A organização destaca a visão sustentável presente em todos os seus projetos. A arquiteta Ana Leal, da AMAG, responsável pela vinda de Kéré a Portugal em 2019, destaca "o propósito programático e funcional" da arquitetura de Kéré.

O envolvimento das comunidades nativas, das técnicas e materiais locais, são fundamentais na arquitetura de Kére. Foto: Pritzker Prize

Francis Kéré é o vencedor deste ano do prémio Pritzker, considerado o mais importante da arquitetura mundial, anunciou esta terça-feira a organização. Kéré é o primeiro arquiteto africano a receber o prémio na história de 43 anos do galardão.

Francis Kéré é pioneiro da arquitetura em terras de baixíssimos recursos – trabalha incansavelmente pela sustentabilidade do planeta e dos seus habitantes. […] Em terras muitas vezes esquecidas pelo mundo, melhorou a condições de vida e experiências de vida de inúmeras pessoas”, disse o júri. “O trabalho arquitetónico de Kéré é bonito, humilde, ousado e inovador. Uma unidade perfeita de caráter arquitetónico e estilo pessoal, e ele está firmemente comprometido com a missão do Prémio Pritzker de Arquitetura”, lê-se no comunicado.

Kéré, nascido na aldeia de Gando, no Burkina Faso – um dos países mais pobres do mundo –, em 1965, tem um percurso particular. Aos 20 anos, foi para a Berlim, na Alemanha, para fazer uma formação na área da carpintaria. Acabou por conseguir, dez anos depois, uma bolsa de estudo que lhe permitiu entrar na Technische Universität Berlin. Aos 39 anos, formou-se em arquitetura. Ainda durante a sua licenciatura, projetou uma escola primária na sua aldeia natal, uma aldeia sem eletricidade e sem água potável. Três anos depois da construção, em 2004, o projeto ganhou o prémio Aga Khan. Em 2005, abriu, em Berlim, o seu escritório, Kéré Architecture. Em 15 anos, passou a ser o responsável pelo desenho do Parlamento em Benim.

Francis Kéré tem em conta os recursos e condições disponíveis para o desenvolvimento de todos os seus projetos. O arquiteto pretende mudar o paradigma da arquitetura e refazê-la como um tecido social: “Não é por ser rico que se desperdiça materiais. Não é por ser pobre que não se aspira à qualidade. […] Toda a gente merece qualidade, toda a gente merece luxo e toda a gente merece conforto. Estamos interligados e as preocupações com o clima, a democracia e a escassez são preocupações de todos”, diz, citado pelo júri do Pritzker.

Defendendo a justiça social, o arquiteto angariou dinheiro dos seus prémios para construir outros projetos. O comunicado da organização Pritzker realça a escola Benga Riverside, em Moçambique, que inclui paredes com pequenas aberturas, “permitindo que a luz e a transparência evoquem sentimentos de confiança por parte dos estudantes”. Entre outros projetos, conta no currículo com o pavilhão Serpentine, em Londres, o Parque Nacional do Mali, e o pavilhão Xylem do centro de arte Tippet Rise, nos Estados Unidos, e o Instituto Goethe, no Senegal.

“Não sei como tudo isto aconteceu. Em primeiro lugar, estou feliz e assoberbado, mas o prémio também traz um grande sentido de responsabilidade. A minha vida não ficará mais fácil”, revelou Francis Kéré em entrevista ao jornal “The Guardian”. Atualmente, Diébédo Francis Kéré é arquiteto honorário do Royal Instiute for British Architectes, dá aulas na Universidade Técnica de Munique e seminários em Yale e Harvard.

Arquitetura de Kéré é “indissociável do contexto geográfico”

O JPN esteve à conversa com Ana Leal, arquiteta e editora da revista AMAG. Ana considera a atribuição do prémio Pritzker a Kéré “uma agradável constatação e reconhecimento da sua [Kéré] importância no contexto da arquitetura internacional em termos socioculturais e pessoais”.

A profissional sublinha que a arquitetura de Francis Kéré tem bastantes particularidades: “É absolutamente indissociável do contexto geográfico e o propósito programático e funcional tenta satisfazer não só as questões físicas, mas sobretudo promover as expectativas e as necessidades culturais da sociedade local”.

Ana Leal refere ainda que é evidente a associação que o arquiteto “faz do conhecimento técnico e das técnicas de construção ancestrais”, que refletem o compromisso que Francis estabelece com as comunidades nativas. A arquiteta acredita que muitos outros profissionais vão acabar por seguir a filosofia de Kéré. “Acho que a sustentabilidade do ponto de vista social é extremamente importante e que a tecnologia que temos só faz sentido, efetivamente, se for aplicada dessa forma”, diz ao JPN.

Francis Kéré esteve em 2019 em Portugal, quando inaugurou como convidado da Concreta na Exponor, em Matosinhos, por intermédio de revista AMAG. Quando questionada sobre a intenção de voltar a trazer o arquiteto a Portugal, Ana Leal confirma que não é algo que tenham discutido “de uma forma objetiva e concreta num futuro próximo”, mas que tem “todo o interesse em que o arquiteto Francis Kéré se junte a nós” numa próxima edição do evento.

Artigo editado por Filipa Silva