A pé, de carro, de metro, autocarro ou comboio. Se existe um meio de transporte, existe um jovem que o utiliza, mas nem todos são ideais. O JPN quis saber quais são as formas de deslocação mais populares entre os estudantes da Universidade do Porto e que aspetos as caracterizam.

Perto de 70% dos jovens opta por usar transportes públicos para se dirigir à faculdade e/ou local de trabalho. O resultado é de um inquérito do JPN, aplicado aos alunos das faculdades de Letras (FLUP), Belas Artes (FBAUP), Economia (FEP) e Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) com o objetivo de responder à pergunta: “Como se deslocam os jovens universitários”?

A análise às 243 respostas obtidas mostra que 15.2% dos inquiridos afirma movimentar-se de carro ou mota, 14.4% opta por andar a pé e apenas 0,9% das respostas apontam para a utilização de bicicleta, trotinete ou skate na deslocação entre a residência e a faculdade.

Comparando estes valores com os obtidos pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) em 2017 no último Inquérito à Mobilidade, conclui-se que os jovens usam muito mais os transportes públicos do que a população geral na Área Metropolitana do Porto, que privilegia largamente o automóvel. No caso do estudo do INE, 67.6% dos respondentes usava o carro como meio principal de transporte, ficando os transportes públicos para apenas 11.1% da população inquirida.

inquérito

O JPN inquiriu os estudantes de várias faculdades da Universidade do Porto.

Relativamente à duração da viagem, os movimentos pendulares são tudo menos rápidos, com dois terços dos estudantes a precisarem de mais de meia-hora para chegar ao destino. Em concreto, 32% afirma demorar entre 30 a 60 minutos desde casa à faculdade, 29% dos inquiridos dizem demorar mais de 60 minutos a realizar o percurso, enquanto 25.3% demora entre 15 a 30 minutos. Apenas 13.7% demora entre 1 a 15 minutos para chegar ao destino. 

Além das perguntas de resposta múltipla, o JPN realizou, a título complementar, entrevistas com alguns dos estudantes que responderam ao inquérito. 

Os inquiridos que utilizam carro queixam-se frequentemente do custo do combustível e do trânsito. Gabriela, que se desloca diariamente da sua residência em Mosteiró para a FEUP, localizada no Polo da Asprela, afirma ser “mais conveniente” andar de carro, uma vez que, se utilizar o metro como meio de transporte, somaria mais uma hora à duração habitual da sua viagem.

Já Gabriela Gomes, residente em Santa Maria da Feira, demora entre 30 a 40 minutos a chegar, de carro, à FLUP, e apesar do trânsito com que se depara no caminho, afirma que “a oferta de transportes públicos é muito pouca” e que “não é tão confortável em termos de horários e deslocações”, uma vez que, alternativamente, teria de recorrer a múltiplos meios de transporte para chegar à faculdade.

Os inquiridos que utilizam os transportes públicos confirmaram a afirmação – queixam-se principalmente da inflexibilidade dos horários, de viagens suprimidas e da oferta reduzida de transportes. Mas, para Maria Fresco, estudante do curso de História na Faculdade de Letras, o maior problema é a afluência nos transportes públicos. “É muita gente, o que faz com que demore muito mais tempo do que o previsto”. A universitária de 21 anos, que apanha o autocarro e o comboio diariamente de Recarei (Paredes), demora uma hora e meia para chegar à faculdade. Admite ter carro próprio, mas os custos de deslocação “são demasiado altos”.

Para compreender as dificuldades associadas a cada percurso, o JPN quis acompanhar três estudantes, desde casa até à respetiva faculdade ou local de trabalho. Ficámos a conhecer José Rocha, que utiliza vários meios de transporte, Aline Costa, que se desloca de bicicleta, e Sofia Mota, que tem carro próprio. 

