A Seiva Trupe nasceu no Porto em 1973. Em 1993, foi reconhecida como entidade de utilidade pública e, em 2010, foi condecorada pelo Presidente da República com o grau de membro honorário da Ordem do Mérito. Ainda assim, a histórica estrutura portuense não possuía um sítio que pudesse chamar de ‘seu’. Volvidos alguns anos, a Seiva encontrou finalmente uma “casa”: o antigo Cinema Estúdio, na Rua de Costa Cabral, no Porto, inaugurado em 1966 e renascido em 2021 como Sala Estúdio Perpétuo.

O encenador Jorge Castro Guedes, que se estreou profissionalmente como ator em 1973, assumiu o cargo de diretor em 2019 e, nesse ano, impôs a si mesmo “como condição sine qua non que, no espaço de, no máximo, cinco anos, a Seiva Trupe teria um espaço próprio”. Para Castro Guedes, a ausência de um espaço próprio veio afetar não só a afluência de públicos, mas também ao nível artístico. “Uma coisa é ter uma sala que sabemos as condições que tem, e podemos montar um espetáculo mediante esse espaço, outra coisa é ter de adaptar os espetáculos a cada sala que pontualmente surge”, explica ao JPN. 

“Sem isto a Seiva acabaria por morrer”

Durante estes anos sem rede, aproveitaram para levar espetáculos a locais emblemáticos da cidade, como a Cooperativa Árvore, o Café Lusitano e o Museu Nacional da Imprensa. No entanto, estabelecida a prioridade de encontrar um espaço permanente, o diretor artístico, Castro Guedes, deparou-se com a “oportunidade Sala Estúdio Perpétuo”. Neste local, encontraram um projeto voltado para a educação e a cultura, onde partilham espaço com a Opium, uma empresa de dinamização cultural. 

“Significa tudo”, conta Jorge Castro Guedes. “Na minha opinião, sem isso, a Seiva acabaria por morrer, pelo menos naquilo que eram as suas características essenciais. Sem um espaço, eu não continuaria o projeto que foi iniciado há quase 50 anos”. 

Têm agora instalações próprias para sala de ensaios, escritórios, depósito de guarda-roupa e adereços. A sala tem condições acústicas “notáveis”, no entanto, são necessárias obras.

Segundo o responsável, a Câmara Municipal do Porto “disponibilizou-se, desde logo, para fazer intervenções”. O projeto pretende que a sala receba mais pessoas na plateia; tenha um melhor equipamento de luz e som, através “da construção de uma ilha”; e seja ainda construído um avançado de cena, que permita ter um fosso de orquestra. Em termos de verbas, o diretor artístico fala “num valor muito elevado, de mais de meio milhão de euros”.

Contudo, a Seiva Trupe não vai esperar pelas obras que devem “começar ainda este ano” e ser feitas “de forma faseada” – e vai “adaptando os espectáculos”. A estreia na nova residência aconteceu dia 27 de março, Dia Mundial do Teatro, com a peça “Três Mulheres em Torno de um Piano”, e esteve em cena até dia 11 de abril. 

“O teatro é uma arte muito cara. O que vemos em cena é a ponta do iceberg”

Esta sala representa “o ponto de partida para um novo ciclo na vida da Seiva Trupe” e, ainda que estejam a recuperar o fôlego, o futuro da Seiva Trupe vai ser “de muitíssimo trabalho para reconquistar o público antigo e chamar um público jovem”. 

O futuro da Seiva vai depender, ainda, dos “financiamentos” que vierem a receber, desabafa Castro Guedes. “O teatro é uma arte muito cara e o que vemos em cena é a ponta do iceberg”, conta o diretor artístico, usando a última peça em exibição como exemplo: “a peça ‘Três Mulheres em Torno de um Piano’ tem três atrizes em palco, mas envolveu mais de 25 pessoas, entre técnicos, costureiras, produtores, encenadores, operadores de luz, de som, desenhador de luz, de som, sonógrafo, entre outros.” 

As perspetivas para estas ajudas, apesar de todos os condicionamentos, são moderadamente otimistas, e Jorge Castro Guedes acredita que “um dia haja alguém que tenha um programa político verdadeiramente sustentável e estruturante, que se traduza em termos práticos”, não ficando “só em palavras”. “Ficou o 25 de abril por cumprir nas artes e na cultura, e está longe de começar a ser cumprido”, lamenta. 

A estrutura está ciente da importância deste passo na sua história, mas consciente de que vão “penar nos primeiros dois ou três anos, até criar um hábito de público”, conta Castro Guedes. 

Com a segurança de contarem com um abrigo, a companhia vai continuar a trabalhar: “Já no primeiro fim de semana de junho vamos ter um espetáculo reposto em cena, que se chama ‘Éramos Todos Azucenas’. É um espetáculo sobre as mães da Praça de Maio que, durante a ditadura fascista da Argentina nos anos 70, se juntavam à volta do palácio presidencial, em silêncio, com fraldas na cabeça, pedindo o aparecimento dos seus filhos. Durante a ditadura militar, desapareceram mais de 30 mil pessoas, para além dos mortos”, acrescenta.

Um projeto 100% da cidade do Porto

“A Seiva quis, O Porto quis: Aconteceu”. Este é o slogan do projeto que junta o Perpétuo Educação e Cultura, a Câmara Municipal do Porto, a Seiva Trupe e a Opium. 

“O slogan de abertura indica isso mesmo, tudo o que aqui está não tem um cêntimo da capital do império, é tudo da cidade do Porto. Isto é uma marca daquilo que o Porto faz, da personalidade que o Porto tem, mesmo quando é posto à margem dos financiamentos da capital”, afirma.