São cada vez mais os países que criminalizam as denominadas "terapias de conversão". Contudo, as práticas que tentam alterar a orientação sexual e identidade de género ainda são legais em Portugal. O JPN pergunta a especialistas o que são estas "terapias", de onde surgiram e de que forma continuam a existir. O que falta para que estas práticas deixem de estar ao abrigo da lei?

Canadá, França, Nova Zelândia, Israel. Só entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022, foram quatro os países que criminalizaram as “terapias de conversão”. Nos últimos anos, o mundo tem vindo a assistir a uma alteração de panorama no que toca a estas práticas, que muitos manifestam ser pela defesa dos direitos humanos.

Com o aumento do número de países que criminalizam estas “terapias”, é também maior o número de vítimas que relatam ter sido alvo de tentativas de conversão. A questão tem-se levantado: o que são as “terapias de conversão”, como e onde atuam, que efeitos nefastos podem provocar e porque é que ainda são legais em Portugal?

As “fraudes” a que chamam de “terapias”

Cura gay, conversão homossexual, terapias de sexualidade, deshomossexualização. A prática já assumiu vários nomes, mas tem sempre o mesmo objetivo: tentar modificar a orientação sexual ou identidade de género de um indivíduo LGBTI+. Apesar dos contrapontos que possam ser apresentados, as tentativas de alteração da orientação sexual ou identidade de género são ainda muito comuns e ilegais apenas (por completo) em seis países.

Numa perspetiva histórica, os registos de práticas com intuito de estudo da homossexualidade remontam aos princípios do século XX. Apesar de se saber que a homossexualidade é punida e perseguida em diversos territórios há largos séculos, os registos conhecidos de estudos na área da medicina marcam-se no princípio do século passado. [ver caixa]

A evolução das “terapias” no tempo 

Apesar das tentativas de esconder e alterar a diversidade de orientações sexuais e identidades de género remontarem a muitos séculos atrás, é apenas no início do século XX que surge a primeira documentação existente daquilo que denominamos de terapias de conversão.

É preciso ter em conta que nesta altura a orientação sexual e a identidade de género eram tidas como patologias.

As primeiras tentativas de estudo são métodos como as lobotomias (corte parcial do cérebro para estudo) mais destinados a pessoas trans, e a castração.

Com o início da segunda guerra mundial, nos campos de concentração nazi, os homossexuais eram direcionados para alas especiais. Aqui, eram praticadas diversas formas de estudo e tentativa de reconversão. Entre elas a zoofilia (obrigar a ter relações sexuais com animais), os maus tratos e a terapia hormonal. Esta terapia consiste na injeção de testosterona nos homens ou estrogénio nas mulheres baseando-se na premissa de que a homossexualidade é uma doença hormonal. Em 2015, por exemplo, na Índia, ainda era praticada e no Líbano 79% dos profissionais médicos acreditava nesta premissa.

Com o final da segunda guerra, apesar de, aquando da invasão dos campos de concentração nazis, pelos aliados, todos os generais nazis responsáveis pela tortura e maus tratos de judeus tenham sido mortos, aqueles que se dedicavam à reconversão e estudo da homossexualidade eram poupados, como forma de continuarem a sua pesquisa que visava ao extermínio de identidades LGBT.

Posteriormente, na década de 30, surgem práticas de Terapia de Aversão. Estas consistiam na exposição dos pacientes a estímulos dolorosos, em ordem a modificar a sua orientação sexual. A mais comum era a terapia de choque.

Na década de 60 surgem terapias como o recondicionamento masturbatório, onde os pacientes eram obrigados a recorrer à masturbação com muita regularidade e sob estímulos heterossexuais.

Em 2017, na Rússia era ainda praticada a hipnose. Uma terapia hipnótica que afirmava “curar” todas as identidades LGBT num período de 18 meses, no qual os indivíduos eram afastados de tudo.

Hoje em dia, em diversos países no mundo, a prática de terapias de conversão recorre sobretudo a terapias de choque, acompanhamento psicológico, internamento em campos e clínicas nas quais os pacientes são coagidos ou forçados a entrar e, segundo os dados recolhidos, praticam terapias de grupo e muitas vezes são torturados física e psicologicamente.

No caso português não é certo até onde vão estas denominadas terapias de conversão. Sabe-se, sim, que estão ligadas à igreja católica e ao aconselhamento psicológico.

