O conflito entre a Rússia e a Ucrânia fez aumentar o preço dos cereais e da farinha, além da energia e dos combustíveis, que “dispararam” e atingiram “dimensões impensáveis”. Esta situação vai provocar um aumento “inevitável” do preço do pão nas próximas semanas, garante Hélder Pires, presidente do conselho fiscal da Associação do Comércio e da Indústria da Panificação (ACIP).

O dirigente na ACIP explica que as farinhas geralmente utilizadas estavam a 25 cêntimos em junho do ano passado; agora estão a 49 cêntimos. “Nas próximas semanas, pelas informações que temos, vão aumentar mais 10 ou 12 cêntimos por quilo. Face ao preço atual, representa um aumento de 25%”, explica. Os fornecedores avisaram a ACIP que a situação pode “piorar” a partir de abril.

Hélder Pires refere que esta conjetura está “descontrolada” e é “necessário e inevitável” ajustar os preços. Ainda não é possível estimar o valor do aumento porque, por um lado, em Portugal produz-se “muito tipo de pão”. Por outro, a definição do preço é determinada por quem o produz, refere.

“É inevitável mexer nos preços”, diz presidente da ACIP. Foto: Catarina Carrapatoso

Um dos aumentos verificados nas últimas semanas foi o do pão biju que, desde junho do ano passado, teve uma subida de 39% no preço, “considerando apenas as matérias-primas, sem a variável da energia e combustíveis”.

Face ao aumento dos custos, alguns negócios podem não sobreviver e entrar numa situação de colapso económico. “Vamos ter, possivelmente, empresas a ir à falência”, alerta Hélder Pires.

Este cenário está a preocupar os operadores de padaria, que estão a aumentar a compra de produtos para garantir stocks. O presidente na ACIP avisa que esta situação “cria pressão” no mercado da procura, o que faz com os preços aumentem ainda mais. “Convém agir com normalidade”, aconselha.

“Queremos acreditar que não vai haver quebras de abastecimento”

“É inevitável, temos que mexer nos preços. Vamos trabalhar nisso nos próximos dias, para serem atualizados antes do fim-de-semana”, afirma Afonso Vieira, um dos proprietários da Padaria Ribeiro, que, com vários espaços, é uma das mais conhecidas na cidade do Porto.

O valor do aumento ainda não é conhecido e Afonso Vieira não sabe “estimar quanto”. No entanto, garante que já sentem “bastante” o impacto do aumento dos preços dos custos de produção, nomeadamente da energia e, agora, das farinhas.

Padaria Ribeiro, na Foz. Foto: Catarina Carrapatoso

“No último ano, a eletricidade sofreu um aumento na ordem dos 70% e as farinhas aumentaram, na sexta-feira, 10% de uma só vez. O preço do gasóleo aumentou devido à guerra. Tenho sentido muito”, refere.

Relativamente aos fornecedores, diz que estão preocupados se haverá trigo e farinha à venda, mas não com o aumento dos preços. “Não estamos a comprar a mais, até porque o nosso fornecedor já nos avisou que não vai permitir isso. Queremos acreditar que não vai haver quebras de abastecimento”, acrescenta.

Já em relação às vendas, Afonso Viera salienta que, mesmo que não haja um decréscimo do número de clientes, vai “diminuir, seguramente, o volume médio de compras por cada cliente”.

Nem todas as padarias serão afetadas

O aumento do preço das farinhas tradicionais não vai afetar de modo equivalente todos os negócios na área da padaria – especialmente os que usam produtos provenientes de outras fontes. É o caso da PAO – Padaria Artesanal Orgânica, que surgiu em 2021 e está localizada na Foz do Porto.

O pão é feito somente com farinhas biológicas e o negócio é uma “tendência em vários países da europa”, afirma Vasco Barbosa, dono desta padaria. “Acredito que também vá ser aqui daqui a uns tempos. É um negócio que só tem para crescer”, refere.

Padaria PAO, na Foz. Foto: Catarina Carrapatoso

Relativamente às consequências do conflito entre a Rússia e a Ucrânia no mercado das farinhas, Vasco Barbosa explica que o seu negócio não está a ser afetado. “Não tenho sentido esse aumento. As nossas matérias-primas não aumentaram. Só sentimos os efeitos da guerra nos fornecedores e, mesmo assim, muito ligeiro”, adianta.

O proprietário considera ainda que o aumento dos preços do pão “convencional” pode ser uma oportunidade para o seu negócio, já que pode aumentar o seu número de clientes.

“Se houver uma aproximação do preço deste tipo de pão para o pão convencional, que se encontra nos supermercados e padarias tradicionais, é normal que haja transferência de clientes para este pão”, explica.

O índice mundial de preços de alimentos da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) teve uma subida de 24,1% em fevereiro, face a 2021, atingindo um recorde de 140,7 pontos. Em comparação com janeiro, o índice cresceu 3,9%. O índice de preços de cereais subiu, em fevereiro, 3% em comparação com janeiro, devido ao aumento nas cotações dos grãos.

No início de março, os preços do trigo e do milho subiram mais de 20 euros nos mercados europeus, encerrando nos 381,75 euros e 379 euros por tonelada nos prazos de março, respetivamente, devido à guerra na Ucrânia.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha