A frase já foi atribuída a vários autores, ao longo dos anos. É um bom resumo da opinião de António Granado, Carlos Daniel, Inês Cardoso, José Barata-Feyo e Pedro Leal, sobre o papel da comunicação social nos tempos correntes.

Uma pandemia que apanhou o mundo de surpresa, uma sucessão de casos mediáticos e, agora, um confronto armado no leste da Europa. O fluxo de informação (e de desinformação) não abranda. O alarme social também não.

Aqui chegados, que lições aprendeu o jornalismo com a pandemia da covid-19? E que media são necessários para os tempos políticos que atravessamos? Questões que o JPN colocou a vários jornalistas com responsabilidades editoriais e a um professor universitário. 

Rigor, cautela, verificação e contexto são as ferramentas que os profissionais consideraram essenciais para o exercício da profissão. Não ceder ao “colorido”, combater o sensacionalismo, procurar a verdade, informar com clareza, estar mais próximos das pessoas e garantir redações “estruturadas”: são estas algumas missões do trabalho jornalístico, para encarar os tempos atuais e os que se avizinham.

Os cinco jornalistas destacaram também o papel essencial da sociedade, que pode e deve exigir, cada vez mais, um jornalismo de qualidade.

Cautela e verificação para lidar com a desinformação

Para José Barata-Feyo, jornalista e provedor do leitor do jornal “Público”, as manobras de desinformação não são originais em tempos de conflito. “Sempre existiram, desde a guerra de Tróia”, lembrou. 

O jornalista, com uma vasta experiência nacional e internacional, comparou as abordagens das partes envolvidas no conflito. De um lado, a Rússia está a “atuar de uma maneira que é muito denunciada pela imprensa ocidental”. Do outro lado, existem “algumas realidades que parecem perfeitamente comandadas pelos centros de informação e de manipulação, sobretudo dos Estados Unidos”.

“Um caso concreto é a análise do problema com base num pressuposto de que a Rússia está a atuar principalmente, se não única e exclusivamente, porque tem muito receio de que exista uma situação de vivência democrática na Ucrânia e que isso, quando comparado com a realidade de vida na Rússia, cause problemas ao Kremlin e a Putin. É claro que essa operação não confessada (porque nós não temos forma de provar categoricamente que assim foi), depois de ser divulgada nos Estados Unidos, foi divulgada em toda a imprensa ocidental e inclusive na imprensa portuguesa. Isso, que terá certamente um fundo de verdade, tornou-se a principal razão para tentar justificar o avanço dos russos na Ucrânia”, reflete Barata-Feyo.

Inês Cardoso mencionou a desinformação russa, com conferências de imprensa “com muitas incorreções e manipulações de imagem”, acrescentando que acredita que o risco de manipulação por parte das forças ocidentais “é inferior”. A diretora do “Jornal de Notícias” ressalvou, no entanto, “que nunca há uma versão 100% correta”.

Os jornalistas concordam que, em situações de conflito, os órgãos de comunicação social são inundados com diversas informações que não são totalmente verdadeiras e a instrumentalização vem de várias partes: “Não é só do inimigo ou do amigo, sejam eles quem forem”, afirmou Pedro Leal, diretor de informação da Rádio Renascença.

Um dia após o início do confronto bélico que opõe a Rússia à Ucrânia, é já de notar as informações contraditórias que chegam às redações. Citado pela Reuters, o exército ucraniano atualizou o número de “baixas” russas no primeiro dia: 50 militares abatidos numa região perto de Lugansk, quatro tanques destruídos perto de Kharkiv e seis aeronaves no leste do país. Do outro lado da barricada, a Rússia negou a destruição de qualquer armamento.

No primeiro dia de ataque, a Ucrânia também acusou as tropas russas de atacarem um hospital e causarem a morte de quatro civis, o que é uma violação direta da Convenção de Genebra. Além disso, o governo uraniano reportou pelo menos mais 18 mortes civis noutras regiões do país. Contudo, o general Igor Konashenkov (porta-voz do Ministério da Defesa russo), afirmou que os únicos alvos da Rússia eram “infraestruturas militares, instalações de defesa aérea, aeródromos militares e de aviação” e que “a população civil não tem nada a temer”.

Carlos Daniel, jornalista da RTP, confessou ao JPN que “nós [jornalistas] temos visto situações altamente duvidosas, de reuniões, de conversas que claramente parecem para o jornalista ver”, enfatizando que é necessário clarificar as circunstâncias em que a transmissão deste tipo de eventos é realizada. Acrescentou ainda que “a primeira vítima da guerra é a verdade”.

Pedro Leal partilha da mesma opinião: “Os órgãos de informação têm de ser muito cautelosos ao nível da informação que veiculam e têm de perceber o que é que estão a veicular. Nomeadamente, há um ponto que muitas vezes não é considerado de uma forma veemente, que é o contexto”.

António Granado falou sobre o destaque que a comunicação social dá aos comentadores, algo que se observa com elevada frequência na televisão ao longo dos últimos anos: “Há ‘tudólogos’ em todos os canais de televisão, a todas as horas. Baseados numa coisa que não dominam totalmente e numa informação da qual não são conhecedores absolutos, comentam sobre tudo. Os ‘tudólogos’, que têm um espaço enorme nos media, continuam, porque há esta luta pelas audiências. Se nós metermos uma pessoa a dizer disparates constantes, provavelmente, as pessoas sentem-se entretidas por aquilo”.

Contrariando o padrão de comentários que Granado realça, as televisões parecem ter dado prioridade a comentadores com conhecimento de causa no caso da invasão russa. Nos programas informativos, tem sido dado destaque a especialistas nas áreas de relações internacionais e da estratégia militar. O Telejornal de dia 24 de fevereiro, por exemplo, contou com a presença dos convidados Bernardo Pires de Lima e o general Arnaut Moreira.

Lições que ainda não acabaram

A pandemia foi um dos períodos mais conturbados dos últimos anos para a comunicação social. Após praticamente dois anos de estados de emergência, confinamentos e muitos números, regras e vítimas, os jornalistas têm muitas lições a retirar para o futuro. Da mesma maneira, a forma como alguns casos recentes (sobretudo a alegada tentativa de ataque terrorista numa faculdade em Lisboa) foram abordados pedem também um exercício de reflexão.

O diretor de informação da Renascença disse ao JPN que “é preciso redações mais estruturadas, com maior capacidade de intervenção” e organismos oficiais “mais transparentes na transmissão dos dados”.

Já o pivot do “Jornal da Tarde” da RTP acredita que esta fase pandémica foi importante para voltar ao básico e “perceber que a nossa credibilidade se joga sempre no rigor com que passamos a informação”.

“Quando as pessoas veem ou leem uma notícia nossa, terem a profunda convicção de que nós fizemos o melhor possível do ponto de vista do rigor, que aquela é a maior aproximação possível à verdade naquele momento. Isto eu acho que é fundamental para destrinçar o trigo e o joio, para cortar com desinformação, com má informação”, sublinha Carlos Daniel.

Para além disso, o jornalista da RTP disse que a comunicação não deve “ceder facilmente ao modelo de privilegiar o interessante, o colorido, o mais suscetível de justificar clickbaits.

António Granado voltou a repetir a ideia de que o jornalismo se deve focar na informação, “não na adivinhação, nem na especulação” por parte dos comentadores.

A diretora do “Jornal de Notícias”, Inês Cardoso, destacou a entreajuda que se sentiu entre as várias equipas da redação: “Haver uma grande capacidade de um jornalista de desporto ajudar a ir à rua e fazer reportagem junto a um hospital ou uma tenda de triagem, se fosse preciso”. Aproveitou também para realçar a importância da atividade jornalística durante os períodos de confinamento.

“Exatamente quando as outras pessoas estavam em casa e precisavam que continuássemos a mostrar-lhes o mundo, a mostrar o que é que estava realmente a acontecer, o nosso papel foi mais sublinhado. Foi muito importante recordarmos isso, qual é que é o nosso papel em momentos de emergência”, lembrou.

“Atentados” à deontologia

Ainda assim, a comunicação continua a ser alvo de duras críticas no que diz respeito à forma como aborda temas mais sensíveis. O exemplo mais recente data do mês de fevereiro, depois de a Polícia Judiciária (PJ) ter comunicado que tinha travado uma tentativa de ataque terrorista numa faculdade em Lisboa. Nos dias seguintes, o caso adquiriu constantemente contornos menos alarmistas. 

“As coisas foram particularmente violentas e condenáveis no plano da informação. Violaram-se aqui toda uma série de preceitos, a começar pelo da presunção de inocência”, sublinhou José Barata-Feyo, “Essa reação da imprensa portuguesa é um bocadinho aquilo que eu classifico como uma reação parola”. Pedro Leal, da Renascença, partilha de uma opinião semelhante.

Carlos Daniel pensa que nem todos agiram da mesma forma. “Houve orgãos de comunicação social, nos quais obviamente incluo aquele onde trabalho, que tiveram um maior cuidado, maior prudência numa série de circunstâncias. E houve outros que claramente foram menos rigorosos e que, em algum momento, avançaram de uma forma mais tablóide”.

Inês Cardoso aproveitou para ressalvar que, a seu ver, a má conduta não se iniciou nos organismos informativos. 

O sensacionalismo e o interesse económico continuam a ser os principais obstáculos de um jornalismo de maior qualidade e que se foque no seu papel de servir o interesse público. Numa situação de Guerra entre Rússia e Ucrânia, levantam-se algumas questões: como é que os media devem garantir a veiculação da verdade? Que media precisamos em situações de crise? Teremos uma opinião pública capaz de ajudar a sustentar a boa informação?

A arma do bom jornalismo

Num momento com potencial para alterar a história do século XXI, a comunicação social continua a ser a principal fonte de informação para toda a população. Pedro Leal considera que, nos tempos que correm, “precisamos dos media que sempre tivemos, que cumpram a função de informar com credibilidade, com clareza; e que a informação que veiculam produza confiança nas pessoas”.

Na mesma linha, António Granado, que também é professor universitário, acrescenta que o mais importante é continuar a fazer jornalismo.

“Eu acho que nós precisamos de órgãos de comunicação social que façam jornalismo. Se fizerem jornalismo e seguirem o código deontológico não é preciso fazer mais nada. Agora, é fazer jornalismo, não é adivinhação, nem especulação, nem entretenimento, é fazer jornalismo, se fizerem jornalismo é mais do que suficiente”, afirmou.

Carlos Daniel destacou a importância de combater as “fake news” e os modelos de propaganda que são aplicados em alguns momentos concretos. “Só há uma maneira de combater as falsas notícias, que é com as notícias verdadeiras. E sensibilizando as pessoas de que vale a pena consumir jornalismo e notícias verdadeiras”, disse.

Salientou ainda o esforço” louvável e indispensável” dos órgãos de comunicação social nacionais, apesar das dificuldades financeiras: É o caso concreto agora da cobertura da situação da Ucrânia, com o envio recorrente de jornalistas para o local e que vão reportando com olhos portugueses o que é possível ver num país que, ainda por cima desenvolveu uma relação muito grande com Portugal, por via também da comunidade ucraniana que vive aqui”, lembra.

Inês Cardoso falou no papel explicativo dos media e da sua importância para a sociedade, porque “ultrapassa a espuma dos dias”. A capacidade que a informação apresenta de “refletir sobre a realidade, de a explicar, de dar contexto” continua a ser essencial para a jornalista. Para além disso, reforçou a ideia de que “precisamos de media que sejam próximos das pessoas”.

“Precisamos de media que consigam recuperar uma maior capacidade de irem para a rua, de fazerem reportagem, de estarem próximos dos temas que interessam às populações. Serem, no fundo, menos oficiais e menos ligados às agências noticiosas, à comunicação oficial e mais próximos dos territórios. Se conseguirem estar com as pessoas, traduzirem os seus problemas, continuarem a fazer reportagem, continuarão sempre a ser relevantes e a dar espaço a histórias que não cabem no imediatismo das redes ou naquilo que é sensacional, que puxa muito à visualização rápida, mas que é de consumo rápido”, reflete.

Barata-Feyo destacou um ponto que considera essencial para o futuro da comunicação social. “Se nós não formos capazes de nos autorregularmos, se deixarmos que os interesses económicos que se apoiam muito no sensacionalismo, se tornarem a bíblia do jornalismo que se pratica no quotidiano, não auguro nada de bom para o futuro da liberdade de imprensa nem para os media em geral. E para fazerem o que é preciso, é preciso que os jornalistas o queiram fazer.”

Para o jornalista, é fundamental que se combata o sensacionalismo que tem tomado conta da comunicação social, e essa responsabilidade tem de ser dividida com a sociedade civil.

Uma opinião pública (des)educada

À medida que sai de uma pandemia, o Mundo assiste agora à eclosão de uma guerra na Ucrânia. Agora, mais do que nunca, é preciso uma opinião pública forte e esclarecida. Mas até que ponto os media conseguem prender a atenção de uma audiência, hoje, diferente?

O Mundo mudou. A sociedade mudou e, inevitavelmente, a forma como se faz jornalismo já não é a mesma. “O jornalismo não mudou, mudaram o jornalismo”, diz Carlos Daniel. O jornalista considera que “o mundo estará um pouco alterado, pela força que adquiriram as redes sociais, da forma como os novos públicos consomem jornalismo e consomem notícias”.

Hoje, é a audiência que escolhe o que ver, onde ver e o que ver, mas o jornalista da RTP garante que as responsabilidades básicas do jornalista se mantiveram imutáveis: “os nossos princípios são os mesmos: é o respeito pela verdade, pela validação, pela profundidade com que tratamos os temas”.

O que é evidente e sobressai é a urgência de educar uma sociedade que se continue a agarrar ao bom conteúdo, e que ajude e estimule os media a produzirem informação, em qualidade e quantidade. Carlos Daniel acredita que é possível criar-se essa sociedade que tenha interesse pelo conhecimento: “Para mim, o mais relevante é criar gerações que se interessem por saber, por conhecer, por estarem informadas. Criar verdadeira cidadania informada, essa é uma das vocações do jornalismo e dos media”.

Numa mesma linha de raciocínio, Barata-Feyo deixa patente a ideia de que é urgente uma mudança – que se perspetiva complexa e duradoura: “Não se pode, por decreto, ‘civilizar’ os portugueses. Isso é o resultado de uma política que demoraria muito tempo, que era necessário pôr em prática com urgência. Ninguém está preocupado com isso e ninguém a põe em movimento”.

Aos olhos de Inês Cardoso, o problema está na falta de capacidade de questionamento e filtragem da audiência, perante a quantidade excessiva de informação que lhe é apresentada: “os consumidores devem aprender a ter uma valorização diferente pela credibilidade e pelo rigor, porque isso vai influenciar a sua capacidade crítica, a sua capacidade de intervenção no espaço público e a sua capacidade de intervenção política”.

Para Pedro Leal, “o leitor tem sempre o poder na mão”, cabendo a ele fazer bom uso do “poder” ou não. Quanto a isso, o diretor de informação da Rádio Renascença considera que, em geral, os consumidores são pouco exigentes com os media: “Nós, enquanto sociedade, aceitamos coisas que não devíamos aceitar”.

Pelo contrário, o jornalista António Granado acha que, apesar de tudo o que têm à sua disposição para se fazerem ouvir, os consumidores têm pouco poder: “O papel dos consumidores de notícias é sempre difícil. Acho que devem protestar quando é de protestar, acho que devem chamar a atenção dos órgãos de comunicação social em que acreditam para seguirem as regras básicas do jornalismo, mas têm muito pouco poder“.

Os tempos são outros e cada vez se exige mais de todas as partes. O que é certo é que qualidade gera qualidade: uma comunicação social com conteúdo capaz de informar e educar bem vai gerar uma população mais bem informada e educada. Em sentido contrário, numa relação, verdadeiramente, simbiótica, uma opinião pública mais atenta, instruída e participativa vai fazer melhorar o desempenho dos órgãos de comunicação social. É este o futuro que se quer para os media que precisamos.

Artigo editado por Filipa Silva