O JPN esteve no Seminário Redentorista de Cristo Rei, em Gaia, um dos pontos de recolha de donativos que fazem chegar bens à Ucrânia. Todos os dias, sai um camião com vários tipos de bens. Esta segunda-feira, parte também um contingente militar para combater na Ucrânia. Todos voluntários. O objetivo é ajudar “as populações”.

Desde que a guerra começou, são muitos os que se unem para ajudar aqueles que perderam quase tudo. O Seminário Redentorista de Cristo Rei, em Vila Nova de Gaia, é um dos sítios que está a recolher donativos. O JPN esteve no local para perceber como funciona a iniciativa.

Quinta-feira, dia 3 de março. Passa pouco das 14h00. Fora das portas do Seminário Redentorista de Cristo Rei, em Gaia, o ambiente ainda é calmo, mas são alguns os voluntários que lá se encontram. Dentro de uma sala, agora transformada em armazém, a azáfama já é muita. Caixas em cima de caixas, pessoas em todo o lado e cartazes onde se lê o tipo de bens que estão naquela zona do espaço.

Todos os dias saem dali carrinhas e camiões e já não dá para contabilizar as ajudas. Desde alimentos a produtos de higiene, passando por roupas e medicamentos, os pedidos agora são outros.

Se a guerra se faz com armas, é preciso algo que ajude as pessoas a defenderem-se delas. No Seminário, esta ação de solidariedade começou com os “muitos pedidos da Ucrânia, por causa dos capacetes e coletes”, acessórios “escassos”, como garante Volodymyr Muzychack, um dos responsáveis por este ponto de recolha na campanha de ajuda à Ucrânia.

O equipamento militar de proteção é o que mais faz falta, neste momento, ao país invadido pela Rússia. Volodymyr Muzychack afirma que “cotoveleiras, joelheiras, lanternas, facas, tesouras e equipamento médico” são o mais urgente para levar aos ucranianos que estão a defender o país.

são alguns os bens angariados, desde “vários tipos de equipamento e acessórios, como também comida militar e lanternas, pilhas e sacos de cama”. Ainda assim, não é suficiente.

É com um ar calmo mas uma postura rígida que Volodymyr Muzychack garante ao JPN que ali está-se a “trabalhar para o bem comum”, assegurando que não quer que o “pessoal” pense que “a gente está a patrocinar a guerra”. “Nós não queremos a guerra. Os nossos combatentes lá estão a precisar e a razão está do nosso lado”, assevera.

É nesta linha de pensamento que o responsável pela iniciativa menciona que “não é comida, bens alimentares e roupa” que “vão decidir”. Salienta, de imediato, que isso “ajuda muito”, mas “o que vai ganhar a guerra é o armamento, o equipamento e os homens”. “É isso que nós temos de estar cientes”, assegura Volodymyr Muzychack.

“Ter coragem é, mesmo com medo, irmos fazer o que temos a fazer”. Partir para uma guerra pondo em risco a própria vida

Numa conversa apressada devido à quantidade de trabalho que o espera no Seminário, Volodymyr Muzychack ainda arranjou espaço para falar do conflito bélico que está, desde o dia 24 de fevereiro, a assolar a Ucrânia. É num tom sério que diz ao JPN que “chega uma altura que o pessoal tem de começar a pensar ‘imagina que isso acontece aqui?’”, evidenciando que “os ucranianos nunca na vida pensavam, até ao último dia, que a Rússia ia estar lá”.

Sobre o conflito, o responsável explica que esta guerra não é sobre dinheiro, mas sim sobre “pessoas, de crianças que estão a morrer”, ao mesmo tempo que garante que a NATO e a Europa “têm medo”. “Os homens que vão para lá não têm medo de ir combater”, contrapõe, e não deixa de referir que os russos já estão a ter “grandes baixas”, porque estão a entrar “sem ideia”, só para a “invasão”.

Mas esta ausência de medo nos que lutam na Ucrânia não é, na verdade, assim tão ausente. Esta segunda-feira vai partir um contingente militar para a Ucrânia. Três comandos e dois paraquedistas, todos voluntários com vontade de ajudar quem mais precisa. 

No Seminário, o JPN falou com um desses comandos, que quis manter o anonimato, não escondendo que há sempre algum medo quando se vai para um lugar em conflito. “Medo temos todos. Ter coragem não é não ter medo. Ter coragem é, mesmo com medo, irmos fazer o que temos a fazer”, afirma.

Ao JPN, o comando presente no Seminário assegura que vão lá “pelas populações”, ao mesmo tempo que salienta que a ajuda não é suficiente: “não é que ninguém faça nada, mas pouca gente está a fazer alguma coisa”.

Volodymyr Muzychack não esconde que “a vida deles [os militares que vão partir] não vai ser fácil”, mas ajuda saber que eles “vão combater uma tropa um bocado desmoralizada”, garantindo que muitos russos que estão na Ucrânia a combater “estão lá enganados e estão a desistir”.

