António de Sousa Pereira recandidata-se ao cargo de Reitor da Universidade do Porto para um segundo e último mandato. Em entrevista ao JPN, o Reitor falou da sua motivação para a recandidatura e o que falta cumprir na sua visão para a UP. Avalia o seu primeiro mandato com um saldo positivo, mas considera haver uma tarefa "que urge concluir". Candidatos são ouvidos na sexta-feira.

Como Reitor em época de pandemia, sente ter tido “metade do tempo que poderia ter tido”. António de Sousa Pereira recandidata-se agora ao cargo para acabar aquilo “que urge concluir”. Orgulha-se do projeto que começou, mas, sem ilusões, admite que ainda há “um caminho a percorrer”.

Agora com 60 anos, Sousa Pereira começou no Porto um longo percurso académico, que culminou, em 2018, com a eleição para Reitor da Universidade do Porto (UP). Formado em Medicina pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS). Com um doutoramento no bolso, concluiu ainda uma pós-graduação em Mastering Healthcare Finances. Dedicou-se, desde então, à docência, à investigação e também a funções administrativas, tendo servido, antes de chegar à Reitoria, como diretor da sua alma mater.

O professor catedrático do ICBAS não tem dúvidas do sucesso do seu projeto, não obstante os obstáculos apresentados pela pandemia. “A universidade hoje está completamente diferente do que estava quando eu aqui cheguei”, assinala.

Calendário
Sexta-feira, dia 29, tem lugar a Audição Pública dos candidatos. Segue-se a eleição do reitor pelo Conselho Geral da Universidade do Porto a 6 de maio.

Para um segundo mandato, elege como prioridades a multidisciplinaridade e a ação social. Dessa forma, ambiciona construir uma universidade “mais competitiva, mais internacional [e] mais multidisciplinar”.

Está convicto de “que o mercado quer pessoas que saibam pensar” e, por isso, é necessário que os currículos sejam “desenhados à medida [do estudante] e à medida daquilo que são as suas competências e os seus anseios”. Urge ainda garantir que os estudantes são apoiados o suficiente, com uma reorganização e aposta maior na ação social.

“Temos de ter respostas estruturadas para fazer com que ninguém desista de um curso por dificuldades económicas”, afirma o atual Reitor. Apesar de esperar o melhor, admite a incerteza que o futuro guarda. “Neste contexto [atual, de pandemia e guerra], provavelmente os próximos quatro anos vão ser de navegação à vista”, suspira. Se não estiver ao leme da UP, planeia “voltar a dar aulas”.

Esta é a quarta e última de uma série de entrevistas que o JPN publica com os candidatos ao cargo de reitor. Sexta-feira, dia 29, tem lugar a Audição Pública dos candidatos, seguindo-se a eleição pelo Conselho Geral da UP a 6 de maio.

JPN – Porque é que se recandidata a reitor da Universidade do Porto?

António de Sousa Pereira (ASP) – Fundamentalmente, a noção de que iniciei um projeto. Esse projeto está a dar bons resultados para a universidade, mas tive metade do tempo que poderia ter tido para o implementar na totalidade. Os últimos dois anos foram feitos a gerir a crise da pandemia e, por isso, teve que ficar um bocado tudo em suspenso.

JPN – Sente que a pandemia acabou por atrasar um bocado o seu projeto para a universidade e a concretização dos seus objetivos.

ASP – Atrasou tudo em todo o lado, não foi só aqui. Havia um processo em curso de internacionalização que ficou parcialmente suspenso. Havia um processo em curso de recrutamento de novos estudantes internacionais, que é uma coisa muito importante. Ficou tudo em suspenso, porque, como é óbvio, durante a pandemia não houve estudantes estrangeiros a vir para cá. Portanto, há aqui muito trabalho a fazer. Sinto que tenho condições para o fazer, quer pessoais quer institucionais.

JPN – Mas faz um balanço positivo do seu primeiro mandato?

ASP – Sim, muito positivo. Acho que a universidade hoje está completamente diferente do que estava quando eu aqui cheguei, em todos os parâmetros que queiramos avaliar. É mais reconhecida nacional e internacionalmente, está mais produtiva internacionalmente, está mais robusta do ponto de vista financeiro, mais equilibrada do ponto de vista da sua prestação de contas, mais influente na sociedade, seja ao nível local ou regional, seja ao nível nacional ou ao nível internacional. Portanto, há obviamente um salto enorme que é inegável para quem olhe para a universidade e a compare com o que era há quatro anos. Hoje em dia a Universidade do Porto tem uma voz ativa naquilo que são as grandes questões nacionais. Envolveu-se naquelas que são as grandes questões que mobilizaram a sociedade portuguesa, seja a reorganização do sistema de saúde, o debate nacional em torno da eutanásia. Portanto, hoje, somos incomparavelmente mais robustos e prestigiados do que há quatro anos. Agora, sinto que, apesar disso, há uma tarefa que ainda não está concluída e que urge concluir.

Há obviamente um salto enorme que é inegável para quem olhe para a universidade e a compare com o que era há quatro anos atrás.

JPN – Se tivesse de destacar alguns feitos ou realizações durante estes quatro anos, o que é que destacaria?

ASP – Eu acho que desde logo há um aspeto que é indiscutível que é a importância que a Universidade do Porto tem na cultura da cidade e do país. Somos hoje uma instituição com uma programação cultural diária na cidade. Há quatro anos isso não existia. Fizemos ainda um trabalho notável no sentido de esbater as fronteiras entre as várias unidades orgânicas e aumentamos enormemente aos cursos em que participam várias unidades orgânicas, que é uma coisa que é fundamental nos dias que correm, que é esbater as fronteiras do conhecimento. Há vários aspetos nos quais nós nos podemos rever como motivos de orgulho para aquilo que aconteceu nos últimos quatro anos.

JPN – Relativamente àquilo que ficou por fazer, considera que houve áreas em que não conseguiu avançar muito também por causa dos desafios que se colocaram?

ASP – Houve áreas em que não conseguimos avançar tanto quanto gostaríamos de ter avançado. Por um lado, por causa da pandemia, mas por outro lado, porque eu acho que ainda há uma transformação de mentalidades que é necessária, nomeadamente, quando falamos de cursos transversais, de cursos dados por múltiplas unidades orgânica, ou seja, quando falamos de soft skills e dos estudantes, independentemente das áreas, terem conhecimentos de áreas que aparentemente não têm nada a ver com a área de conhecimento que eles integram. Eu acho que ainda temos um caminho a percorrer.

JPN – A multidisciplinaridade será uma das prioridades para os próximos quatro anos?

ASP – Já foi, já fizemos muito. Conseguimos implementar disciplinas de competências transversais nos currículos e temos até alguns projetos que são verdadeiramente inovadores ao nível nacional. Nós temos hoje cadeiras de opção que são dadas no Teatro de São João, no Museu Soares de Reis ou na Casa da Música, que acrescentam uma visão multicultural ao estudante, que é fundamental. A um estudante de engenharia, nada o impede de ter uma cadeira de biologia ou de música. Assim como um estudante de medicina nada o deve impedir de ter uma cadeira de literatura ou de poesia, como acontece hoje. Eu acho que é fundamental, cada vez mais. Nós temos de formar cidadãos na sua plenitude e formar um cidadão na sua plenitude significa dar uma formação o mais transversal possível e dar-lhe competências em múltiplas áreas, não só aquelas que estão diretamente ligadas à atividade profissional que ele escolheu ao escolher um curso. Portanto, acho que temos tido sucesso nisso. Agora, acho que é possível fazer bastante mais.

Nós temos de formar cidadãos na sua plenitude e formar um cidadão na sua plenitude significa dar uma formação o mais transversal possível.

Eu gostaria muito que na Universidade do Porto acontecesse o mesmo que acontece nas universidades inglesas de topo, como Oxford e Cambridge, em que na realidade não existe um currículo para um curso. Cada aluno tem um tutor e esse tutor é que define o currículo que o estudante vai fazer até chegar ao fim do curso. Idealmente deveríamos evoluir para aí, ou seja, cada estudante ter um currículo desenhado à sua medida e à medida daquilo que são as suas competências e os seus anseios. Hoje em dia o que o mercado quer são pessoas que saibam pensar, não são pessoas que saibam trabalhar e fazer coisas muito específicas. Se ensinarmos competências transversais e múltiplas, ficamos com pessoas que são capazes de se adaptar o resto da sua vida a fazer qualquer coisa, e isso é fundamental. Havemos de evoluir para aí.

JPN – Acredita que a Universidade do Porto tem potencial para ser das melhores?

ASP – Eu não acredito que ela tem potencial, porque acredito que ela já está nas melhores. Quer dizer, somos inevitavelmente a melhor universidade portuguesa e somos uma das 100 melhores da Europa. Portanto, isso já não é uma questão. É possível melhorar muito no sentido de evoluirmos nesse sentido, de ter a preocupação de ajustar a formação ao estudante, colocando verdadeiramente o estudante no centro. A estrutura curricular deve ser desenhada de acordo com aquilo que é a expectativa de cada um e permitir que cada um desenvolva todo o seu potencial durante a passagem pela universidade e que vá voltando cá de vez em quando para adquirir competências adicionais. 

JPN – O facto de ter sido estudante há muitos anos alterou a sua conexão e ligação com a universidade? Ou mantém ainda uma grande proximidade com esta sendo também reitor?

ASP – Variando muito de unidade orgânica para unidade orgânica, as políticas de ligação aos ex-alunos são muito diferentes. Temos escolas em que isso é bastante estruturado, temos outras em que isso não existe de todo. Aquilo que estamos a tentar fazer, utilizando as instalações do Círculo Universitário, é lançar um gabinete alumni que seja capaz de identificar e fidelizar os estudantes à sua escola e à sua alma mater. O nosso desejo era de que [os alumni] se habituassem a periodicamente vir até à universidade fazer cursos de atualização, fazer convívios ou o que quer que seja. Acho que vamos conseguir fazer isso.

JPN – Falta uma maior coesão entre as diferentes unidades orgânicas?

ASP – Eu não diria coesão. Nós não somos todos iguais nesse aspeto. Mas falta realmente um serviço eficaz que permita identificar e fazer a ponte entre os ex-alunos da Universidade do Porto e que faça com que eles tenham um espírito de corpo e se sintam como pertencentes a um grupo, que é uma coisa que neste momento não existe muito de uma forma estruturada.

JPN – Para além dessas questões, que outras prioridades define para um segundo mandato caso reeleito?

ASP – O segundo mandato tem uma outra prioridade que é fundamental, que é a questão da ação social. Nós temos conseguido aumentar rapidamente a capacidade de alojamento da universidade. O aumento da percentagem de estudantes que acedem ao ensino superior vai fazer com que haja cada vez mais estudantes com dificuldades económicas a ter acesso e nós temos de ter respostas estruturadas para fazer com que ninguém desista de um curso por dificuldades económicas. E temos depois uma outra questão que é muito preocupante, que é uma reformulação da ação social, seja nos aspetos assistenciais e médico-psicológicos, seja nos aspetos mais comezinhos, como ter cantinas apropriadas.

Sem que nós nos tenhamos apercebido, as cantinas ainda funcionam muito no modelo adequado ao tempo em que eu era estudante e os gostos dos estudantes hoje em dia já não têm nada a ver com os gostos dos estudantes do meu tempo. Temos de repensar a organização de toda a assistência social, no sentido de a adaptar àqueles que são os gostos e expectativas dos estudantes atuais, o que provavelmente vai implicar algumas transformações profundas. Portanto, diria que a ação social por um lado e a transversalidade da formação são duas das minhas principais prioridades. Há muita coisa que se pode fazer que não está dependente de financiamento do Estado e que deve ser prioritária.

JPN – Sente que a universidade tem capacidade para criar um financiamento próprio que permita apoiar mais os estudantes?

ASP – A universidade tem capacidade para reivindicar e tem de o fazer. Portanto, nós temos de ser capazes de marcar a agenda política de tal maneira que os políticos percebam que têm de apoiar mais a ação social escolar. Isso aí é um ponto assente que vai ter de ser uma prioridade durante os próximos anos. Sem dúvida nenhuma, porque senão vamos falhar enquanto país.

JPN – Sem um aumento de financiamento estatal e mais apoio por parte do Estado não será possível para a universidade também ajudar os estudantes?

ASP – Isso não está dependente do orçamento da universidade. Nós temos é de reivindicar, juntamente com os estudantes, a revisão das fórmulas que permitem a atribuição de financiamento, para que mais estudantes possam ser beneficiados por esse tipo de apoio.

JPN – Com a atual situação económica e a pandemia, sente que é ainda mais urgente avançar mais rápido nesta questão?

ASP – É urgentíssimo. Nós temos de preparar respostas para resolver as situações prementes. Não vai ser fácil. Ninguém sabe o que vai acontecer à construção civil com a guerra e com a variação dos preços dos produtos e das matérias-primas, mas vamos ter de ter soluções, em articulação com as Câmaras Municipais e em articulação com a Federação Académica do Porto. Vamos ver. É uma preocupação constante.

JPN – Para além de reivindicar junto das entidades públicas, há assim alguma alternativa ou outro projeto que a universidade possa empreender para ajudar os estudantes?

ASP – Sim. A universidade tem feito o acompanhamento daquilo que são as necessidades dos estudantes e vai libertando recursos adequados a uma resposta que seja eficaz. Isso aconteceu ao longo da pandemia. Nós, logo de imediato, criamos um fundo de emergência para ajudar os estudantes que tinham necessidades prementes. Esse fundo de emergência foi utilizado e financiado por um número significativo de estudantes. Com a situação na Ucrânia, não temos tido pedidos, mas criamos um fundo de emergência para ajudar estudantes ucranianos que, porventura, venham para o Porto e precisem de ajuda para serem cá instalados. O problema não tem sido a falta de dinheiro. Quando há uma necessidade identificada, nós viramo-nos para arranjar o dinheiro e pomos o dinheiro lá. Esse não tem sido um problema.

Quando há uma necessidade identificada, nós viramo-nos para arranjar o dinheiro e pomos o dinheiro lá.

JPN – Havendo vontade, há os meios e recursos para o concretizar?

ASP – Claro. Corta-se noutras coisas. Há sempre coisas que são prioritárias, e a saúde e a segurança da comunidade é sempre prioritária. Portanto, se for preciso cancelar algum outro tipo de atividade, cancela-se. Não pode é faltar dinheiro para esse tipo de situações. Portanto, temos conseguido lidar com isso com alguma tranquilidade e temos conseguido sempre arranjar as fontes necessárias para enfrentar esse tipo de necessidades. Isso não tem sido um problema.

JPN – Relativamente ao alojamento estudantil, tem havido um aumento no investimento. Segundo os seus planos, vão ser construídas mais 800 novas camas nos próximos anos. Mesmo assim ainda considera que é “um dos maiores problemas socioeconomicos dos estudantes do Ensino Superior”. Considera que essas 800 camas serão suficientes para um segundo mandato para resolver os principais problemas dos estudantes no que toca ao alojamento?

ASP – Neste momento, temos o número de camas suficiente para alojar todos os estudantes que nos termos da lei têm direito a ter um alojamento universitário. Portanto, estas camas adicionais, no fundo, vão-nos permitir abranger outros públicos que não seriam públicos que tipicamente tinham direito a ter um alojamento universitário. Mas nós queremos criar condições para que a universidade os possa alojar, mesmo não sendo detentores desse critério. Nesse sentido, veremos como é que as coisas vão acontecer, porque o que é facto é que às vezes as soluções que nós arranjamos nem sempre são adequadas. Nós a certa altura, ainda antes da pandemia, tínhamos dificuldade em arranjar alojamento. Tínhamos a noção de que era preciso arranjar alojamento para os estudantes da universidade. Fizemos um acordo com o exército e passamos a utilizar a messe na Avenida Fernão de Magalhães. Nunca a conseguimos encher, nunca tivemos procura suficiente para a encher. Portanto, eu acho que estas 800 camas nesta fase, veremos como é que elas vão ser utilizadas. Se forem poucas, iremos continuar a investir na construção de mais, se forem suficientes, logo se verá. Neste momento, eram aquelas que havia condições para construir, ou seja, nós não temos mais terrenos disponíveis para fazer construções. Parece-me que vai ser um acréscimo já razoável, que vai permitir minorar muitos dos efeitos de falta de residência.

JPN – Que outros estudantes que não estavam antes contemplados pelo alojamento de modo tradicional poderão ser agora beneficiados por estas novas camas?

