 2021 pelo “El País”, o técnico de 43 anos nunca teve menos do que 60% de vitórias em todas as equipas que orientou, tendo já vencido mais em sete anos como treinador do que em catorze como jogador – um legado em construção.

Artigo editado por Filipa Silva