Como é hábito, a semana da moda do Porto arrancou com um dia inteiramente dedicado aos novos criadores. Encontrámos nos bastidores as vencedoras da última edição do Prémio Jovens Criadores PFN, Darya Fesenko e Maria João Cunha. O fim da espécie humana e a ideia de liberdade inspiraram as designers.
Bloom. Florescer. É este o objetivo do espaço integrado no Portugal Fashion, que arranca todas as edições com um dia totalmente dedicado à exposição de criações e artistas que estão a crescer, referência metafórica às flores, no mundo da moda. Este momento mais experimental e arriscado afasta-se do conceito tradicional de passerelle, proporcionando desfiles num ambiente mais informal e urbano.
Na sua 50.ª edição, que decorreu durante a semana passada na Alfândega do Porto, como de resto é habitual, o arranque da semana da moda portuense voltou a pôr o foco nos novos criadores e coleções. Entre as propostas, estiveram as coleções das vencedoras da última edição do Prémio Jovens Criadores PFN, Darya Fesenko e Maria João Cunha, que encontramos pelos atribulados bastidores do evento.
Darya Fesenko. De pecado em pecado, o fim da Humanidade em tons metálicos
Os desfiles desta edição do Portugal Fashion tiveram início no dia 16 pelas 15h00, com as escolas EMP e MODATEX, seguindo-se às 16h00 a ESAD e a CENATEX. Às 17h00, desfilou a FAUP com as vencedoras do prémio PFN.
Darya Fesenko ganhou o prémio PFN em 2020 e, com ele, a oportunidade de apresentar uma coleção em março de 2021. A oportunidade foi adiada até esta edição do Portugal Fashion e as suas peças ganharam vida ao final da tarde do primeiro dia de evento.
Para Darya, ganhar o prémio PFN foi “uma oportunidade” e também “uma surpresa”. A vencedora “não estava nada à espera”, confessa ao JPN. Contou-nos até que quando viu o coordenado de outro concorrente a sair dos bastidores, pensou que tinha sido outro criador a vencer.
Mas nenhum desses percalços foi limitador e apresentou agora a sua coleção no Bloom. Por detrás deste projeto está “muito trabalho”, conta, ressaltando várias inspirações. O que se pode ver na passerelle é a versão do Apocalipse do século XXI. “É como eu imagino o fim – não do mundo, mas da raça humana. Até porque eu acredito que, se tiver que acontecer, que aconteça só aos seres humanos e não ao planeta, porque o planeta não tem culpa das coisas que nós fazemos”, explica a estilista.
Cada um dos coordenados corresponde a uma personagem que Darya idealizou. “Pandora” é a personagem principal da narrativa que conta neste desfile e também a primeira a aparecer na passerelle. A modelo que lhe dá vida surge vestida em tons metalizados e, segundo explica a designer, consegue “controlar o resto das deusas”, que desfilam em seguida e correspondem a cada um dos pecados mortais. Darya conta que estes seres “conseguem provocar o pior nos seres humanos”, que dessa forma conseguem “acabar com eles próprios”. Os coordenados que se seguem são, na respetiva ordem, os deuses do canibalismo, da luxúria, da guerra e da morte. O fim de tudo.
Tanto ao nível da música que acompanha o desfile como das roupas, Darya Fesenko tentou transmitir uma sensação de terror. “Muita gente diz que parece o inferno e eu penso, ‘ok, é isso, quer dizer que o trabalho foi bem feito’”, diz. Para o ambiente de fim do mundo, também contribuíram as lentes vermelhas e a maquilhagem aplicadas aos modelos.
Quanto aos principais desafios, para Darya criar uma coleção é algo “fluido” e que não precisa de forçar muito. “Um tema aparece-me assim de repente”, explica. Contudo, depara-se com problemas técnicos, pois é a própria estilista que monta tudo. Um dos seus principais desafios é a reutilização de materiais. Todas as peças de pele que utiliza são em segunda mão, cruzando a necessidade de readaptar os seus moldes aos tecidos que tem, através de um desfazer e recortar das peças usadas. As peças são, assim, autênticas. “Se quiser comercializar, nunca vou ter uma peça igual”, conta.
Quanto às opções ecológicas, é sincera: “comecei a fazer, não porque estava preocupada, mas porque achei piada”. Explica que a sustentabilidade do reaproveitamento das peças é a maneira mais barata de trabalhar com pele e já faz parte do seu registo: “É algo que não consigo evitar. Vai estar sempre presente”.
Para apresentar uma coleção, sente alguma pressão, mas neste desfile correu tudo como desejou e foram cumpridos todos os objetivos. Darya Fesenko conta que a sensação de ver o que criou em papel ganhar vida é “a melhor coisa” e que o resultado físico é sempre melhor do que aquilo que desenhou.
Venceu o prémio PFN em 2020, mas confessa que na sua carreira, para já, “não mudou nada”. Terminou um estágio há um mês e está atualmente a trabalhar numa nova coleção, toda à base de reaproveitamento, sobre o Inverno Nuclear, ideia que já tinha tido em 2020, segundo avança ao JPN.
“Isto é só um começo”, afirma convicta. Quanto ao futuro, gostava de um dia ter a sua própria marca. “Não agora, porque eu sou uma pessoa muito realista”, desabafa. Não se imagina nunca a desenhar para fast-fashion. Deseja, por isso, que a aventura em nome próprio seja neste registo que tem apresentado, porque é o que a “faz querer viver”.
Para Maria João Cunha, um “sonho tornado realidade” embrulhado em símbolos de liberdade
Maria João Cunha foi a vencedora do Prémio Jovens Criadores PFN categoria II, em 2020. Apresentou, agora, a sua coleção no primeiro dia da 50.ª edição do Portugal Fashion.
A estilista, de 22 anos, admitiu ao JPN que ter ganho o prémio para jovens criadores foi uma “excelente oportunidade” para a sua carreira no mundo da moda, uma vez que foi a partir deste concurso que surgiram várias propostas de trabalho. “Por causa da minha participação no PFN, consegui vir ao Portugal Fashion e também já tive várias revistas a contactar-me para fotografar os meus vestidos”, conta.
É a primeira vez que Maria João apresenta as suas criações nas passarelas da Bloom e diz ser um “sonho tornado realidade”. “É uma grande concretização, visto que é a primeira vez que tenho oportunidade apresentar as minhas criações no Portugal Fashion. Sempre foi um sonho meu desde que comecei a estudar moda, por isso ver o desfile a acontecer e passar por todo este processo faz-me realmente muito feliz e deixa-me entusiasmada pelas coisas que vêm aí”.
A designer, descrita como uma jovem promessa no mundo da moda português, conta ao JPN o conceito por detrás da sua coleção, inspirada na metáfora de Mia Couto: “‘Se eu fosse casa escolhia ser janela’. Porque a janela é da casa o que não é, o vazio onde ela sonha ser mundo”.
“As janelas, para mim, simbolizam a liberdade e são o que dá mundo à casa. Acho que a minha coleção representa exatamente isso, traz um pouco de mundo, liberdade e alegria, uma vez que foi desenvolvida num ano tão atípico. Acho que era isso que eu queria passar quando a estava a desenhar”, refere sobre a coleção.
Apesar de admitir que foi uma coleção “bastante trabalhosa”, Maria João confessa que uma das grandes dificuldades recaiu sobre o manuseamento dos tecidos, em especial na “técnica de manipulação de tecidos que eu uso em todos os coordenados” – a ex-aluna de moda na Escola Superior de Artes e Design (ESAD) utilizou materiais da Fábrica de Tecidos Vilarinho. “Foi um pouco por tentativa erro e fermentação porque tentei fazê-lo em tecidos que nunca tinha tentado”, refere, acrescentando que o maior desafio foi “a estrutura dos vestidos que depois têm que suportar o peso de todo aquele tecido em cima”.
Maria João Cunha tem como objetivo continuar a criar peças e coleções na indústria da moda: “gostava muito de continuar a desenvolver a minha marca e continuar a apresentar mais criações”.
Sente que, desde que participou no Concurso Novos Criadores PFN, a sua vida mudou bastante e levou-a a desenvolver a coleção que apresentou no Portugal Fashion, uma vez que já tinha realizado “vários esboços mas nunca lhes tinha dado vida. Foi devido ao PFN que consegui desenvolver as coleções que apresentei até agora”, termina.
O dia de desfiles dedicado à plataforma Bloom continuou com The Lady Maker às 18h00; Abiola Olusola às 19h00; Ahcor e Diogo Van Der Sandt às 20h00; Vítor Dias às 21h30. Judy Sanderson, às 22h30, finalizou o dia do Portugal Fashion dedicado às almas novas da moda nacional.
O projeto Bloom começou em 2010, quando o Portugal Fashion celebrava 15 anos, captando a atenção do público e dos media, pela originalidade das propostas.
Este espaço na programação do evento assume-se como “promotor da criatividade” e admite acontecer “de forma ‘performativa’, ou seja, a roupa está em exposição, apesar de estar vestida”. A fusão de diferentes expressões artísticas acontece com performances de moda, mas também concertos, DJ sets e intervenções de arte.
Desde que foi criado, têm emergido do Bloom jovens criadores que consolidaram as suas carreiras, passando a marcar presença no calendário principal do Portugal Fashion. É o caso de nomes hoje largamente reconhecidos no mundo da moda, como David Catalán, Estelita Mendonça, Hugo Costa, Inês Torcato ou Susana Bettencourt.
Artigo editado por Tiago Serra Cunha