ASP – Eu espero que os estudantes de classe média que tinham direito a bolsa, mas não tinham direito a alojamento, possam passar a ter alojamento na universidade caso assim o desejem. Há ainda um outro efeito, também muito importante, que surge com esta oferta, que é uma oferta de regulação de mercado. Ou seja, se nós conseguirmos com a existência desta alternativa da universidade introduzir um fator de regulação de mercado, que baixe significativamente o preço do alojamento privado existente, isso será muito bom para todos. Nos últimos quatro a cinco anos, construíram-se seis mil camas privadas aqui na cidade do Porto. Eu acho que estas medidas vão ser importantes para baixar o preço dessas camas privadas, no sentido de as tornar mais acessíveis aos estudantes da Universidade do Porto.

JPN – Recentemente, houve 70 denúncias de casos de assédio na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Na Universidade do Porto foram reportados quatro casos de assédio até ao momento por parte de docentes. O que é que tem feito como reitor para facilitar o processo de denúncia? Tem sido feito um esforço suficiente?

ASP – Que eu tenha conhecimento, fui o único reitor em Portugal até hoje a despedir professores acusados de assédio. Portanto, acho que a resposta está dada. Agora, eu compreendo que as pessoas achem que, às vezes, estes processos são lentos. Sempre que há uma denúncia, ela é investigada. A denúncia pode chegar das mais variadas formas, pode chegar através de docentes, pode chegar através de estudantes, pode chegar através de colegas ou através do próprio. Por exemplo, neste caso do docente da Faculdade de Economia que foi despedido, chegou através de um abaixo-assinado de estudantes. Fez-se obviamente um processo de averiguações. Para poder tirar consequências que não sejam meramente teatro nos jornais é preciso fazer os processos cumprindo com os requisitos legais todos. Foi o que foi feito. Foi feito o processo de inquérito, foi feito o processo disciplinar, foram dados todos os prazos legais e foi dado o direito de defesa. Chegou-se ao fim e eu despedi. Entendi que aquilo que ele tinha dito e aquilo que tinha feito era motivo para um despedimento.

Portanto, a ideia que quero transmitir é a seguinte: na Universidade do Porto temos sido implacáveis com este tipo de situações. É evidente que elas precisam de ser denunciadas para serem investigadas. Algumas que têm sido investigadas e chega-se à conclusão de que não têm fundamento. São questões de vinganças pessoais ou de zangas, porque não se teve a nota que se queria ter. Noutras chega-se à conclusão de que têm todo o fundamento. Tendo todo o fundamento, atuamos de maneira, que eu diria, quase radical, no sentido de transmitir uma ideia que é de que há tolerância zero para com esse tipo de atitudes.

JPN – Considera que há plataformas de denúncia suficientes?

ASP – Não é preciso plataformas. A necessidade de uma plataforma surge se as pessoas sentirem que não existem mecanismos de denúncia que sejam levados em consideração. Na universidade temos tido variadíssimos casos que têm sido investigados. Eventualmente, se alguém chegar à conclusão de que os mecanismos atuais não são suficientes poderá ser implementada [uma plataforma de denúncia]. Neste momento, a ideia que eu tenho é de que todos os casos têm sido investigados sem necessidade de plataforma. Não foi precisa uma plataforma para despedir um professor no Porto.

Fui o único reitor em Portugal até hoje a despedir professores acusados de assédio.

JPN – Considera que a Universidade do Porto é uma universidade suficientemente internacional ou que ainda há muito caminho para ser uma universidade não só do Porto, mas também da Europa e do mundo?

ASP – É assim, ela da Europa já é, nós fazemos parte da primeira leva de universidades europeias. Portanto, até por definição, somos uma universidade europeia, juntamente com os nossos parceiros. Mas ainda há um longo caminho a percorrer. E o longo caminho tem a ver com aumentar a oferta formativa em língua inglesa. Só quando tivermos uma oferta formativa significativa em língua inglesa é que vamos poder considerar-nos verdadeiramente uma universidade internacional. Isto apesar de neste momento já termos perto de 20% dos nossos estudantes estrangeiros. Eu acho que ainda é pouco. Precisamos de crescer mais, mas a certa altura este crescimento só pode acontecer se houver uma evolução do ensino em inglês, principalmente no segundo e terceiro ciclos, para podermos ser verdadeiramente internacionais. Quer queiramos quer não, o inglês é a língua franca do ensino internacional. Não tenhamos ilusões relativamente a isso.

JPN – Sente que a diversificação do corpo docente, ou seja, mais docentes de outros países, também poderá ser benéfico?

ASP – É benéfico. O problema é que os professores em Portugal são mal pagos e não conseguimos ser competitivos e atrair para cá professores internacionais. Como é óbvio, para nós seria muito bom termos professores de outras nacionalidades, com outras experiências de vida e com outras culturas, que nos transformassem num país mais cosmopolita e menos conservador. Agora, para isso é preciso pagar e nós, apesar de sermos uma universidade de fundação, temos uma série de amarras do ponto de vista burocrático-legal que nos impedem de pagar adequadamente para podermos recrutar esses professores internacionais. Isso era muito bom, mas ainda temos uma percentagem bastante reduzida de professores estrangeiros na nossa universidade, que eu acho que é importante contrariar. Apesar de tudo os próximos cinco, dez anos vão ser críticos para isso, porque vamos ter um volume de reformas e de aposentações que é extremamente elevado.

Para nós seria muito bom termos professores de outras nacionalidades, com outras experiências de vida e com outras culturas, que nos transformassem num país mais cosmopolita e menos conservador.

JPN – Como imagina a Universidade do Porto daqui a quatro anos?

ASP – Imagino uma universidade mais competitiva, mais internacional, mais multidisciplinar e com um maior envolvimento dos estudantes na investigação e também uma maior interação entre as unidades orgânicas no ensino e na investigação, no sentido de formarmos profissionais cada vez mais competitivos no mercado de trabalho. Espero que o facto de terem um diploma da Universidade do Porto se constitua só por si como uma mais-valia importante.

JPN – Considera que os próximos quatro anos podem trazer muito de novo para a universidade?

ASP – Neste momento, não penso em nada. Estamos a falar no dia em que a Rússia cortou o abastecimento de gás à Polónia e à Bulgária [27 de abril]. Estamos a falar no dia em que houve ataques na Transnístria e, portanto, a guerra saltou para fora da Ucrânia e está a alastrar a outros países europeus. Neste contexto, provavelmente os próximos quatro anos vão ser de navegação à vista. Vai ser gerir a crise e tentar que ela tenha o mínimo de reflexo possível para Portugal. Seria muito atrevido da minha parte fazer previsões desse tipo. Eu gostava muito de ter um grau de confiança que me dissesse: “eu daqui a quatro anos quero isto, isto e isto”. Aquilo que eu digo hoje é: “daqui a quatro anos quero que a universidade esteja o melhor possível com as condições que for tendo ao longo destes quatro anos”, que eu sinceramente não sei quais vão ser. Por aquilo que estou a ver, não estou a gostar nada da maneira como isto está a evoluir e acho que isto vai acabar por nos atingir a todos muito mais do que nos está a atingir neste momento.

JPN – Tem fortes expectativas de ser reeleito?

ASP – As minhas expectativas são as expectativas de ter um trabalho para mostrar às pessoas, que foi feito nestes últimos quatro anos. E agora as pessoas julgarão se esse trabalho foi bom ou mau e compararão a Universidade do Porto com aquilo que ela era há quatro anos. E compararão também o trabalho que foi feito pelos diversos candidatos nos locais onde estiveram e verão o que é que foi feito. Depois disso, a minha expectativa está absolutamente tranquila. Não tenho qualquer tipo de apego ao lugar. Portanto, com enorme tranquilidade, arranjarei outra coisa qualquer para fazer, sem problema algum.

JPN – Sente que o seu trabalho tem sido reconhecido e que as pessoas estão satisfeitas?

ASP – Acho que sim, acho que é isso que sinto aos mais variados níveis. Acho que isso vai acabar por pesar na decisão final.

JPN – Tem algum plano para o caso de não ser reeleito?

ASP – Nenhum, nenhum plano. Se não for reeleito, vou voltar a dar aulas, que é uma coisa que eu gosto muito de fazer.

Artigo editado por Filipa Silva