Oksana Aleksandruk-Shevchenko, ucraniana a viver em Gaia há 20 anos, está a caminho da fronteira do país de origem para trazer até Portugal a família e os que conseguirem entrar na carrinha que comprou. Leva comida, medicamentos e cobertores, mas ainda faltam bens.

Eram 5 da manhã, dia 24 de fevereiro. Os filhos de Oksana Aleksandruk-Shevchenko acordam habitualmente cedo e foram os primeiros em casa a saber da notícia. Pouco depois, Oksana levantou-se e ouviu o alvoroço, vindo das outras divisões. Ligou o telemóvel e confirmou aquilo em que “não queria acreditar”: estalava a guerra na Ucrânia, o território era invadido pela Rússia.

Foi aqui, acabada de acordar na sua casa, em Vila Nova de Gaia, que Oksana diz ter entrado em pânico. Chorou durante quatro horas, “não conseguia fazer nada”. Correu para ligar aos seus familiares a residir na Ucrânia — a mãe, a irmã, o irmão e a sobrinha —, para “saber se estavam vivos”. Pouco depois, decidiu que “chorar não adianta nada” e que tinha de “fazer alguma coisa”, conta ao JPN ao telefone.

A modista ucraniana, de 46 anos, vive em Portugal há 20. É natural de Ternopil, na zona ocidental da Ucrânia, cidade fica a cerca de 130 quilómetros para este da cidade de Lviv, localizada na região homónima que faz fronteira com a Polónia. É para onde a maioria dos que fogem da guerra se vão dirigindo nos últimos dias.

Oksana Aleksandruk-Shevchenko. Foto: D.R.

É para esta região fronteiriça que Oksana vai neste momento, numa carrinha de oito lugares, apenas com mais uma pessoa. A decisão repentina surgiu depois do pânico inicial e foi clara no meio da confusão: tinha de ir, ela própria, buscar a família à linha que separa os países. E pôs mãos à obra.

A família, que sozinha não teria condições monetárias para suportar os custos de uma viagem como essa, tem uma carrinha, pequena, que “não tinha capacidade de fazer uma viagem tão grande para a Ucrânia” — o percurso entre Vilar do Paraíso e esta região da Ucrânia ultrapassa os 3.400 quilómetros. Decidiram comprar outra “muito rápido”. Oksana começou a procurar na internet, na altura “ainda nem tinha dinheiro suficiente para a nova carrinha”.

“Juntamos o nosso dinheiro todo, a minha sogra também”, diz. A nora organizou uma campanha de doações, monetárias e de outros bens. Receberam várias transferências em pouco tempo, o que fez o banco bloquear a conta temporariamente, mas nem assim as doações pararam e Oksana recebeu dinheiro em mãos de “muitas pessoas”.

Com os recursos reunidos, procurou carrinhas maiores na internet. Chegou a várias pessoas, mas só podia pagar o valor dividido em duas metades: uma parte através de transferência bancária e outra em dinheiro físico, porque era assim que o tinha conseguido reunir.

Uma dessas vendedoras começou por aceitar a proposta, era sexta-feira à noite, mas depois negou, dizendo diretamente a Oksana que achava que ela a ia roubar. “Ficamos muito nervosos, estava pronta para ir e queria ir ter com os nossos familiares na Ucrânia. Não dormi a noite toda”, conta. Mas não desistiu e começou a procurar novamente, no sábado de manhã. “E encontramos esta”, mostra.

A dirigir-se para a fronteira da Polónia com a Ucrânia, diz que, além dos quatro familiares (incluindo a mãe que “está mal” e precisa de uma cadeira de rodas, também recebida nestas ajudas), vem consigo “quem mais conseguir trazer” na carrinha de oito lugares. O seu objetivo é levar para a fronteira o máximo de pessoas que conseguir, em especial mulheres e crianças, de regiões como Ternopil, Volyn ou Rivne, para depois apanharem um autocarro.

Em publicações nas redes sociais, em grupos de cidadãos ucranianos, reforça que quem escape pode vir para Portugal; na sexta, o primeiro-ministro António Costa anunciou que “foram transmitidas instruções para a embaixada de Portugal na Ucrânia e nos países limítrofes para a concessão de visto imediato para os refugiados poderem vir para Portugal”.

Levam bens essenciais, mas há produtos ainda em falta. Oksana apela à doação

As doações deram para comprar a carrinha e fazer um seguro, mas Oksana e o seu companheiro de viagem levam também comida, roupa quente, cobertores, medicamentos e fraldas para bebés, tudo doado por pessoas conhecidas ou anónimas.

Onde ajudar no Grande Porto
► O Seminário Cristo Rei, igreja greco-católica ucraniana em Vila Nova de Gaia, está a recolher alimentos, medicamentos e outros bens de necessidade, além de donativos por MBWAY. As informações podem ser consultadas através da página no Facebook.
► No Porto, o “Refúgio Ucraniano Português”, recém-criado, está a receber doações na Rua da Constituição, n.º 379. Mais informações na página de Instagram, nos stories.
► A página de Instagram “Help Ukraine Portugal” está a reunir informação sobre locais de recolha de bens por todo o país. Pode ver aqui.

Oksana apela a que as pessoas continuem a doar produtos essenciais às pessoas e associações que estão a angariar e a reunir estes bens para enviar para a Ucrânia ou para as regiões para onde a maioria dos refugiados se deslocam, que estarão a ser encaminhados rapidamente — há várias a fazê-lo, um pouco por todas as localidades. Acima de tudo, pede que se preste especial atenção e se doe leite de fórmula em pó para bebés, a única coisa que não conseguiu levar consigo.

A nora continua a angariar dinheiro para que Oksana consiga trazer estas pessoas com condições para Portugal. Está a fazer a viagem de ida, mas precisa de garantir a de regresso e espera, ainda, fazer “mais uma ou duas quando puder”. Pede “dois, três, cinco euros” a “quem conseguir ajudar”, para gasóleo e outras necessidades.

A viagem prossegue

Oksana fala ao JPN por videochamada, esta segunda-feira de manhã (28 de fevereiro), dentro da carrinha que conseguiram arranjar — uma “amarela como ovo”, ri-se, “mas não faz mal”. Visivelmente entusiasmada para chegar rapidamente à Ucrânia, num veículo “bom” e “capaz de fazer uma viagem longa”, ainda não sabe quando chega, mas vai a bom ritmo. Diz que, até agora, há apenas um problema: ela e o homem que a acompanha e ajuda na viagem, “um senhor também de Gaia” que aceitou o desafio através de grupos no Facebook de ucranianos em Portugal, descobriram já durante a viagem que o aquecimento não funciona.

“Apanhamos um frio do caraças”, brinca, “tenho de ter o cobertor nas pernas. Aqui em Espanha e em França está mesmo, mesmo frio”. Na altura em que falou o JPN, era já perto da hora de almoço em Angoulême, região francesa por onde passava nesse momento, e tinha já “subido o sol”, estava mais quente.

Calor que contrasta com o frio, meteorológico e de espírito, que faz na Ucrânia. Em Kiev (ou Kyiv, nome oficial da cidade em ucraniano e que tem sido afirmado pelos cidadãos como verdadeiramente representativo do seu idioma), o sol é tímido e, na maior parte dos dias, neva.

E as ruas estão quase desertas, em muitos dias, com os cidadãos escondidos em caves e em locais seguros ao alerta de ataques russos sobre esta e outras cidades. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, disse esta segunda que são já mais de 500 mil os refugiados ucranianos que saíram do país em direção aos territórios vizinhos.