MARO venceu o Festival da Canção 2022 com a canção “saudade, saudade”, tendo obtido a pontuação máxima do júri especializado e do voto do público. O JPN esteve à conversa com a cantora, representante de Portugal no Festival da Eurovisão, que este ano acontece na cidade italiana de Turim.

Tem 27 anos, nasceu em Lisboa e queria ser médica veterinária. Por influência da mãe, começou a fazer música em criança e foi aos 19 que decidiu fazer das canções vida. Estudou na Berklee College of Music e criou o projeto Berklee People com o objetivo de fomentar a colaboração entre músicos da escola e desincentivar a competição. Na quarentena, fez duetos com nomes incontornáveis como Rui Veloso, António Zambujo e Eric Clapton. Nasceu Mariana Secca, mas conhece-se por MARO, em maiúsculas.

A vitória no Festival da Canção 2022 com “saudade, saudade”, canção que dedicou ao avô, trouxe-lhe reconhecimento o nacional que, lá fora, já ia colhendo; ganhou também a oportunidade de representar Portugal no Festival Eurovisão da Canção, que este ano acontece em Turim, Itália, e recebe, além de Portugal, outros 39 países a competir pela vitória.

Na manhã antes de um concerto em Bruxelas, MARO falou ao JPN sobre a vitória no concurso português, a Eurovisão e a receita para a sua criatividade, que a fez editar cinco álbuns num só ano.

JPN: És portuguesa, mas estudaste fora. Já viveste nos Estados Unidos, Brasil ou França. De que forma estas viagens influenciam a tua música?

MARO: Influenciam muito. Vais conhecendo pessoas diferentes, que fazem música diferente, pensam de maneira diferente, que te inspiram porque te mostram coisas que não conheces. Estar fora de casa é sempre bom, mesmo a nível musical. Sair da zona de conforto, ter que descobrir quem eu sou, acaba por influenciar o meu som, também.

JPN: Escreves em português e em inglês, às vezes ambos. Como é que escolhes em que língua te vais expressar nas canções?

MARO: “saudade, saudade” começou por sair em inglês, chegou ao refrão, em que eu quis dizer “saudade”. E pronto. A partir do momento em que entrou “saudade”, de repente o segundo verso já tinha coisas para dizer em português. Nunca é pensado. Naturalmente, tem saído mais em inglês, porque eu estou a viver fora, mas, por exemplo, quando eu estive a viver no Brasil estava a sair tudo em português, um português brasileiro. E eu realmente prefiro não mudar, [prefiro] deixar como sai.

JPN: Ganhaste o Festival da Canção com “saudade, saudade”, uma canção muito pessoal. Achas que o sucesso da canção vem de ser “relacionável”?

MARO: Acho que sim. O meu avô morreu no fim de 2020, a música escrevi-a um ano depois, porque o luto nunca desaparece facilmente. Sentia que era uma coisa um bocado minha. Depois, quando foi lançada, comecei a perceber que toda a gente tem esta sensação. Quase toda a gente já perdeu alguém muito próximo e muito importante nas suas vidas. Eu escrevi a partir de uma coisa que existiu e que eu sinto de uma maneira muito forte. O sentimento está lá. Eu acho super bonito ver que as pessoas se identificam e acho que grande parte da música se ter dado tão bem é por isso, é pela ligação emocional ao que eu falo na canção.

https://youtu.be/eQul-rkcGPQ

JPN: Foste convidada três vezes para participar no Festival da Canção, aceitaste à quarta. Sentes que compensou teres, finalmente, aceite?

MARO: Fui convidada em 2018, 2019, 2020. Na altura, por timing e a nível de carreira, não fazia sentido. Estava a fazer outras coisas. O Festival [da Canção] é incrivel, mas, ao mesmo tempo, continua a ser uma competição. E eu nunca fui muito a favor de competições, especialmente em música. Por alguma razão, achei que este ano o tinha de fazer.

Vou lançar o meu álbum, sinto que as pessoas, em Portugal especialmente, não conhecem muito o meu trabalho e achei que se calhar este ano era bom. Achei que fazia o Festival, mostrava o trabalho, acabava em último e vinha embora. Mas a verdade é que, além de ter ganho e isso ter sido incrível, foi incrível ver também que todos os que estão envolvidos [no Festival da Canção] trabalham para que seja um espaço que não é competitivo e que, na realidade, é de colaboração e de amostra do que nós estamos a fazer musicalmente, a nível de novos artistas.

Acabei por aceitar à quarta vez, mas fiquei super feliz por ser agora. Antes, se calhar, não tinha escrito esta canção sobre o meu avô. As coisas acontecem porque têm que acontecer.

JPN: Um mês depois, o que é que o Festival da Canção já te trouxe?

MARO: Há mais gente a conhecer o meu trabalho, fiz amigos que concorreram comigo. Outros, que eu não conhecia tão bem, fui ouvir as coisas deles e adoro. E agora esta experiência toda da Eurovisão, que eu acho que vai ser incrível, aconteça o que acontecer. Vamos para Itália duas semanas com uma grupeta incrível e fazer música que todos gostamos. Acho que isso é uma experiência que eu daqui a cinquenta anos vou continuar a lembrar-me com muito carinho.

MARO venceu o Festival da Canção 2022 com o tema “saudade, saudade”. na imagem, um dos momentos da sua atuação na final do certame. Foto: Pedro Pina/RTP

JPN: Por teres feito tanta música fora, sentes que há muitos portugueses que só te conhecem por causa do Festival?

MARO: Sim, seguramente. Eu sabia que em Portugal, assim no meio dos músicos, da indústria, as pessoas conheciam o meu trabalho. No público, realmente, eu sei que não conheciam e faz sentido. Eu decidi fazer música aos dezanove, concorri para a Berklee, entrei e aos vinte estava lá a estudar. Estive sempre por fora, portanto, faz sentido. Mas por isso mesmo é que eu aceitei o Festival. Não é que conheçam só a “saudade, saudade”, isto também pode ser uma porta para que possam ir conhecer as outras coisas que eu já fiz e que fiquem a par do que vai começar a acontecer a partir de agora, também.

JPN: Em maio vais à Eurovisão. Costumavas acompanhar o festival?

MARO: Costumo ver muito por alto, sinceramente. Sei quando é, vejo, ouço as músicas, sei quais são os meus preferidos, mas não fico a ver um mês antes. Quando chega o dia da final, eu vejo todos e há uns que eu gosto mais e fico a ouvir mesmo depois da Eurovisão, mas não há tanto esse seguimento mais a fundo.

JPN: Dizes que que não gostas de associar a competição à música. Qual é o teu principal objetivo com esta participação na Eurovisão?

MARO: É tentar representar Portugal da melhor maneira, fazer o melhor que eu conseguir. De resto eu vou viver a coisa, aproveitar e fazer música com cinco outras mulheres que eu admiro e que se ligam com a música também. Ver os outros e aproveitar. No final de contas, não estou com pressão porque não acredito muito nisto de competição. Vou fazer o que sei fazer, tentar fazê-lo da melhor maneira e tentar divertir-me pelo caminho.

JPN: Demonstraste que essa parte da competição é posta de parte e convidaste a Diana Castro e a Milhanas para atuarem contigo. Porque é que achaste que fazia sentido elas se juntarem a ti na Eurovisão?

MARO: Na realidade, a minha ideia de sonho seria levar todos do Festival, mas nós só podemos ter seis em palco. Fazer uma mega corozão e cantarmos todos para representar Portugal juntos, mas não dá. Há regras e não podemos ser todos. Eu já tinha as quatro que cantaram comigo no Festival. Por razões logísticas houve uma que não podia, ou seja, tinha dois lugares. Como eu sabia que eu queria fazer isso, acabei por pensar: “vou fazer na mesma”. [Com] o FF, a Diana e a Milhanas, na altura dos camarins, foram muito de dizer que adoravam música, de cantar connosco. Houve ali uma mega empatia e criou-se ali um grupo giro, eles apoiaram muito a música desde o início. E acabou por fazer sentido. Pronto, o FF não foi porque é homem, a Diana e a Milhanas tinham músicas incríveis, foram incríveis no Festival e eu achei giro.

Mariana Secca, conhecida artisticamente por MARO, estudou nos Estados Unidos e já viveu em vários países. Foto: Joey Schultz

JPN: Em termos de atuação e de staging [encenação em palco], espera-se alguma coisa semelhante ao que fizeste no Festival da Canção ou é de esperar uma mudança?

MARO: É semelhante de umas maneiras, é diferente de outras. Não vai ser igual, mas não vai ser muito diferente a nível conceitual. Acho que é isso o máximo que eu posso dizer.

JPN: Até de uma semifinal para a outra, a atuação foi evoluindo.

MARO: Sim, foi completamente diferente. Eu realmente ia para cantar a música e tal, mas eu sei que no festival muitas vezes há uma espécie de um estilo, não é? Tanto que eu vejo, online, pessoas [a dizer que] “não é nada canção de festival”. Eu realmente achava a mesma coisa. Fui fazer a primeira semifinal para as pessoas conhecerem o meu trabalho, fui sozinha por razões logísticas e pensei: “canto a música e se as pessoas acreditarem na música e a música passar para a final, eu descubro como fazer acontecer”. Depois, quando passei, foi de repente: “Ah! Então ‘bora fazer isto como eu gostaria de fazer”.

JPN: Fora de Portugal achas que que a canção tem ganho reconhecimento?

MARO: Sim, acho que sim. Acho giro ver as pessoas a conectarem-se com o tema da canção. Mesmo a parte em português, as pessoas estão a descobrir a tradução e a minha família vai mandando uns vídeos de pessoas [que não entendem português] a reagir e que choram e eu acho isso fortíssimo. No final de contas, é sobre isso que a música se trata, não é?

Em cima, um vídeo de um conhecido canal de fãs da Eurovisão, o “Wiwibloggs”, em que os membros reagem à canção de MARO

JPN: Há casos em que uma canção perde o Festival da Eurovisão e acaba por ficar na posteridade. Achas que “saudade, saudade” pode tornar-se um caso destes?

MARO: Isso só prova a minha teoria de que “it’s not about competition” [“não é sobre competição”]. No final de contas, é sobre a música. Não interessa isso dos votos, de quem ganha e de quem leva o prémio. São quarenta músicas que vão, um monte de canções diferentes. As pessoas conectam de maneira diferente. No final, há músicas que que vão durar, não tem nada a ver com a competição.

JPN: Chegaste a dizer que 2018 foi o ano da tua vida melhor ano da tua vida e lançaste cinco discos nesse ano. Como é que isto é possível?

MARO: Era independente e não tinha uma equipa a dizer que eu não posso fazer isso, porque senão continuava a fazê-lo. Material há [risos]. Os primeiros três foram um apanhado das quatrocentas, quinhentas músicas que tinha desde miúda e foi um bocado tipo “ok, vou escolher vinte e poucas e resumir em três minicapítulos a fase da vida”. Um bocado esta ideia de “isto foi o que aconteceu para trás, agora ‘bora andar para a frente naturalmente”.

O [álbum] “it’s OK” já era mais recente, já era dos anos da Berklee. O “MARO e Manel” acabou por ser com um amigo meu que tem músicas incríveis e que não cantava à frente das pessoas. Quando [a música] estava feita era meio “vai para fora”, porque era para ser ouvida e aproveitada. Óbvio que, se eu quiser que “expluda”, há maneiras diferentes de como eu fiz. Se calhar eu não aconselho tanto como eu fiz. Mas na altura fez sentido, não me arrependo de nada.

JPN: Agora vais lançar o teu sexto álbum. O que é que podemos esperar deste trabalho que vem já algum tempo depois dos outros?

MARO: Agora é bem diferente. O álbum já foi feito há dois anos, e, entretanto, com a Covid-19, deixou de ser tão atual. Mas continua a ser um pouco, é o que eu quero fazer agora musicalmente. A Covid parou o lançamento, mas, ao mesmo tempo, também parou a evolução. Porque não tocámos, porque não gravamos e lançámos. É mais produzido, é menos singer-songwriter, mas continua a ser muito “eu”. Se calhar são [músicas] mexidas, mais alegres, menos “para dentro” e mais “para fora”.

JPN: Achas que vais ganhar a Eurovisão?

MARO: Não, não, de todo. Não querendo parecer que seja falsa humildade. Eu sei que também é uma coisa muito política. Seria muito, muito pouco expectável. Acho mesmo muito difícil. Mas pronto, vamos lá fazer e ver o que é que acontece. [Mesmo] se eu acabar em último, no final de contas, tenho orgulho na canção e gosto de ver que as pessoas se conectam com ela e isso acaba por ser fortíssimo. Agora, claro que um bom resultado seria ótimo. Claro que ganhar seria absolutamente incrível, mas eu acho muito difícil.

MARO atua na primeira semifinal do Festival Eurovisão da Canção, na décima posição do alinhamento, no dia 10 de maio.  A Grande Final do Festival terá lugar no dia 14 de maio.

A 66.ª edição do Festival Eurovisão da Canção realiza-se em Itália, depois da vitória dos Måneskin com o tema “Zitti e Buoni” em 2021, em Roterdão, nos Países Baixos. O certame europeu tem 40 países a concurso.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha