Antes do lançamento de “Os Beijos” no Correntes d’Escritas, na Póvoa de Varzim, o JPN entrevistou o autor sobre o novo romance, a vida durante a pandemia e os projetos para o futuro. O escritor espanhol acredita no poder salvífico do amor. Diz mais: "Estou obcecado pelo amor”.

Ao início da tarde de dia 25, Manuel Vilas senta-se à mesa do Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim, e desvenda, ao JPN, o mistério do amor e a sua importância face às atrocidades políticas que têm assolado a Europa. A conversa fez-se pouco antes do lançamento que servira para apresentar ao público do Correntes d’Escritas, o romance “Os Beijos” (Alfaguara), acabado de publicar em Portugal.

Manuel Vilas é um premiado poeta e romancista espanhol. O autor de 59 anos começou por publicar poesia e logo se aventurou no mundo dos romances. Estreou-se em Portugal em 2019 com “Em tudo havia beleza”, um romance autobiográfico sobre a perda dos pais e o impacto que isso tem na vida de um homem adulto. Seguiu-se, em 2020, “E, de Repente, a Alegria”, finalista do Prémio Planeta, em 2019, e, agora, “Os Beijos”, uma história de amor pandémica.

Debruçando-se sobre a temática do amor e as suas diferentes formas – “Ao falar da temática de amor filial, percebi que o amor tinha outros territórios importantes, o que chamamos de amor romântico” –, Manuel Vilas optou por dar, neste livro, um passo em frente na exploração do sentimento amoroso e abordar a sua vertente mais romântica.

Uma história que acontece na iminência do vírus, na qual Salvador, o protagonista, e uma mulher chamada Montserrat se apaixonam e, por entre feridas passadas, são capazes de se curar e encontrar redenção na escuridão dos tempos que se avizinham.

Para o futuro próximo, fica anunciado mais um livro: “Estou a escrever outro romance de amor. Estou obcecado pelo amor”.

Tem publicadas 14 coleções de poesia, sete livros de ensaios e sete romances. É-lhe mais natural escrever em poesia ou em prosa? E porquê?

É uma pergunta complicada. Não sei porque é que umas vezes escrevo poesia e outras vezes prosa. É como uma canção: umas vezes toca-se de uma maneira e outras vezes de outra. Não é algo pensado, é por instinto. Estou mais confortável no romance, porque aquilo que quero explicar e expressar é mais fácil através deste género literário. No entanto, também gosto que um romance tenha espírito poético.

Manuel Vilas escreveu “Os Beijos” durante o confinamento. Foto: Sara Arnaud

O livro “Os Beijos” foi escrito durante a pandemia. De alguma forma, foi a maneira que encontrou de viver o confinamento?

Sim. Fiquei muito angustiado e sofri muito com a pandemia. Sou um entusiasta da vida, gosto das ruas, do sol, das pessoas, de passear, das árvores, e, de repente, não havia vida. E como podemos permanecer entusiasmados, continuar a manter a confiança na vida no meio do infortúnio da pandemia? Bem, através de uma história de amor. A literatura não conta nada que nós não saibamos, neste caso, apenas nos faz recordar que o amor é importante na experiência da vida. Então, refugiei-me na escrita desta história de amor para viver o confinamento. Assim, surgiu “Os Beijos”. Em geral, o vírus foi grave e agora vemos as consequências psicológicas disso. Em Espanha, por exemplo, aumentaram as depressões em jovens e até os suicídios.

Para quem escreveu “Os Beijos”?

É um romance de amor escrito contra a tristeza da pandemia. O objetivo do livro é defender um território humano contra a angústia que o vírus introduziu no mundo. Foi escrito para qualquer pessoa que acredita que o amor é importante na vida. Sou fiel ao tema do amor, digo muitas vezes que sou um profissional literário do amor. É o tema que mais me interessa, porque no amor não há relações de interesse. No amor, dois seres humanos relacionam-se de forma plena.

Qual é a relação entre a personagem Salvador, do livro, e o Manuel Vilas, o escritor?

Não há. É uma personagem fictícia. O modo como o Salvador vê a vida é muito diferente da minha, ele é excessivamente idealista.

O romance “Os Beijos” conta a história de amor entre Salvador e Montserrat em tempos de pandemia. Foto: Sara Arnaud

Nos dias que correm, acredita no poder salvador do amor?

Sim, acredito que o amor é o que dá alegria à vida. O amor a outro ser humano, ao céu, à luz, ao mar, a uma árvore, este sentimento de fraternidade com as coisas é fundamental para o ser humano. Uma história de amor inicia-se sempre com um beijo na boca. Comecei a ver a natureza simbólica do beijo e fez-me pensar que a novela tinha de ser intitulada de “Os Beijos”, justamente pela importância do beijo nas relações entre os seres humanos e pela proibição dos beijos durante a pandemia.

E se pensarmos no que está a acontecer com a Rússia e a Ucrânia, é possível continuar a acreditar no amor?

O que está a acontecer com a Rússia e a Ucrânia é muito grave. Putin é um inimigo. Ele não nos ama. Ali, não vejo amor. A Europa já sofreu muito historicamente com guerras e conflitos e agora este conflito é horrível. Na política, não há muito amor e deveria haver mais. Noutras palavras, quem nos governa deveria amar-nos e pensar em nós. Mas eles não pensam em nós. É por isso que, às vezes, a política da extrema-direita, em toda a Europa, na realidade tem a ver com aqueles cidadãos que se sentem abandonados pelos seus políticos tradicionais. E o seu voto é um voto radical, porque as pessoas sentem-se abandonadas e vão para a extrema-direita ou para a extrema-esquerda. Portanto, quando os políticos não nos amam, é gerado um conflito importante na nossa sociedade democrática.

Mas provavelmente eles amam-se a si mesmos, não?

O cidadão percebe que os políticos mentem e que não se importam com os seus interesses. Em Espanha, por exemplo, é percetível que os partidos políticos pensam apenas nos seus próprios interesses e nos do político e não nos interesses do povo. E o cidadão está a perceber isso e, no final, opta por uma posição radical. Então, voltando ao assunto, o amor é importante na vida, porque é capaz de resolver problemas. O amor é um sentimento de confiança na vida, é um triunfo da vida. E, bem, parece-me que defender o amor é como defender a vida.

O escritor diz que “Os Beijos” é uma celebração ao amor sem idade e a busca do erotismo perdido com o passar dos anos. Foto: Sara Arnaud

Tem agora três livros publicados em Portugal. Os dois primeiros -“Em tudo havia beleza” e “E, de Repente, a Alegria” – são autoficções e foram muito bem recebidos pelos leitores. Porque é que acha que isto aconteceu? Está relacionado com este carácter autoficcional?

São dois romances sobre o amor entre pais, mães e filhos. O amor de família é um tema universal, somos todos filhos e muito depois podemos vir a ser pais e mães. Estes dois romances retratam o sentimento de pertença a uma família, que continua a ser fundamental na vida dos seres humanos. Precisamos de uma família, porque nela existe algo muito importante: o amor incondicional. Aqui não existem relações de interesse, as pessoas de uma família amam-se sem interesses mesquinhos, enquanto que nas relações laborais, sociais, económicas, tudo é por conveniência. O ser humano acaba por precisar de um lugar onde não há mais interesse do que o amor verdadeiro e esse lugar é a família.

Durante algum tempo, queria continuar a linha de “Em tudo havia beleza” e “E, de Repente, a Alegria”, culminando numa espécie de trilogia autobiográfica. Agora apresenta “Os Beijos”, que não segue essa linha. O que aconteceu?

Porque tudo o que tinha para contar sobre a família já foi contado em “Em tudo havia beleza” e “E, de Repente, a Alegria”. Um escritor sabe quando já disse tudo o que tinha a dizer sobre um assunto e da família não havia mais nada a dizer. Sou obcecado pelo amor, é o grande sentimento do ser humano. Ao falar da temática de amor filial, percebi que o amor tinha outros territórios importantes, o que chamamos de amor romântico. O amor entre dois seres humanos, neste caso em “Os Beijos” é entre um homem e uma mulher. E ainda tenho muitas coisas para falar sobre o amor sentimental.

Em Portugal, não tem publicada nenhuma das suas obras de poesia. Porquê? Tenciona fazê-lo?

Bem, porque ainda não houve interesse editorial. A poesia também acaba por ser uma minoria. Já foi publicada em Itália, França e Estados Unidos e espero que seja também publicada em Portugal.

Pensando no futuro, já está a escrever algum outro livro? Tem algum em mente?

Sim, estou a escrever outro romance de amor. Estou obcecado pelo amor, porque acho que é um lugar maravilhoso para o ser humano. Mas não é um seguimento de “Os Beijos”, é distinto.

Artigo editado por Filipa Silva