Em entrevista ao jornal “Público”, Rui Moreira afirmou estar entusiasmado com o novo mandato. Por não estar preocupado com a reeleição, o autarca disse que pode impor agora “algumas medidas que se calhar não são muito interessantes sob o ponto de vista eleitoral, mas que podem projetar [a cidade]”. Numa fase “de transição” com a questão climática e a descarbonização, o presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP) reconheceu que algumas medidas podem “parecer dolorosas”, mas “vão facilitar a vida aos portuenses e também a quem me venha a suceder”.

Rui Moreira ressalta a vontade de terminar a construção do Matadouro, do Terminal Intermodal, do Cinema Batalha e do Mercado do Bolhão, que estão entre as principais razões para a sua recandidatura. O autarca admitiu em entrevista que “tem havido imensos problemas” a nível material e pessoal, mas confirmou os novos prazos de conclusão das obras: o Matadouro vai estar pronto daqui a um ano e meio; o Terminal Intermodal ainda vai abrir em abril; o Cinema Batalha está previsto abrir portas na primeira semana de setembro e o Mercado do Bolhão ainda no primeiro semestre deste ano.

Quando abordado sobre o trânsito na cidade do Porto, o autarca referiu que não havia investimento na oferta, apesar da procura aumentar progressivamente, “era expectável que a situação fosse a que é”. Neste sentido, Rui Moreira salientou o facto da cidade estar com muitas obras e não vê “como é que podíamos ter andado mais depressa”. A pandemia fez com uma parte dos portuenses evitasse os transportes públicos, devido ao medo de contágio. O número de veículos na via pública cresceu, o que consequentemente contribui para o aumento da poluição.

Ao mesmo tempo, o presidente da CMP tem consciência que a cidade apenas terá uma mobilidade suave com “uma nova geração de transporte público, com veículos mais pequenos que possam servir os interstícios da cidade”. Rui Moreira admitiu que esse transporte tem de ser gratuito para reduzir o número de carros e permitir às bicicletas a partilha da mesma via com eles.

Em reunião de executivo no início de fevereiro, que apresentou o novo Pacto do Porto para o Clima, Rui Moreira tinha já sido perentório sobre a questão dos transportes, ao dizer que “vamos ter de mudar de vida”. A resposta do autarca foi dada a propósito das dúvidas levantadas sobre o impacto da futura linha de metrobus que vai ligar a Boavista à Praça do Império: “a ideia de que as pessoas vão continuar a fazer os seus movimentos pendulares baseadas no carro, é impossível. Ou nos preparamos agora, ou isto vai correr mal”, salientou o autarca.

“A cidade cinzenta e sombria de há nove anos”

A pandemia evidenciou algumas lacunas na cidade do Porto e criou uma maior tensão em várias matérias. O turismo foi uma das apostas mais atingidas. Rui Moreira disse que “é muito fácil esquecer aquilo que era a cidade cinzenta e sombria de há nove anos”, tendo o acelerar da reabilitação sido possível devido a “uma população flutuante que antes não tínhamos”. Com a pandemia surgiu uma tensão inevitável: o aumento do preço da habitação.

Centro histórico é o mais pressionado pelo Alojamento Local na cidade do Porto. Foto: Francesca Gallina/Flickr Foto: Francesca Gallina/Flickr

“Compete ao poder político compensar os [aspetos] negativos com o que os aspetos positivos lhe dão”, revela na entrevista ao “Público”. O objetivo do regulamento do Alojamento Local passa, então, por “aumentar o número de fogos com renda acessível, o que reduz o custo da habitação para quem dela precisa e diminui a pressão”.

O presidente afirmou que os portuenses das gerações mais jovens estão a voltar ao país, mas apenas os que conseguem pagar a renda. “Quem não consegue são os que ficaram. Por isso precisamos de novas políticas públicas de habitação que não seja apenas de habitação social”, acrescentou.

Rui Moreira relembrou, ainda, que a CMP foi a primeira câmara municipal a exercer direitos de preferência. Contudo reforçou que este tipo de intervenções “demoram muito tempo, fazemos o depósito junto do tribunal e os casos arrastam-se”.

Outra preocupação de Rui Moreira, discutida na entrevista, passou pelos relatos de violência e desacatos na cidade, que resultaram “de medidas proibicionistas durante a pandemia, muito delas incompreensíveis”. De forma objetiva, foi forçado o botellón, o ato de consumir bebidas alcoólicas na via pública, que causou “distúrbios, ruído, poluição e informalidade” no Porto. A solução para reduzir este problema é, aos olhos do autarca, “criar condições para que aquilo que ocorre na via pública regresse aos sítios de eleição”.

Construção do El Corte Inglés na Boavista determinada: “Não podemos fazer disto um drama”

No sábado passado (19), o Movimento por um Jardim Ferroviário organizou uma manifestação contra a destruição da antiga estação ferroviária na Rotunda da Boavista. A luta surge contra a demolição da primeira estação ferroviária do Porto, considerada pelo grupo um património histórico da cidade.

Vai ser demolida a primeira estação ferroviária do Porto. Foto: Inês Cristina Silva Foto: Inês Cristina Silva/JPN

Rui Moreira garantiu que é impossível recuar na construção do El Corte Inglés nos terrenos entre a Avenida da França e a Rua 5 de Outubro. O autarca recordou que na sua primeira candidatura à Câmara do Porto, em 2013, inscreveu a vontade de criar um jardim nesse terreno. Contudo, a Infraestruturas de Portugal (IP) tinha de estar disposta a “fazer contas com o El Corte Inglés”, algo que não chegou a acontecer.

O presidente assegurou que a cidade não vai ceder, a pressões de grupos ou razões eleitorais, como aconteceu há uns anos “e depois pagar indeminizações como no Parque da Cidade”. Acrescentou que “não podemos fazer disto um drama” e que a cidade, seguramente, “não vai pagar”.

Para Rui Moreira, a construção do El Corte Inglés na Rotunda da Boavista pode ser revitalizadora para uma das “zonas mais decadentes” da Invicta. O autarca exemplificou com o impacto do espaço da cadeia espanhola de centros comerciais em Vila Nova de Gaia, que “foi positivo para todo o comércio à volta”. Funciona “como uma loja âncora num centro comercial” para uma zona onde o comércio padece, gradualmente.

O olhar político sobre Portugal

Relativamente à  sua carreira política, o autarca disse que não se vai filiar, nem ter nenhum papel em nenhuma força política, apesar do apoio do CDS-PP e da Iniciativa Liberal nas suas candidaturas.

Quando questionado sobre a vitória do PS, Rui Moreira asseverou que “com maioria absoluta deixa de haver desculpa para não se fazer reformas”. “Ele [António Costa] agora tem, pela primeira vez, a hipótese – e também não tem desculpa – para fazer as reformas que ele anunciou na campanha eleitoral”, lê-se na entrevista.

Rui Moreira diz que não há desculpas para António Costa não fazer as reformas que anunciou na campanha eleitoral. Foto: Ana Torres Foto: Ana Torres

Rui Moreira disse estar preocupado com o adiamento de tomada de posso do Governo e da aprovação do Orçamento do Estado. O autarca mencionou que as metas que definiram deviam ser atingidas o mais rápido possível, “nomeadamente como o Plano de Recuperação e Resiliência [PRR], que nos deve preocupar a todos”. “Um país estar em serviços mínimos durante seis meses parece-me impensável”, referiu ao jornal Público.

Para o presidente da autarquia do Porto, a descentralização de competências para as autarquias parece um paradoxo. A CMP tem vindo a resistir a este processo, apesar no autarca defendê-la há mais de duas décadas. Rui Moreira acredita que o Estado está a passar as tarefas para os municípios “sem lhe passar verdadeiras competências e sem passar o respetivo cheque”.

Assim como o especialista António Rebordão Montalvo, para o autarca a reforma não é eficaz por tratar os municípios de forma igual. “O desenho devia ser gradualista, devia-se verificar quais os municípios que querem e podem ficar com determinadas competências e quais são os municípios que se devem associar em associações de municípios para desempenhar essas competências”, acrescentou.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha