No Dia Internacional da Mulher recuperamos a iniciativa da Plataforma Portuguesa pelos Direitos das Mulheres, que critica o enfoque da disciplina em aspetos como a prevenção da gravidez e das doenças sexualmente transmissíveis. "Precisamos de conversas mais profundas do que é o consentimento, o desejo, a liberdade e a autonomia sexual”, exemplifica Maria João Faustino ao JPN.

Consentimento e “igualdade nas condições de partilha” são aspetos essenciais na educação sexual, diz a PpDM. Foto: Ana Maria Moroz/Pexels

A Plataforma Portuguesa pelos Direitos das Mulheres (PpDM) propõe uma educação sexual feminista nas escolas. A maior organização da sociedade civil portuguesa na área dos direitos humanos das mulheres e das raparigas, como se apresenta, exige a aplicação prática dos compromissos do país em prol da igualdade de género.

A educação sexual no meio escolar é obrigatória para todos os estudantes do ensino básico e secundário. No entanto, a PpDM critica o enfoque da disciplina na prevenção da gravidez e de infeções sexualmente transmissíveis e acredita na necessidade de lhe acrescentar uma visão mais feminista.

A plataforma propõe uma abordagem assente em cinco pilares:

  • educação holística para a saúde e direitos sexuais e reprodutivos;
  • foco na prevenção da violência;
  • encorajar o pensamento crítico;
  • promover comportamentos e interações saudáveis e não coercivas;
  • e potenciar o desenvolvimento pessoal e as atitudes saudáveis para consigo própria/o.

A propósito, Maria João Faustino, da PpDM, faz uma análise híbrida sobre o que considera estar em falta no ensino da disciplina: “tudo, exceto que já temos uma boa matriz, um bom reconhecimento do que é a educação sexual”.

Ao JPN, a representante da plataforma, que é também investigadora na área, admite já existirem objetivos e referenciais teóricos para seguir na direção proposta pela PpDM, mencionando o Tratado de Istambul, nome pelo qual ficou conhecida a Convenção do Conselho da Europa para a prevenção e o combate à violência contra as mulheres e a violência doméstica.

Portugal ratificou o tratado em 2013 e este entrou em vigor em 2014 no nosso país. Maria João Faustino considera o compromisso tem de ser cumprido, e que esse cumprimento passa pela Educação: “Em termos de enquadramento legal, o percurso não está todo por fazer. Já há caminho feito e há muito bons referenciais. O problema é depois a sua aplicação prática e efetiva”, considera.

A Plataforma Portuguesa pelos Direitos das Mulheres reivindica que não basta uma abordagem biomédica sobre a sexualidade, uma abordagem que se foque exclusivamente na contraceção e prevenção de DST ou no ciclo reprodutivo das mulheres. “A sexualidade é de facto política no sentido próprio, no sentido que é uma construção que se vive em sociedade, nas dinâmicas sociais que existem entre homens e mulheres. Nós precisamos mesmo de fazer este caminho de ir para lá da abordagem biomédica. Precisamos de uma educação sexual que seja verdadeiramente empoderadora das pessoas”, defende a representante da plataforma.

A plataforma feminista alerta para a sexualidade ainda vivida num contexto sexista e considera isso “muito limitativo para mulheres e homens, mas sobretudo para as mulheres”. Destaca a necessidade de desmontar relações de poder. “Precisamos de desmontar o sexismo para que a sociedade possa ser livre e isso implica conversas muito mais profundas do que só como é que se usa um preservativo. Precisamos de conversas mais profundas do que é o consentimento, o desejo, a liberdade e a autonomia sexual”, alerta Maria João Faustino, que vê a educação sexual como um direito de todos os jovens.

Maria João Faustino acrescenta que “ainda temos muito aquela visão muito centrada no prazer masculino, no casal heterossexual” e acredita na necessidade de “dignificar e reconhecer que existem outras formas de relação”, para o qual surgem algumas questões: “Como é que temos relações livres, qual é o horizonte da liberdade sexual, o que é que isso implica, que caminho é que há por fazer até lá? E aqui há muita coisa por fazer.”

Para a doutoranda de Psicologia na Universidade de Auckland é “ultra importante de frisar” que “uma cultura de liberdade sexual é uma cultura de mutualidade, é uma cultura de empoderamento sexual e de igualdade nas condições de partilha”.

Educação sexual como direito universal

A necessidade de abordar estes temas entre os jovens não pode, no ponto de vista desta plataforma, ser um direito de alguns. “Não pode ser como ainda é uma lotaria em x escolas, ou dependente da boa vontade de professores em concreto, tem de ser uma intervenção holística. Não podem ser aulas avulso ou umas sessões”, afirma Maria João Faustino, para quem há também pessoas em circunstâncias de desvantagem. “Há mulheres que serão particularmente lesadas quando são excluídas desta informação, mulheres portadoras de deficiência, mulheres que estão isoladas nalguns contextos, mulheres que enfrentam desafios acrescidos”, sublinha.

Considerando a liberdade sexual como um direito das pessoas, a representante da plataforma acredita que a questão deve ser abordada sem enganos: “É ingenuidade pensar que podemos chegar a um adolescente de 15 ou 16 anos e começar a conversa sobre educação sexual, como se as pessoas tivessem vivido numa bolha. Os jovens e as jovens já vivem num contexto que lhes transmite múltiplas mensagens sobre a sexualidade. Portanto, a pergunta que temos de fazer é: elas têm direito a mais do que isso?”, resume.

O trabalho da organização

A proposta relativa à educação sexual feminista nas escolas é uma de várias que a PpDM desenvolve. A plataforma apresenta-se como a maior organização da sociedade civil portuguesa na área dos direitos humanos das mulheres e das raparigas. Tem 28 organizações-membros, com uma grande diversidade de vocações e proveniências, todas empenhadas numa intervenção cívica concertada com vista à salvaguarda e exercício efetivo dos direitos humanos das mulheres e à realização concreta da igualdade entre mulheres e homens, raparigas e rapazes. A PpDM tem Estatuto Consultivo Especial junto do Conselho Económico e Social das Nações Unidas.

No caderno de encargos da organização está também a monitorização de políticas públicas à luz dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado Português, como a Convenção de Istambul. “Articulamos, assim, com o poder político e legislativo, fazendo chegar as vozes das mulheres e das raparigas e produzimos relatórios-sombra, fazemos ações de pressão e influência, trabalhos de investigação e de formação”, explica Ana Sofia Fernandes, presidente da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, em declarações ao JPN.

Entre as iniciativas mais recentes da Plataforma Portuguesa pelos Direitos das Mulheres, estão, a título de exemplo, a campanha “Mobiliza-te Contra o Sexismo!.

A PpDM é também responsável pela coordenação nacional do Lobby Europeu das Mulheres (LEM), a maior organização de mulheres da União Europeia (UE), com mais de 2000 associações em todos os Estados Membros e 17 organizações europeias. A primeira presidente da organização foi uma portuguesa, Ana Vale. “Eu própria terminei mandato enquanto vice-presidente no ano passado (junho de 2019 e junho de 2021)”, conta Ana Sofia.

Enquanto coordenação em Portugal, participam nas reflexões e nas tomadas de posição feministas ao nível europeu. “Neste contexto influenciamos as políticas públicas da UE no sentido da realização da igualdade entre mulheres e homens, um princípio e um objetivo transversal da atuação da UE e que tem, necessariamente, reflexo nas políticas nacionais. Participamos em grupos de trabalho temáticos, como o da economia feminista, no âmbito do qual desenvolvemos o Pacto Púrpura: Uma abordagem feminista da economia ou o dos Direitos Sexuais e Reprodutivos numa perspetiva feminista e o da Exploração Sexual, no âmbito do qual desenvolvemos o relatório-síntese Educação Sexual Feminista: Assegurar que a próxima geração possa desfrutar de uma vida sexual sem coação, igualitária e mutuamente aprazível, que fizemos chegar a decisoras e decisores de política ao nível nacional e europeu”, conclui a presidente.

Artigo editado por Filipa Silva