O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, acusou a Rússia de ter cometido os piores crimes de guerra desde a Segunda Guerra mundial e insistiu para que os “militares russos e aqueles que deram ordens” sejam “julgados imediatamente”, no discurso que fez na tarde desta terça-feira (5) ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O ucraniano relatou, ainda, que os ataques militares russos estão a “destruir cidades, transformando-as em cinzas”, além de acusar os russos de “deliberadamente, bloquear cidades e criar uma onda de inanição”. 

Acerca do que classificou como “massacre” em Bucha, Zelensky disse que “esse é, infelizmente, apenas um exemplo do que os invasores têm feito” no território ucraniano “nos últimos 41 dias”. “Agora todos podem ver o que eles fizeram em Bucha, mas o mundo ainda não viu o que a Rússia fez em outras regiões”, afirmou.

Em resposta, o embaixador russo nas Nações Unidas, Vasily Nebenza, negou as acusações “sem fundamento” aos militares russos, “não confirmadas por qualquer testemunha ocular”, disse. O diplomata voltou ainda a dizer que a Ucrânia é dirigida por “nazis”, fazendo referência ao batalhão nacionalista Azov que acusou de estar “não só a matar soldados russos”, mas “a matar também os seus, com crueldade sem rival”. 

Sustentando que o país governado por Vladimir Putin ajudou a evacuar centenas de milhares de ucranianos, Nebenzya garantiu que a Rússia não está na Ucrânia para “conquistar territórios”, mas antes para levar a “paz à terra manchada de sangue do Donbass”, região do leste da Ucrânia onde os russos alegam que a maioria russófona tem sido perseguida desde 2014.

NATO diz que tropas russas se estão a reagrupar

Também nesta tarde, o secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO, na sigla em inglês), Jens Stoltenberg, declarou em conferência de imprensa que as mortes em Bucha são “crimes de guerra” e constituem uma “brutalidade insustentável que a Europa não testemunha há muitas décadas”.

“Alvejar e matar civis é um crime de guerra. Todos os factos têm de ser apurados e os responsáveis por essa atrocidade devem ser levados à justiça. Os aliados da NATO estão a apoiar investigações, incluindo aquelas das Nações Unidas e do Tribunal Internacional de Crimes de Guerra”, garantiu.

O político norueguês destacou que as forças ucranianas estão “a resistir ferozmente, a retomar territórios dos invasores russos e a forçar a Rússia a mudar seu plano de guerra”. Contudo, “Moscovo não está a desistir das suas ambições na Ucrânia”. De acordo com Stoltenberg, as tropas russas estão num processo de reagrupamento, rearmamento e reabastecimento que visa a preparação de ataques no leste e sul do país. “Essa é, então, uma fase crucial da guerra”.  

Em resposta, os ministros dos Negócios Estrangeiros das nações-membro da NATO vão reunir-se amanhã, 6, para discutir os próximos passos. O secretário-geral, no entanto, adiantou que ajudas financeiras, humanitárias e bélicas serão fornecidas à Ucrânia e confessou que espera que essa assistência chegue também a outros parceiros da NATO “que estão vulneráveis à ameaças e interferências russas, incluindo a Geórgia e a Bósnia-Herzegovina“. 

O “massacre” de Bucha

A cidade de Bucha, que esteve ocupada por militares russos desde o início da guerra, foi recuperada pelos ucranianos na semana passada. Ao entrarem na cidade, as tropas de Zelensky defrontaram-se com 400 corpos espalhados pelas ruas, alguns com sinais de tortura. Localizada a noroeste de Kiev, Bucha tinha uma população estimada em 37 mil habitantes e integrava a estratégia russa para cercar a capital ucraniana – juntamente com as cidades de Iprin e Hostomel. 

O presidente ucraniano caracterizou o episódio como um “genocídio” e atribuiu a responsabilidade aos militares russos. “Estes são crimes de guerra e serão reconhecidos pelo mundo como genocídio. Sabemos que há milhares de pessoas mortas, torturadas e decepadas, mulheres que foram violadas e crianças assassinadas. Isto é um genocídio”, declarou Volodymyr Zelensky.

O porta-voz do presidente alertou que “Bucha é apenas o começo da verdade sobre a Rússia moderna. Depois, haverá centenas de outras cidades ucranianas visitadas pelo canibal ‘mundo russo'”. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia assinalou o “massacre” como uma “prova que o ódio russo aos ucranianos está além de qualquer coisa que a Europa tenha visto desde a Segunda Guerra Mundial”. 

“Para evitar ‘novos Buchas’, imponha a mãe de todas as sanções: pare de comprar petróleo, gás e carvão da Rússia. Pare de financiar a máquina de guerra de Putin. A economia russa – e a sua guerra – pararia em alguns meses. Alguns meses a apertar os cintos, valem milhares de vidas salvas”, apelou o ministro. 

Contradizendo as acusações, o governo russo disse que as evidências mostram que os eventos na cidade ucraniana foram “encenados” e compõem uma “provocação dos EUA e da NATO”, que visam aniquilar as negociações de paz entre Kiev e Moscovo.

“Os militares russos retiraram-se completamente da cidade a 30 de março. A 31 de março, o presidente de câmara de Bucha disse, solenemente, que para ele estava tudo em ordem. Mas dois dias depois vimos como a encenação foi organizada nas ruas. Estão a tentar usá-la para fins anti-russos”, alegou Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, ao subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths.

UE apoia investigação no terreno

Várias reações internacionais também foram ouvidas nos últimos dias. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, classificou as imagens do episódio como “angustiantes” e declarou que elas “não podem, e não vão, ficar sem resposta”.

“Os autores desses crimes hediondos não devem ficar impunes. A União Europeia criou uma equipa de investigação conjunta com a Ucrânia para recolher provas e investigar crimes de guerra e crimes contra a humanidade”, declarou von der Leyen, citada num comunicado de imprensa. 

Boris Johnson expressou que os “ataques desprezíveis” contra inocentes em Iprin e Bucha são mais uma evidência dos crimes de guerra perpetrados por Putin. “Nenhuma negação ou desinformação do Kremlin pode esconder o que todos sabemos ser a verdade – Putin está desesperado, a sua invasão está a falhar e a determinação da Ucrânia nunca foi tão forte. Farei tudo o que estiver ao meu alcance para matar de fome a máquina de guerra de Putin”, afirmou o primeiro-ministro britânico.

A ministra de Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Bareback, escreveu em seu perfil no Twitter que “as imagens testemunham uma vontade de aniquilar que transcende todas as fronteiras” e garantiu um reforço tanto nas sanções quanto no apoio bélico às forças armadas ucranianas.  

Já na América, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, afirmou em uma entrevista à CNN que “não podemos negar que essas imagens são um soco no estômago”. “A responsabilidade pelos atos precisam de ser atribuídas, mas eu acho que o mais importante é: não podemos ficar insensíveis a isso, não podemos normalizar isso. Essa é a realidade do que está a acontecer todos os dias enquanto a brutalidade russa continuar contra a Ucrânia, e é por isso que precisa chegar ao fim”. 

O conflito russo-ucraniano está no seu 41.º dia e já resultou na morte de 18.500 soldados russos, segundo o governo ucraniano. A ONU estima que 10 milhões de pessoas tenham sido deslocadas desde o início da ofensiva.

Artigo editado por Filipa Silva