José Rocha

José Rocha tem 20 anos e estuda na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Todos os dias, o jovem natural de Águas Santas vai de carro até ao apeadeiro da Palmilheira, na Maia, onde apanha o comboio até à estação de Campanhã. É lá que segue de metro até à paragem da Casa da Música e, por fim, faz mais cerca de 15 minutos a pé até à faculdade. No total, este trajeto ocupa-lhe cerca de 1 hora.

A sua entrada para a faculdade coincidiu com o período de pandemia e confinamento. Nessa fase, José optou por utilizar exclusivamente o carro para se movimentar. “Inicialmente, utilizava muitas vezes o carro para ir diretamente para a faculdade, mas nessa altura não havia trânsito e o preço do combustível era bem mais baixo”.

Quando acabou o período de confinamento, o estudante afirma que houve um aumento do trânsito e percebeu, depois de efetuar o trajeto algumas vezes, que não era viável, porque perdia muito tempo. “Eu cheguei a demorar quase uma hora num caminho que se fazia em 15 minutos”. 

José aponta a lotação dos transportes públicos em “hora de ponta” como o maior problema no trajeto que faz diariamente. “Não é muito confortável ir num comboio ou num metro ‘apinhado’.”

Mensalmente, o estudante gasta 30 euros no passe geral, que é válido para o comboio e metro e cerca de 30 euros em gasolina, o que perfaz um total de 60 euros/mês – um valor bem abaixo daquele que gastava no período em que utilizava o carro para fazer a totalidade do percurso, que chegava a rondar os 120 euros. 

Aline Costa

Aline Costa tem 25 anos e é estudante do último ano do Mestrado de Multimédia e Educação da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP). A jovem mora na Rua do Campo Alegre e opta por utilizar a bicicleta elétrica que aluga através do programa U-Bike para se deslocar para a faculdade. O percurso que faz todos os dias demora entre 30 a 40 minutos, “dependendo da vontade”. 

Foi quando começou a pandemia que Aline decidiu procurar outras formas de se movimentar, uma vez que não se sentia confortável com a aglomeração de passageiros nos transportes públicos. “Uma das razões porque eu opto por andar de bicicleta é porque dentro dos autocarros e metros tem muitas pessoas e desde que começou a questão da pandemia, tenho optado por coisas em que fico mais sozinha, em que não entro em contacto com outras pessoas.”

Além da falta de segurança sanitária nos transportes, Aline aponta a questão ambiental como um dos fatores que mais pesam na sua decisão de se deslocar de bicicleta. “A preservação do ambiente também é algo importante para mim, desta forma evitamos a emissão de gases”. 

Ao longo do percurso, a estudante encontra algumas dificuldades, nomeadamente, a inexistência de ciclovias pela cidade. “Nós não temos espaço na cidade para poder andar”. Alerta ainda para os casos em que existe efetivamente uma faixa destinada para bicicletas, mas “os carros ficam lá estacionados”. 

A jovem confessa que sente algum “preconceito aqui na região do Porto”, principalmente por parte das pessoas mais velhas, para quem anda de bicicleta. Acredita que essas pessoas se sentem “incomodadas” com as bicicletas e “olham de forma estranha” e que, em alguns casos, chegam até a “reclamar”. 

A estudante, que aluga a bicicleta elétrica à UP pelo segundo ano consecutivo, confessa estar bastante satisfeita com a sua escolha. “Na Universidade, consigo a bicicleta de forma anual, então, tenho um desconto e fica por volta de 10 euros por mês. É bem económico.”

Sofia Mota

Sofia Mota tem 20 anos e estuda na FLUP. Está neste momento a estagiar no Edifício Burgo, na Avenida da Boavista, e opta por utilizar diariamente o seu carro elétrico para se deslocar de casa até ao estágio ou à faculdade. 

Todos os dias sai da sua residência no Amial e opta por um caminho alternativo pela Rua de Serpa Pinto. “Não costumo ir pela autoestrada, porque há sempre bastante trânsito de manhã, então, apanho a Rua de Serpa Pinto e passo por Cedofeita”, explica. Estaciona junto ao Centro de Desporto da Universidade do Porto (CDUP) e, daí, caminha durante 20 minutos até ao Edifício Burgo, na Avenida da Boavista. 

Sofia justifica que não para o carro “à beira do estágio, porque o estacionamento é sempre pago. É cerca de 1,20 euros por hora”, portanto prefere fazer o percurso a pé de forma a “poupar esse dinheiro.”

Por ter um carro elétrico, a jovem não tem qualquer custo de combustíveis. No entanto, a bateria que o automóvel utiliza é alugada. “Uma bateria nova custa cerca de 200 euros por mês, mas como o meu carro é em segunda mão, consigo a bateria por metade do preço.”

A este custo, “acresce à conta da eletricidade o preço de carregar o carro, que não chega aos 10 euros mensais. A jovem garante que este método “acaba por ser muito mais benéfico do que utilizar um carro a gasolina”. Faz a comparação com o carro da mãe que, para encher o depósito, gasta cerca de 80 euros. 

Os maiores entraves que aponta ao percurso que realiza todos os dias são a intensidade do trânsito e a ausência de estacionamento gratuito nas redondezas do local onde estagia. Ainda assim, sublinha que as soluções que encontra para esses problemas são mais benéficas do que optar por outro meio de transporte. Sou eu que faço os meus próprios horários, o conforto é muito superior ao de andar de transportes e, acima de tudo, poupo tempo.”

No total, o percurso de Sofia demora cerca de 35 minutos. 

Nova concessão nos transportes da AMP traz melhorias, mas é um processo lento

O novo sistema de transportes públicos vai passar a ter um único operador de transporte coletivo rodoviário por lote. O professor da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, António Babo, especialista em mobilidade, afirma que se está a reformar  um sistema “que estava um bocadinho caduco.” A expectativa é que o sistema, em termos de organização, vá melhorando “e que isso se possa refletir na oferta de transportes”, hoje muito criticada pelos seus utilizadores

Reforça, ainda, que há uma série de benefícios que se podem introduzir por haver uma única operadora”. Um deles é o maior conhecimento da procura por parte da autoridade de transportes da Área Metropolitana do Porto (AMP). “Vai ficar a saber todos os bilhetes que vendem, onde é que se vendem e onde é que as viagens começam. Esse conhecimento da procura vai permitir, gradualmente, melhorar o sistema”, explica o professor.

O concurso público para a concessão de transportes públicos na AMP foi lançado a 24 de janeiro de 2020 e, após mais de dois anos desde o início do processo, continua por concluir.

António Babo lembra que é um progresso “demasiado lento, e do ponto de vista do transporte escolar e universitário, irritantemente lento”. “Se o estudante está três ou quatro anos a frequentar a faculdade e o sistema demora esse tempo a reformar-se, acaba por não servir de nada, porque quando estiver reformado já deixou de satisfazer as necessidades dessa pessoa”, reforça.

Resolução do trânsito: um “paradoxo”?

A resolução do congestionamento na cidade do Porto tem sido prioridade, evidenciada pela construção de novas linhas de metro com passagem na zona central da cidade, algo que, para António Babo, constitui “um paradoxo”.

“As políticas de resolução de desempenho automóvel têm um problema: quando resolvemos um estrangulamento automóvel, passamos um sinal às pessoas a dizer ‘podem vir de carro, que isto já se faz bem’.  Se o trânsito for resolvido, baixa a procura do transporte coletivo e aumenta a procura do automóvel”, explica o professor. 

António Babo considera que a resolução do trânsito numa perspetiva que continue a privilegiar o automóvel é prejudicial para os transportes públicos: “toda a oferta e desempenho de autocarros depende do trânsito. Se atrairmos mais tráfego, o autocarro vai andar pior no futuro”. 

Na opinião do professor, a solução é dar menos espaço aos automóveis próprios. Menos carros é sinónimo de menos trânsito e menos trânsito traduz-se num serviço de transportes públicos mais fiável. “Aumentando a fiabilidade de outras alternativas, as pessoas vão perceber que não têm vantagem em andar de automóvel e optam pelas soluções alternativas”. 

Ciclovias na Área Metropolitana do Porto: falta de “sequência” e “lógica”

O uso de modos suaves (a pé e de bicicleta), à luz dos resultados do inquérito realizado pelo JPN, é ainda minoritário, sobretudo no que toca à bicicleta, usada por apenas 0.9% dos respondentes. O valor está em linha, embora ligeiramente acima, do obtido em 2017 no último Inquérito à Mobilidade conduzido pelo INE para as duas grandes áreas metropolitanas do país. Nesse inquérito, 0.4% afirmou deslocar-se de bicicleta na AMP.

António Babo avisa que a promoção da bicicleta vai ser um processo difícil, porque a infraestrutura que nós temos disponível está obsessivamente projetada para a eficácia automóvel.”

A reduzida oferta de ciclovias na AMP tem sido um dos obstáculos à utilização da bicicleta como meio de transporte. “O que existe são pequenos trechos de ciclovias, feitas um bocadinho avulso dentro das cidades, mas que não têm sequência nem lógica e portanto não formatam nenhuma rede”, considera o docente convidado da FEUP. 

Uso da bicicleta em contexto urbano ainda é residual. Foto: zero take/Unsplash

Babo considera que um eventual aumento e melhoria de ciclovias na AMP teria uma adesão significativa por parte dos jovens. “Do lado da procura, o público-alvo que está mais capacitado e em melhores condições para utilizar as bicicletas são os estudantes, pela sua condição jovem, pelo facto de suportarem maior risco, maior espírito de aventura e maior capacidade física.”

A propósito, o especialista faz referência a duas ciclovias intermunicipais que foram aprovadas no âmbito do projeto Portugal Ciclável 2030. Trata-se de uma ciclovia intermunicipal de oito quilómetros, que vai ligar a Trindade (Porto) ao centro de S. Mamede de Infesta (Matosinhos), que por sua vez vai ao encontro da já existente ciclovia de Leça. A ligação, por ciclovia, da Asprela (Porto) a Baguim do Monte (Rio Tinto, Gondomar), que se estende num total de seis quilómetros, é outra construção já assegurada, com vista a aliviar o trânsito na cidade do Porto.

“Estas ciclovias estão a ser formatadas, focadas nesse tipo de procura. Repare-se que estas duas linhas [Porto-Rio Tinto e Porto-São Mamede de Infesta], ao passarem na Asprela, têm precisamente o foco no Pólo Universitário”, aponta o professor.

A falta de experiência na construção destas infraestruturas e a sua falta de segurança também preocupam o engenheiro civil. “Nós temos um caminho longo a percorrer. Primeiro, porque não há grande experiência no projeto de infraestruturas de ciclovias. Vão-se projetar muitas ciclovias com muitos erros e com muita insegurança, aliás, há para aí muitas amostras que podiam ser apontadas como sendo infraestruturas com problemas de segurança em ciclovias. Há aqui um processo de aprendizagem enorme.”

Com a sustentabilidade cada vez mais em voga, o futuro da mobilidade deverá passar por alternativas amigas do ambiente, como a utilização de bicicletas ou transportes públicos, em detrimento do veículo individual. António Babo acredita que é necessário tomar medidas para que se faça esta transição, mas o prognóstico é de uma mudança lenta. 

Para já, o Porto continua a ser uma cidade projetada para o automóvel e os esforços para providenciar alternativas seguras e práticas a outro tipo de transportes ainda não estão à vista. 

Artigo editado por Filipa Silva e Tiago Serra Cunha

Este artigo integra uma série de conteúdos planeados no âmbito da atividade Editor por um Dia, este ano a cargo da jornalista Mariana Correia Pinto, do jornal “Público”.