Cinco anos depois de Emmanuel Macron se ter tornado no presidente francês mais jovem de sempre, os franceses voltam este domingo (10) às urnas para escolher o presidente do seu país. Macron tenta a reeleição num momento de tensão para a Europa, marcado pelo conflito entre a Rússia e a Ucrânia. Na corrida ao Eliseu, o presidente conta com onze concorrentes, sendo Marine Le Pen a sua principal oponente. As sondagens apontam para uma disputa renhida entre os dois, na segunda volta, que acontece a 24 de abril.
Na antevisão da primeira volta destas eleições incertas, o JPN falou com uma jovem lusodescendente e com um emigrante em França, responsável por um projeto de informação dedicado às comunidades lusófonas em França.
Primeiro mandato com “muito pouca sorte”
Anna Martins é chefe de gabinete do Ministro da Coesão dos Territórios, Joël Giraud, e viveu de perto o primeiro mandato de Macron. Os desafios que o presidente enfrentou nos “cinco anos inéditos” dificultaram-lhe a tarefa: “era quase impossível, perante essas crises sucessivas [coletes amarelos, pandemia, greve dos maquinistas], imaginar que o Governo podia cumprir algumas das promessas que foram feitas”, considera.
Não obstante, Anna faz um balanço positivo deste primeiro mandato, sobretudo ao nível da economia: “foram feitas reformas estruturais que permitiram manter uma economia bastante boa, e também uma taxa de desemprego que nunca esteve tão baixa como hoje”.
A diplomacia foi também outra das áreas em que o presidente se destacou: “O Macron demostrou, ainda mais nestas últimas semanas, que podia realmente ser importante no meio internacional. Vimos o caso da Rússia, no qual o papel do Macron foi essencial, a tentar evitar o conflito e a dar o máximo para poder evitar o pior”.
Para a jovem lusodescendente, os resultados positivos do primeiro mandato deveram-se à rápida adaptação de Macron ao cargo presidencial. Mas para que o sucesso se mantenha, Macron precisa de conquistar a confiança dos “muitos franceses que o consideram arrogante”. Anna atribui a culpa a “alguns erros na comunicação dele que poderiam ter sido evitados”, justificando-os com a “natureza dele, de ser muito espontâneo e de falar como ele fala com qualquer um”.
Por sua vez, Carlos Pereira, diretor do “LusoJornal”, aponta a direita política como a grande ameaça ao sucesso eleitoral de Emmanuel Macron: “ele já desfez a esquerda da última vez, a esquerda está completamente fragmentada. É da direita que vem o perigo para o Emmanuel Macron”. O diretor do “LusoJornal” descreve o presidente como “um homem infeliz” com “muito pouca sorte” no seu primeiro mandato, mas que conseguirá ser reeleito, ainda que se espere um resultado mais fraco para o incumbente.
“Espero que o acidente democrático não aconteça desta vez, nem da próxima, nem nunca”
Relativamente à escolha do próximo presidente, Anna Martins confessa estar “inquieta” com a hipótese de Marine Le Pen chegar ao Eliseu, e que a escolha de quem votou nos candidatos eliminados na primeira volta será determinante. “Se adicionar os votos do Mélenchon e os do Zemmour com os da Le Pen na segunda volta, vai ser um bocadinho complicado. Não são os 2% de Hidalgo e os 3% do Jadot que vão salvar o Macron na segunda volta, por isso esses eleitorados que estão a 10 e 15% [Pécresse, Zemmour e Mélenchon] são 35% de votos. O apelo que vão fazer os três na segunda volta vai ser primordial, essencial.”
Anna Martins espera também que os eleitores demonstrem “algum sentido democrático” e impeçam a ascensão ao poder da extrema-esquerda: “Acho que nunca tivemos tão perto de um acidente democrático aqui em França. Isso deixa-me branca, porque é um engano pensar que Marine Le Pen não pensa como o pai. As ideias são as mesmas, foi só a embalagem que mudou. Confesso que se ela for eleita eu vou entrar em resistência, porque não imagino viver no meu país com uma extrema-direita no poder. Vamos ver. Espero que o acidente democrático não aconteça desta vez, nem da próxima, nem nunca.”
A jovem lusodescendente considera que a candidata da extrema-direita está a tentar criar divisões entre os diferentes grupos de imigrantes, ao fazer uma distinção entre uma “boa imigração”, como a portuguesa, e uma “má imigração”, como as africanas. Porém, Anna acredita que os emigrantes portugueses em França não partilhem os ideais da extrema-direita. “Nenhum português que tem a cabeça toda, nenhum português da França, oriundo de uma imigração, poderia reconhecer-se no discurso da Marine Le Pen, simplesmente porque é um discurso de rejeição, tal como o de Jean Marie Le Pen. Se ele tivesse estado no poder, no momento em que os nossos pais, os meus pais, chegavam a Paris, nunca teríamos entrado porque, de facto, os imigrantes, não somos bem-vindos. As outras culturas não são bem-vindas”.
Apesar de duvidar que se concretize uma vitória de Le Pen na segunda volta, Carlos Pereira não descarta essa hipótese. Porém, para o diretor do LusoJornal, Valérie Pécresse seria a única candidata capaz de derrotar Macron na segunda volta: “Se for a Le Pen, é possível que continue a haver este bloco anti Frente Nacional que a possa bloquear mais uma vez. Se for a Pécresse, é possível que haja aqui uma aliança da direita. Se contarmos com o Zemmour, a Le Pen, e a Valérie Pécresse, isto pode ter algum peso e assim, matematicamente falando, poderia ganhar ao Macron sem haver aquele movimento [anti-Frente Nacional]”.
Carlos Pereira afirma que a eleição de Le Pen seria “um grande problema, porque uma franja importante da população não ia gostar” e poderia reagir de forma “muito pior do que os coletes amarelos em relação ao Macron”. Contudo, o diretor do “LusoJornal” crê que a concorrência de Éric Zemmour acabou por se tornar favorável para a candidata de extrema-direita, ao contrário do que a própria afirma.
“À medida que [Zemmour] foi falando, as pessoas foram-se apercebendo que ali faltava aqui algum conteúdo, era demasiado radical. (…) Embora ela diga que se não fosse o Zemmour passava à frente na primeira volta e é possível que sim, ele veio mostrar que há pior do que a Marine Le Pen e pode não lhe servir à primeira volta, mas pode servir à segunda. Ainda existe esta possibilidade, e se ganhar, eu atribuiria este efeito ao Zemmour, que veio colocar um referencial ainda mais de extrema-direita”, explica.
Para Anna Martins, a aproximação de Jean-Luc Mélenchon nas sondagens da primeira volta é consequência da sua “boa capacidade retórica”. A jovem explica que o candidato de extrema-esquerda “sabe seduzir e sabe falar para uma parte do eleitorado jovem, porque tem aquele sentido revolucionário de Che Guevara”. Apesar de acreditar que Mélenchon não irá passar para a segunda volta, Anna pensa que ele poderá complicar a vida a Emmanuel Macron: “Vai ser interessante ver o que é que vão fazer os 15% do Mélenchon, para quem ele vai apelar a votar e se ele vai apelar a votar em alguém. Não ficaria estupefacta se ele não apelasse a votar em ninguém.”
Falta de debate pode levar ao aumento da abstenção
Numa época em que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia domina a atualidade mediática, as presidenciais francesas perderam destaque na ordem do dia do país. Na opinião de Carlos Pereira, a forma como a campanha eleitoral se desenrola e é mediaticamente coberta influencia os valores da abstenção: “há 12 candidatos, há discursos que não são claros e é impossível dar uma cobertura idêntica a todos os candidatos. Em campanha eleitoral, era isso que devia ser feito, mas se fossem dar 1 hora por dia a cada candidato, não era possível fazer mais nada. Isso faz com que, eventualmente, algumas pessoas digam que não vale a pena votar, que não tem informação suficiente e que são todos iguais”.
Apesar do desempenho diplomático de Macron, Anna pensa que a ausência dos debates não vai ser benéfica para o presidente. A lusodescendente explica ainda que o foco dado ao conflito “não dá espaço para um debate e um trabalho de fundo sobre as temáticas que são importantes para o nosso país e para os cinco anos que vêm e, portanto, os franceses desinteressaram-se um bocadinho da atualidade política”.
Perante as sondagens que apontam para uma grande abstenção dos jovens, a lusodescendente compromete-se a apelar ao voto, nomeadamente dos franco-portugueses: “estou a tentar fazer com que haja a maior mobilização possível para qualquer candidato, desde que não seja um candidato da extrema-direita”.
Artigo editado por Filipa Silva