A onda humanitária que liga Portugal à Ucrânia

 

Já passava das 14h30 e o trabalho ainda continuava. “Pessoal, venham almoçar, chegaram agora umas pizzas”, ouve-se de uma voluntária. No exterior, reúnem-se num canto a comer apressadamente. Nas traseiras do camião, que já estava quase cheio, estão três voluntários, que ficam lá a almoçar. As pizzas tinham sido levadas pela Junta de Freguesia de uma freguesia vizinha. O espírito de equipa é notório.

“É de um grande valor, o pessoal que está aqui, que são muitos portugueses que estão aqui a ajudar, que conseguimos, junto com os ucranianos, organizar isto tudo e mandar tanta coisa para lá, é incrível”, afirma Volodymyr Muzychack ao JPN.

Os apoios têm sido imensos. O camião presente no local, na altura da reportagem, era já o quinto. Partiu ainda nesse dia, quinta-feira (3), percorrendo quase quatro mil quilómetros até à Polónia, onde existem pontos de recolha, em que vários “voluntários fazem a separação dos bens e depois direcionam para cada sítio”, como afirma o responsável da iniciativa. Só cada camião transporta cerca de 20 toneladas. Junta-se a isto as várias carrinhas que já saíram, das quais já “não tem conta”.

É no meio da azáfama de empacotar todos os tipos de bens que lá chegam que uma voluntária dá o seu testemunho ao JPN. Cristina Almeida tem 38 anos e não conseguiu ficar indiferente à onda de solidariedade que está a atingir o país. “Na terça de Carnaval estava a ver as notícias e não consegui mais, tive de agir”, afirma. Havendo tolerância de ponto naquele dia, era muita a afluência de gente para ajudar e, mesmo não sendo precisa mais ajuda, a voluntária ficou.

“Viciei-me, não consigo sair daqui. Isto enche-me o coração”. Palavras emocionadas de Cristina Almeida, que garante ao JPN que “enquanto eles precisarem [vão] estar aqui para ajudar”. Alguns gestos tocam mais do que outros: “pessoas que nota-se que não têm muitas condições mas trazem nem que seja um pacote de fraldas geriátricas, isso diz muito”, afirma, comovida.

Enquanto leva caixas para o camião e ajuda a transportar bens que são entregues para o interior, para serem empacotados, João Martins, de 23 anos, também fala ao JPN sobre a sua experiência enquanto voluntário no Seminário. Tinha chegado apenas no dia anterior (2) e o que o levou lá foi poder “ajudar a humanidade, simplesmente”, porque considera “inadmissível” estar “em pleno século XXI e estar a acontecer esta situação”.

De volta ao interior do armazém improvisado, o JPN falou com uma das muitas pessoas que todos os dias têm passado no espaço para deixar bens. António Pinto levava consigo um saco de desporto. Nele estava a roupa que usou no seu tempo de tropa. Não conseguindo ficar indiferente à situação e face aos apelos recentes de que é preciso equipamento militar, quis contribuir com algo que marcou uma parte da sua vida.

Entretanto, o exterior do Seminário já está repleto de gente. Um grupo de adolescentes chega com sacos com bens para doar. Também entram carros, que chegam a formar uma fila. São 15h00. A organização é imensa e até há uma pessoa com uma placa stop na mão a controlar a entrada dos veículos.

Mais de quatro mil quilómetros de ajuda

O camião está já mais preenchido do que estava quando o JPN chegou ao local. O “armazém” continua cheio de caixas com alimentos, roupa, medicamentos. Há também, à entrada, uma caixa para recolher donativos monetários.

O apelo, agora, é maioritariamente para donativos de equipamento militar. Volodymyr Muzychack garante que o seu papel principal é “arranjar equipamento para a Ucrânia”, também para equipar “ao máximo” a equipa que vai partir esta segunda-feira e “tentar ajudar nessa causa”.

Os pedidos vindos da Ucrânia são muitos e Volodymyr Muzychack, que tem contacto com pessoas que estão no país, assegura que lhe ligam a chorar a pedir ajuda. “Eu tenho mulheres do pessoal a ligar-me a chorar porque eles precisam de coisas já, já!”, revela ao JPN.

Para além da iniciativa dos donativos, o Seminário tem 105 camas disponíveis para alojar ucranianos que tenham saído do país. O responsável garante que ainda estão à espera das pessoas, mas já sabe de “muitos portugueses e ucranianos que disponibilizaram espaço para acolher pessoal”.

A colaboração tem sido muita, mais do que o esperado. “Temos aqui, até às nove ou dez da noite, por volta de 50 pessoas a trabalhar”, afirma Volodymyr Muzychack. Cristina Almeida, voluntária, também conta, comovida, que a ajuda, ainda que muita, não é suficiente. “O tudo que tem sido parece muito para nós, mas é pouco para eles. Não chega”, conclui.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha