Exposição do artista francês, que fica no Museu de Serralves até novembro, vem explorar "como o natural se torna objeto" pelo ser humano. Com recurso a esculturas e instalação, David Douard encontra "poesia e beleza em recantos obscuros dos espaços urbanos e do mundo digital".

Foto: Tiago Serra Cunha/JPN Foto: Tiago Serra Cunha/JPN

O título pode remeter para algo a fazer lembrar uma canção de embalar. Mas quem entra no “fluxo denso e desconcertante” daquela que é a primeira exposição solo de David Douard em Portugal encontra uma lulabie diferente, que tem como objetivo deixar o visitante mais alerta “daquilo que se passa no mundo”, explicou esta quinta-feira (12) o diretor do Museu de Serralves, Philippe Vergne, na inauguração de “O’Ti” Lulabies”, exibição do artista francês que ali se mantém até novembro.

Quando se entra na lulabie, “é um pouco como se o artista tivesse partido” e “expandido a sala como nunca antes tinha sido feito”, refere Vergne. Na “Galeria Contemporânea” do museu, David Douard quis, em vez de puramente repetir o trabalho, fazer “uma continuação” do que apresentou em Paris em 2020, quando estreou esta exposição no “Le Plateau” do Fundo Regional de Arte Contemporânea da Île-de-France, encerrando aqui este ciclo.

O artista de 39 anos, formado pela Escola Nacional de Belas-Artes de Paris em 2011, tem a arte conceptual e a expressividade como pontos nevrálgicos da sua criação. Foi este o motor desta “O’Ti” Lulabies”, que, numa mescla de instalação e escultura, apresenta “momentos de poesia e violência, ao mesmo tempo”

A exposição não segue um trajeto específico, convidando-se o visitante a seguir múltiplas direções, de forma a experienciar distintas exposições de uma “essência”, revelada através de uma “materialidade fluída” entre conteúdos virtuais e outros que são palpáveis e reais. Desta forma, apresenta o “potencial expressivo e metafórico das formas que hibridiza e coloca em movimento”, refere-se na descrição da exposição.

David Douard explica, durante a apresentação, que o que se vê nesta sala fragmentada é um espelho do “que acontece quando somos crianças e estamos a adormecer, o que vem à imaginação [nesse momento] e como transformar este mundo em algo diferente”.

Este período é aquele em que “ouvimos as lulabies, depois no sonho é onde misturamos as coisas. Nos sonhos, podemos misturar coisas. Então, tentei misturar isso: o que acontece na rua, com a tecnologia, transformar [tudo] em algo físico que se pode ver e sentir”, de modo a explorar “como o natural se torna objeto pelo humano e como retorna nessa perspetiva”.

Nas esculturas, elementos da instalação e registos de vídeo e som espalhados pela sala – que Douard retirou propositadamente do centro, espaço ao qual tem uma aversão, atirando estes elementos para outros pontos do espaço – “a memória de dados, tudo o que passa pelos nossos olhos, dedos, cérebros”, que foi “partido e transformado”, vinca Philippe Vergne, também curador da exposição ao lado de Filipa Loureiro.

“Quando se entra no espaço, experiencia-se um lugar onde [existem] poluição, corrupção, espaço urbano, espaço digital, contracultura, grafitti“, elementos que estão “no centro das preocupações de uma geração que se ergueu contra a autoridade”, representando-se assim “estruturas de controlo que foram partidas”, refere o diretor.

O artista representa estes conceitos recorrendo a imagética diversa, tendo nestes presente a “naturalidade” dos fluídos corporais, como a saliva, ou a imagem da língua. Espinhos, outro dos elementos salientados durante a apresentação, remetem para uma “ideia de natureza”, que “corrompe e está corrompida, é persistente e resistente”.

Esta “introspeção” abraça uma “sensação de contracultura”, encontrando “poesia e beleza em recantos obscuros dos espaços urbanos, do mundo digital”, considera Vergne. Toda a mostra acaba por ser “uma forma de resistência e uma forma de poder suave e poético”, de “dar forma a esse poder suave”.

“O’Ti” Lulabies”, que inaugura esta quinta-feira e fica até novembro nesta sala do Museu de Serralves, é uma “alegoria do movimento, de todos os atos de resistência no nosso mundo”, salientou David Douard. “Tentei deixá-lo visível, porque na maior parte do tempo a melhor coisa a fazer é deixá-lo invisível. É esse balanço que procuro”, remata.