A história demonstra que, tanto a Igreja como a psicologia, em práticas mais antiquadas, se encontraram sempre como principais impulsionadores. Organizações como os Psicólogos Cristãos aliavam as mensagens de ódio católicas às práticas da psicologia. Durante vários anos, a orientação sexual e o que hoje definimos como identidade de género foram consideradas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como patologias, existindo mesmo profissionais e investigadores que se dedicavam à “cura e tratamento destas doenças”, explica ao JPN o psicólogo Jorge Gato.

Jorge Gato, psicólogo. Foto: Manuel Campos de Oliveira

Na década de 90, a OMS retirou a homossexualidade da lista de doenças do foro psicológico. No entanto, as práticas para a tentar curar mantêm-se até hoje. Jorge Gato explica que a psicologia “acompanha o pensamento da sociedade”, que procurava (e procura ainda, em muitos casos), a ‘cura’ para a homo e transsexualidade enquanto estas fossem consideradas doenças.

“Historicamente, as ciências psi, como a psicologia e a psiquiatria, têm uma responsabilidade na patologização destas identidades. Era um reflexo do pensamento que existia na época. Hoje em dia, sabemos que não há fundamento nenhum para considerar que as identidades LGBTI+ sejam patologias ou que estas pessoas sejam perturbadas emocionalmente”, diz o psicólogo. Durante vários anos, estas “terapias de conversão” eram encaradas como algo “necessário” para ajudar os pacientes a “curar-se”. Com a despatologização da homossexualidade e de pessoas trans, estas práticas “não têm hoje qualquer fundamento científico”, esclarece.

Hoje em dia, sabemos que não há fundamento nenhum para considerar que as identidades LGBTI+ sejam patologias ou que estas pessoas sejam perturbadas emocionalmente.

Contudo, apesar da evolução a que a área da psicologia tem assistido, Jorge Gato explica que devemos continuar a olhar para as “terapias” como “más práticas profissionais”, onde se misturam crenças pessoais com conhecimento científico. “Deve ficar muito claro que os psicólogos devem orientar-se com base em conhecimentos científicos, e devem colocar de lado as suas convicções pessoais e não deixar que elas interfiram no seu trabalho”, refere.

Aos olhos do investigador da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), é “urgente” integrar matérias como o racismo e a homofobia nos currículos do ensino superior. “Na minha opinião, devia ser obrigatório, na formação básica de qualquer psicólogo, ter esta componente de identidades LGBTI+, bem como de outras populações estigmatizadas. Ainda não existe uma obrigatoriedade de uma unidade curricular em que estas questões sejam abordadas”, comenta Jorge Gato:

Edifício da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Foto: Manuel Oliveira

Sara Malcato concorda com a falta de educação generalizada para questões LGBTI+. Segundo a psicóloga clínica e coordenadora dos serviços da Associação ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual, Trans e Intersexo), as terapias de que se tem relato em Portugal consistem de “más práticas” por profissionais da área. A representante acredita que “muitas vezes estas práticas e comentários LGBTfóbicos não são ditos com o intuito consciente de alterar aquela identidade, mas sim pela própria ignorância neste tema, que muitos profissionais da área têm, porque esta matéria não é dada em nenhuma faculdade de psicologia”.

Sara Malcato, psicóloga clínica. Foto: Facebook/ Sara Malcato

Apesar da tomada de posição de diversos países perante a realidade das denominadas “terapias de conversão”, o caso em Portugal é ainda distinto. Segundo dados da ILGA, são muito residuais os casos de vítimas destas práticas de reconversão. Sara Malcato explica ao JPN que, apesar de à Associação chegarem relatos recorrentes de más práticas, são “poucas” as queixas de vítimas efetivamente realizadas.

São exemplos dos relatos que chegam até à ILGA “a visualização de pornografia heterossexual” e a “administração de medicação antipsicótica”, métodos aconselhados por profissionais da saúde mental que, segundo Sara, são “bastante frequentes”. Este tipo de práticas que patologizam as identidades LGBTI+ consistem numa “tentativa de alteração da orientação e identidade” da pessoa.

A psicóloga acredita que o desconhecimento por parte dos profissionais os leva a aconselhar tratamentos perigosos e incorretos quando recebem identidades LGBTI+ nos consultórios:

“Às vezes as próprias pessoas não sabem que aquilo lhes está a acontecer e, portanto, fazer um reconhecimento que foram vítimas deste tipo de práticas torna-se muito difícil”, explica Sara Malcato. A psicóloga reconhece que “é preciso ter coragem para denunciar e ainda mais coragem quando é preciso reconhecer o que está a acontecer”, fator que explica as “denúncias residuais” – “não é as vítimas não denunciarem, mas também muitas não reconhecerem”, diz.

O estigma social

Jorge Gato e Sara Malcato explicam que, após terem sido alvo destas práticas, as vítimas terão de ser expostas a um longo e cauteloso processo de “psicoterapia afirmativa”. Este processo tende a explicar ao paciente que o problema não é a sua orientação sexual ou identidade de género, mas o “estigma e preconceito” presentes na sociedade.

Os psicólogos explicam que é necessário explicar às vítimas que “o problema não são eles”, mas sim a sociedade que os rodeia. “Mostrar que o problema não é a orientação sexual [da vítima], que é válida que deve ser celebrada, que deve ser valorizada, porque é uma experiência digna como outra qualquer. O problema é o estigma que existe”, explica o investigador e docente da FPCEUP:

Sara Malcato vai mais longe e afirma que as identidades LGBTI+ não são algo que “devamos aceitar, mas sim respeitar”. Também focada na premissa do estigma ser o problema, a psicóloga constata a hierarquização sexual que existe na sociedade. “Não há uma orientação que é válida que é hétero e depois há as outras que os héteros até aceitam. Não há nada para aceitar porque não existe uma hierarquia de orientações sexuais. Vocês não são mais do que eu para me aceitarem, todas as orientações são válidas todas elas estão no mesmo nível e fazem parte da diversidade sexual da natureza. É por isso que quando nos dizem que é antinatural, é exatamente o oposto, mais natural do que isso era impossível”, refere.

A coordenadora dos serviços da Associação ILGA ressalva ainda a resposta que tem na ponta da língua para quem pensa que se pode escolher a orientação sexual: “a sociedade é que está errada. Ser homofóbico é que é uma é uma escolha, eu ser lésbica, gay, bissexual não é uma escolha. Mas eu posso escolher ser homofóbico ou não ser”. A psicóloga recorda ainda que é preciso lembrar que as denominadas “terapias de conversão vêm de um lugar de homofobia e não de uma base científica”.

O que significa cada letra da sigla alargada LGBTQIAP+. Infografia: Mafalda Oliveira Marques

As cicatrizes da “cura”

Ao JPN, o psicólogo Jorge Gato explica que “os estudos nos indicam que além destes tratamentos não funcionarem, ainda prejudicam as pessoas, aumentam a tentativa de suicido, a perturbação emocional.” A tentativa de curar algo que não é considerado uma doença ou perturbação deverá ter “resultados nefastos” e um impacto negativo nas vítimas destes “tratamentos”, originam um elevado número de depressões e suicídios.

“Quando se propõem estas fraudes, ‘tratamentos’, propõe-se a mudança da orientação sexual ou da identidade de género a alguém. Está-se a invalidar a experiência dessa pessoa e a dizer-lhe que aquilo que ela sente e que ela pensa está errado. Isto do ponto de vista do impacto na saúde mental e até física das pessoas é nefasto”, afirma o psicólogo:

Em conversa com o JPN, o investigador da FPCEUP facilmente desmistifica o porquê destes “tratamentos” serem “completamente descabidos”, na sua opinião, através de uma metáfora: “uma pessoa que me apareça em consulta e disser que é vítima de racismo, não lhe vou propor que mude a cor da pele. O problema é o racismo, é o estigma, não a pessoa”. Jorge Gato clarifica que o foco não deve ser alterar o indivíduo, mas “mudar a sociedade”.

Uma pessoa que me aparecer em consulta e disser que é vítima de racismo eu não lhe vou propor que mude a cor da pele. O problema é o racismo, é o estigma, não a pessoa.

As “terapias” portuguesas na primeira pessoa

Miguel Salazar tem 22 anos e é natural da Póvoa de Varzim. Após confidenciar a um “professor da igreja” a sua orientação sexual, viu-se envolvido num confronto com a família, que o pressionou a frequentar consultas com um psicólogo para que se “curasse”.

Cresceu num seio evangélico, e a descoberta da sua orientação sexual fez com que terminasse nestas “terapias” de tentativa de conversão sexual. Falavam-lhe que estava doente, que tinha de se curar e que Deus “nunca o aceitaria” assim. A pressão dos pais levou a que aceitasse frequentar estas consultas – que na verdade não o são. Miguel rapidamente percebeu não terem qualquer sentido.

Ao JPN, Miguel Salazar explica que cortou relações com os pais após compreender que a situação familiar e as “visões tão diferentes” não eram passíveis de convivência. Para além da questão religiosa, há o ponto político, que o jovem aponta como um dos principais problemas nestas divergências – mãe pertence ao grupo de estudos do partido político Chega; Miguel é militante do PS.

Hoje, é um jovem LGBTQ+ “com orgulho”, diz.

A questão traduzida em números

O caso de Miguel Salazar não é singular e muito menos representativo da panóplia de jovens queer que sofrem com estas práticas. A descriminação, preconceito e violência em função da orientação sexual e da identidade de género ocorrem com frequência. Em 2019, a ILGA recebeu um total de 171 denúncias em Portugal.

Segundo Sara Malcato, coordenadora dos serviços dessa associação, para além do número elevado de denúncias, é também grande o número de pessoas queer que pede ajuda psicológica à ILGA. A psicóloga realiza o acompanhamento dos pacientes, encontrando-se preparada para acompanhar identidades LGBTI+, o que, segundo a mesma, não é a realidade de uma vasta parte dos profissionais de saúde.

Durante a conversa com o JPN, a psicóloga realça o perigo do acompanhamento por quem não tem formação na área. “Estes profissionais, mesmo que sem intenção, acabam por ajudar a internalizar o estigma que a sociedade já provoca. E só mais tarde perceber que aquilo que foi dito, que na altura doeu, mas não percebi muito bem o porquê de ter doído, afinal não deveria ter sido dito e não é nada assim”.

Contudo, Sara Malcato explica que esta é a realidade dos jovens queer, visto que se encontram “muito mais expostos” a formas de violência social. A psicóloga destaca que a percentagem de jovens trans que se tenta suicidar pelo menos uma vez na vida, cruzando números de várias investigações a nível global e segundo dados recolhidos pela ILGA. Explica que estes números são “elevadíssimos” e esta realidade deve “preocupar-nos e mover-nos” a prestar mais atenção a este bloco da sociedade.

Pode consultar o índice de diretos LGBTQ+ conquistados em cada país europeu.

Os punidores das “terapias”

Existem já no mundo cerca de sete países que criminalizam totalmente qualquer prática que tenha como intenção a conversão da orientação sexual ou identidade de género. Desde o Brasil, em 1999, até Israel, o mais recente estado a proibir as “terapias de conversão”.

O Brasil foi o primeiro país das Nações Unidas a fazer esta proibição; Malta o primeiro da Europa.

 

Há ainda países nos quais as “terapias de conversão” foram parcialmente proibidas com punições indiretas ou leis regionais, como em Espanha e nos Estados Unidos (EUA), entre outros. Algumas comunidades espanholas, como a Comunidade de Madrid, e alguns estados dos EUA, como na Califórnia, criminalizaram estas práticas. Assim sendo, as resoluções que baniram estas práticas foram realizadas na independência política dos estados ou comunidades, mas não na lei integral dos países.

Além das peculiaridades demográficas, das quais são exemplo os países anteriores, existem também exceções à lei a nível etário. Na Alemanha, por exemplo, a realização de “terapias de conversão” é apenas proibida em menores de idade.

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Mais recentemente, países como o Canadá, Israel, França e Nova Zelândia criminalizaram estas terapias. Para a comunidade LGBTI+ canadiana, a resolução de 2021 foi descrita como uma vitória. O país criminalizou a prática de conversão sexual no mês de dezembro. Em janeiro de 2022, França seguiu a tendência mundial. No mês seguinte, Israel e a Nova Zelândia acompanham os passos internacionais e também eles proíbem as denominadas “terapias de conversão”.

A disparidade mundial 

No século XXI, a disparidade de direitos LGBTI+ nos diferentes países do planeta nunca foi tão grande. Enquanto cresce o número de países que legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a adoção e criminaliza as “terapias de conversão”, são ainda 71 os países onde orientação sexual (não hétero) e identidade de género (não cis) são ilegais. Dez destes não só criminalizam as relações ou atos afetuosos/sexuais entre pessoas do mesmo sexo como a punem com pena de morte.

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O caso português

Portugal encontra-se em sétimo lugar no ranking de direitos LGBTI+. Dentro de 49 países, os retrocessos presenciados nalguns estados europeus contribuíram para a elevação portuguesa da tabela. Contudo, a falta de legislação que criminalize as “terapias de conversão” é um dos motivos que não coloca Portugal mais perto do pódio.

Cristina Rodrigues, deputada não-inscrita cessante na Assembleia da República. Foto: Facebook/Cristina Rodrigues

É necessário ter em conta que, no que toca a direitos e liberdades individuais, em especial as LGBTI+, Portugal esteve sempre na linha da frente. Aqui se levanta a questão que faz deputados, associações, profissionais e cidadãos perguntar: porque é que as práticas de conversão ainda são legais no país?

Apesar de ainda não serem ilegais, já dois projetos de lei foram apresentados com vista a proibir estas práticas. Quer a proposta apresentada por Cristina Rodrigues (deputada não-inscrita), como por Fabíola Cardoso (deputada do Bloco de Esquerda) pretendem criminalizar qualquer ação que intente no sentido de alterar a orientação sexual ou identidade de género de um indivíduo, com pena de até três anos de prisão ou multa. Há ainda uma petição pública online que já conta com mais de cinco mil assinaturas.

Ao JPN, a deputada cessante Cristina Rodrigues explica que “neste momento temos uma lacuna quanto às terapias de conversão. Embora a Ordem dos Médicos e dos Psicólogos não as reconheça como terapia, ainda assim não é legalmente proibido”. Segundo a deputada não-inscrita, ilegalizar as práticas não é “um bicho de sete cabeças”: é algo “muito simples, basta incluir um artigo no código penal que o proíba. É preciso é que haja vontade”, refere.

“Na Assembleia da República há falta de representatividade dos vários grupos que existem na sociedade (…) acho que por isso há um défice de legislação relativamente à comunidade LGBTI+”, salienta, apontando esta como uma das razões para a pouca conversa que existe à volta do tema.

No projeto-lei, pretende-se que seja punido “quem praticar ou promover, nomeadamente através da organização de eventos, divulgação, fornecimento de instalações, prestação de auxílio de material ou qualquer outra atividade dirigida à sua realização tratamento que vise alterar a orientação sexual da pessoa ou a sua identidade de género”. Cristina Rodrigues explica, ainda, que não é importante a discriminação do tipo de práticas, mas sim o objetivo final das mesmas: “o artigo não deve discriminar essas formas, não é relevante essa parte. O que interessa é o objetivo final das práticas”.

Quando questionada, a deputada cessante afirma que este deveria ser um crime público. “O que está aqui em causa são direitos humanos e acho, efetivamente, que não tem necessariamente de ser o próprio a denunciar”, adverte.

O psicólogo e investigador Jorge Gato concorda. “Deveria haver uma forma de tornar este crime também um crime público porque é um crime que muitas vezes as vítimas não têm consciência”. Em conversa com o JPN, o docente da FPCEUP compara, dizendo que, tal como o crime de violência doméstica, este também este deveria ser um crime público, pois nem sempre a vítima reconhece que está a ser alvo deste abuso ou tem capacidade de o reportar.

Cristina Rodrigues alerta, ainda, para os meios que temos em ordem a proteger jovens queer. “Eu acho que aqui tem de haver muita informação junto dos jovens para eles próprios saberem que, em primeiro, não há nada de errado com eles. Em segundo, não havendo nada de errado, que não pode haver qualquer terapia e, portanto, não existe”.

Aborda a necessidade de sensibilizar junto dos pais, familiares e amigos “que são quem muitas vezes faz pressão para que as pessoas se sujeitem a este tipo de coisas”.

Na Assembleia da República há falta de representatividade dos vários grupos que existem na sociedade (…) acho que por isso há um défice de legislação relativamente à comunidade LGBTI+. 

Abordando a realidade do país, é importante colocar os olhos nos últimos programas eleitorais, apresentados para as eleições legislativas de 30 de janeiro. Todos os partidos com assento parlamentar, excetuando o Chega, mencionam, mais ou menos vezes, os direitos LGBTI+. Contudo, em apenas três programas dos sete partidos constava a intenção de criminalizar as “terapias de conversão”: PAN, Livre e Bloco de Esquerda.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha