A Rússia ameaçou interromper o fornecimento de gás aos países da União Europeia (UE), através do gasoduto Nord Stream 1. O vice-primeiro-ministro russo, Alexander Novak, afirmou, em declarações à televisão estatal, que a decisão não será implementada por agora, “mas os políticos europeus, com as suas declarações e acusações contra a Rússia, empurram-nos nesse sentido”.
A invasão russa à Ucrânia levantou questões relacionadas com a interdependência energética entre os estados europeus e a Rússia. Neste sentido, a Comissão Europeia anunciou esta quarta-feira (9) que propôs um projeto que visa tornar a UE independente dos combustíveis fósseis russos antes de 2030.
A presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, considera que “devemos tornar-nos independentes do petróleo, carvão e gás russos. Simplesmente não podemos confiar num fornecedor que nos ameace explicitamente”. O REPowerEU pretende aumentar a diversidade de fornecedores e reduzir o consumo de combustíveis fósseis. Além disso, medidas com o propósito de combater os preços da energia, que tem sofrido um aumento nas últimas semanas, e de reforçar a quantidade de gás armazenado para o próximo inverno estão incluídas neste plano.
A CE partilhou ainda um conjunto de diretrizes que visam a regulação dos preços, num momento excecional, e indicar de que forma poderá ser feita a distribuição das receitas oriundas dos lucros do setor da energia. Os Estados-membros serão também ouvidos para que seja possível compreender a necessidade de criar um quadro temporário de crise que ajude as empresas que foram afetadas durante a crise e o aumento dos preços.
“A Comissão irá, por conseguinte, propor que, até 1 de outubro, o armazenamento de gás na UE tenha de estar cheio até pelo menos 90%”, de acordo com a comissária responsável pela Energia. Kadri Simon assegurou ainda que a União Europeia apresenta armazenamento de gás suficiente até ao fim do inverno, “mas precisamos de reabastecer as nossas reservas com urgência para o próximo ano”.
No entanto, o eurodeputado dos Verdes, Francisco Guerreiro, considera que “nós é que devíamos fechar a torneira”, visto que seria uma forma de intervir no conflito. Em declarações ao JPN, acrescentou que as elevadas importações de gás russo “fazem com que [os russos] tenham capacidade financeira para depois financiar especificamente esta guerra na Ucrânia”.
A interdependência entre a Rússia e a União Europeia
Um dos objetivos da UE é alcançar a neutralidade climática até 2050, sendo assim necessário apostar nas energias renováveis. Desde modo, a Europa precisa do gás natural para auxiliar o bloco na transição energética.
No entanto, a situação internacional e a dependência energética europeia em relação à Rússia – maior exportador de gás natural, através de gasodutos, em 2020, de acordo com a Statista – despertaram os Estados para a necessidade de encontrarem outras fontes de recursos energéticos.
Segundo o eurodeputado, poderíamos “aumentar as importações por parte dos EUA”, mas diz que este não deverá ser o caminho, porque “se nós continuarmos a pensar que vamos ter uma indústria, economia e sociedade baseadas na substituição de gás de uma determinada região por gás de outra região, vamos manter o mesmo paradigma”. Francisco Guerreiro afirma ainda que os Verdes já tinham avisado os Estados-membros que a importação de elevadas quantidades de gás e de outros produtos petrolíferos “era um mau caminho”, resultando numa elevada dependência energética.
De notar que a União Europeia importa gás natural de outros países, como são exemplo os Estados Unidos da América, Noruega e Argélia.
Francisco Guerreiro acredita que é mais urgente pensar em como cumprir a transição energética dos combustíveis fósseis para as energias 100% limpas e renováveis. O eurodeputado diz, ainda, que o partido tem procurado garantir que os investimentos públicos sejam usados para a “criação de um verdadeiro mercado energético” e que aquilo que é defendido na retórica seja aplicado em leis, regulamentos e diretivas.
Embora a União Europeia esteja a trabalhar para uma transição energética progressiva, o consumo de combustíveis fósseis é ainda bastante elevado face à utilização de energias renováveis.
Neste sentido, o eurodeputado dos Verdes considera que a Alemanha deveria ter tomado uma posição diferente relativamente ao Nord Stream 1, visto que “nós, neste caso a Alemanha, ao continuar a aceitar o Nord Stream 1 e, portanto, todos os recursos petrolíferos que advêm do mesmo, está ativamente a contribuir para esta guerra”. Francisco Guerreiro afirma que é notório que as pessoas passariam necessidades, assim como as indústrias, mas “nós não podemos pedir o sacrifício dos ucranianos e depois não esperar que nós mesmos façamos esse sacrifício, numa outra medida”.
Em entrevista ao JPN, acrescenta que é importante traçar um caminho de independência e “sermos também um exemplo de como é que as economias e sociedades devem transitar para modelos mais democráticos, transparentes e com energias 100% limpas e renováveis”. O eurodeputado diz que os cidadãos devem “pressionar as entidades políticas a fazer esta transição o quanto antes e o mais rapidamente possível”.
Nord Stream 2: uma questão geopolítica
Um novo gasoduto com origem na Rússia poderia ter entrado em funcionamento antes do confronto começar. O Nord Stream 2 foi construído para aumentar para o dobro – 110 mil milhões de metros cúbicos anualmente – a capacidade energética fornecida pelo Nord Stream 1, inaugurado em 2011. Metade do financiamento do projeto foi assegurado pela empresa estatal de energia russa Gazprom, sendo que o restante foi providenciado pela Shell, OMV, Engie, Uniper e Winterhall.
Com 1.230 quilómetros de comprimento, o gasoduto será responsável pelo transporte de gás natural ao longo da costa do Mar Báltico, desde a Rússia até à Alemanha. Embora já esteja carregado, carece ainda da aprovação do governo alemão e, como tal, não se encontra operacional.
A atividade do Nord Stream 2 contribuiria para o aumento das receitas de Moscovo, bem como da pressão exercida sobre o território ucraniano. Com a sua operacionalização, a Rússia poderia impedir o funcionamento dos gasodutos que passam pela Ucrânia, que cobra taxas de trânsito ao governo russo.
No entanto, a Alemanha quer prosseguir com o Nord Stream 2, que é essencial para o cumprimento das metas climáticas. Berlim decidiu encerrar as centrais nucleares, desde o acidente nuclear de Fukushima, em 2011.
No entanto, suspendeu a aprovação do projeto, depois da Rússia ter reconhecido a independência das regiões de Donetsk e Lugansk.
Os países estão preocupados com o poder que a Rússia poderá ter sobre o fornecimento de gás para o continente europeu. Recorde-se que, em 2009, Moscovo fechou a torneira, em resultado de disputas financeiras com a Ucrânia. Além disso, a Rússia tem diminuído a quantidade de gás transportada pela Ucrânia com destino ao bloco europeu em cerca de 50%.
Francisco Guerreiro considera que o projeto Nord Stream 2 não deve prosseguir, porque seria “completamente inconsequente todo o esforço que está a ser feito por vários Estados-membros e, sobretudo, o enorme sacrifício que está a ser feito pelo povo ucraniano”.
O Nord Stream 2 tem sido alvo de muita atenção por parte da comunidade internacional e usado como um tópico de negociações por ambas as partes.
O bloco europeu recebe gás natural através de outros gasodutos provenientes da Rússia, como, por exemplo, o Yamal-Europe, Soyuz, Progress e Blue Stream.
Porto de Sines: um lugar com muito para oferecer
Portugal não deverá ser afetado diretamente com esta questão energética, visto que não importa gás natural proveniente da Rússia. No entanto, poderá sofrer com o aumento do preço do gás natural liquefeito, em resultado de uma maior procura da Argélia e Nigéria, principal fornecedor.
O governo nacional ratificou o desenvolvimento de uma reserva adicional no sistema português de gás, de forma a garantir a produção de energia caso faltem as renováveis. Segundo a portaria nº 59/2022, as reservas deverão assegurar “45 dias de consumo médio anual dos clientes protegidos” e “16 dias de consumo equivalente à capacidade máxima das centrais de ciclo combinado”.
De acordo com o “Jornal de Negócios”, o porto de Sines necessitaria de um reforço na rede de gasodutos na Península Ibérica, assim como no número de tanques. Neste momento, contabiliza três tanques, número que se aumentasse para o triplo representaria um investimento entre os 150 e os 200 milhões de euros por tanque.
No entanto, o presidente da Administração dos Portos de Sines e do Algarve (APS), José Luís Cacho, declarou ao mesmo jornal que “há capacidade para construir um novo terminal de gás natural liquefeito (GNL) e de aumentar a capacidade de armazenamento”.
O eurodeputado Francisco Guerreiro considera, ao JPN, que “numa fase de transição, o porto de Sines tem um papel importante”, uma vez que permitiria receber gás natural que substitua o da Rússia. Neste sentido, “poderá ser também o pivot na questão da distribuição de hidrogénio verde”, que poderia ser comercializado para Espanha e o resto da União Europeia. Francisco Guerreiro diz que o importante é “garantir que transitamos garantidamente para uma sociedade o mais limpa e descarbonizada possível”.
Artigo editado por Tiago Serra Cunha