Sergii Rudenko, jornalista ucraniano, fala ao JPN da biografia que escreveu sobre Volodymyr Zelensky. No livro, conta a história de como um presidente acusado de nepotismo se tornou o líder da união do povo da Ucrânia.
Quando, em 2020, Sergii Rudenko começou a escrever sobre a ascensão de Volodymyr Zelensky à presidência da Ucrânia, estava longe de saber o simbolismo que esta figura viria a reunir anos depois. Com o estalar da guerra na Ucrânia, “Volodymyr Zelensky – Biografia”, livro escrito pelo jornalista ucraniano e que foi publicado inicialmente em janeiro 2021, chega agora a Portugal em versão alargada com novos capítulos sobre um líder em tempo de guerra.
A biografia do presidente ucraniano foi editada em Portugal na última quarta-feira (11), pela editora Casa das Letras. Este é o primeiro país, fora da Ucrânia, onde o livro é publicado, chegando depois a outros 17 países.
Sergii Rudenko – com uma coluna semanal no “Deutsche Welle”, é editor-chefe da “Espreso TV”, um canal ucraniano, e acompanha a política nacional há 30 anos – diz que começou a pensar em escrever sobre o presidente da Ucrânia logo após a vitória nas eleições, em 2019.
O jornalista apresenta a figura de Volodymyr Zelensky: um ator que representou um presidente e levou o cargo para a vida real; no espaço de três anos, transformou-se num político. Três anos marcados por acusações de nepotismo e por outros alvoroços, sendo que Rudenko marca o que muda entre esse chefe de Estado e aquele que apareceu a partir de 24 de fevereiro, dia da invasão das forças russas.
Em entrevista ao JPN, Sergii Rudenko fala de uma obra que idealizou mal Zelensky subiu ao poder e que acabou de escrever “no meio das sirenes de ataque aéreo e de ataques com mísseis balísticos em Lviv”.
JPN – Enquanto escreveu esta biografia, falou diretamente com Volodymyr Zelensky?
Sergii Rudenko (SR) – Não tive contacto direto com Zelensky. Não sou um biógrafo do sexto presidente da Ucrânia, nem nunca aspirei a sê-lo. Sou jornalista, pelo que o meu livro é uma história sobre Volodymyr e a sua vida. Conto diferentes histórias sobre a sua vida com a participação de diferentes comentadores, para que o próprio leitor possa compreender quem é Zelensky.
As fontes da pesquisa foram as minhas próprias observações como analista político e histórias sobre a sua formação como ator e o passado no Mundo do espetáculo, que testemunhas destas histórias me contaram. O livro também inclui comentários e histórias de ex-associados de Zelensky, assim como de especialistas políticos. Por exemplo, um dos comentadores que em 2015 previu a vitória de Zelensky nas eleições presidenciais.
JPN – Esta foi a primeira biografia que escreveu?
SR – Este é o meu primeiro livro sobre um político. Além disso, fui o autor de livros sobre as equipas dos presidentes Yushchenko, Yanukovych e da primeira-ministra Yulia Tymoshenko. Compilei cerca de trezentos dossiês sobre políticos ucranianos. Na verdade, recolher e sistematizar informações sobre eles era a minha grande ocupação no jornalismo.
JPN – Este livro já vinha a ser pensado antes.
Comecei a pensar num livro sobre Zelensky logo após a eleição presidencial. Foi interessante para mim saber quem ele era, qual foi o seu caminho para a política e as pessoas que fizeram dele presidente. Levei um ano a recolher informações. Em setembro de 2020, o livro foi terminado e, em janeiro de 2021, foi publicado na Ucrânia sob o título “Zelensky Sem Maquilhagem” [“Зеленський без гриму”]. A 24 de fevereiro de 2022, parecia ser o único livro sobre Zelensky no mundo.
JPN – Quando a guerra despoletou, foi capaz de se distanciar emocionalmente do tema do livro?
SR – Quando começou a grande guerra, como jornalista, juntei-me imediatamente à emissão contínua da “Espreso TV”. Eu tenho o meu próprio programa lá. Além disso, também sou o editor-chefe do canal. Com o despoletar da guerra no país, comecei também a completar o meu livro. Naquela altura, recebi uma oferta de colaboração por parte de um agente literário alemão, que sugeriu a publicação do livro no Ocidente. Para ser franco, não foi fácil terminar o livro no meio das sirenes de ataque aéreo e de ataques com mísseis balísticos em Lviv, onde estou a morar agora. Mas finalmente consegui. O livro agora será publicado em 18 países. Agrada-me que a primeira publicação no estrangeiro tenha lugar em Portugal.
JPN – Qual é a principal lição que acredita que todos podem aprender a partir desta biografia?
SR – Cada leitor vai tirar a sua própria conclusão depois de ler o meu livro. Alguém irá admirar a coragem de Zelensky nos primeiros dias da guerra, quando os russos preparavam dez atentados contra ele. Alguém irá admirar a forma de alcançares o teu objetivo, se acreditares nele. E alguém irá admirar a forma como uma pessoa, em três anos de política, pode mudar radicalmente de comportamento e direção. Como um autor discreto, dou aos meus leitores a oportunidade de tirar do livro todas as coisas que eles querem para si.
JPN – Quem é, a seu ver, a pessoa mais influente na carreira política de Zelensky?
SR – Parece-me que a pessoa mais influente na vida de Zelensky foi sempre o seu pai, Oleksandr Zelensky. Na minha opinião, tudo o que Zelensky fez na vida – desde a representação no KVN (Clube dos Engraçados e Perspicazes) até concorrer à presidência – foi uma tentativa de provar ao pai que estava a fazer o que era certo com a sua vida. Isso aconteceu porque o pai, como cientista, pelo que entendo, era cético em relação ao KVN e às aulas de representação de Zelensky. Ele queria que o filho tivesse uma profissão séria. No entanto, apesar de Volodymyr ter estudado na Faculdade de Direito de Kryvyi Rih, nunca esteve destinado a tornar-se advogado.
JPN – A que figura política histórica pode ser associado o presidente ucraniano?
SR – A ninguém. Zelensky é um personagem único. Ele é um homem cuja coragem é admirada pelo mundo inteiro. Se alguém me tivesse dito há um ano que Boris Johnson ou Emmanuel Macron viriam a considerar uma honra chamar Volodymyr de seu amigo, eu nunca teria acreditado. Hoje, Zelensky é o líder mais brilhante do mundo. Ele e os ucranianos provaram que merecem fazer parte do mundo civilizado. O tempo irá passar e ruas e praças terão o nome de Zelensky. Tenho a certeza disso.
JPN – Refere que uma parte do povo ucraniano vê Zelensky como um traidor da nação perante acusações de nepotismo. Com o despoletar da guerra, Zelensky tornou-se um herói para o povo ou é apenas visto como o presidente, com o heroísmo a estar maioritariamente concentrado nos militares?
SR – A maioria dos ucranianos, incluindo os seus adversários, vê agora Zelensky como o líder da nação. Claro que as queixas contra Volodymyr não desapareceram. Mas tudo isso é diferido em prol da vitória da Ucrânia na guerra. Embora seja seguro dizer que Zelensky se abriu de uma nova forma para muitas pessoas, depois de 24 de fevereiro de 2022, o dia em que a grande guerra começou.
JPN – É seguro dizer que a guerra trouxe ao de cima o lado de Volodymyr Zelensky que as pessoas queriam ver desde que este se tornou presidente?
SR – Sim. Assim que a Rússia começou a invasão à Ucrânia, vimos um novo Zelensky. Desesperado, corajoso e focado, pronto para lutar junto ao seu povo até ao fim. É bem possível que tenha sido durante a guerra que o caráter de Zelensky se revelou. Nesta situação, as suas qualidades, impercetíveis numa época relativamente pacífica, tornaram-se aparentes. Em particular, a sua capacidade de unir e liderar todos os ucranianos, ou mais concretamente, para ser um líder da nação ucraniana.
JPN – A carreira de ator de Zelensky tem-se refletido de forma clara na sua carreira política, nomeadamente no debate contra Poroshenko. Esta abordagem foi semelhante de alguma forma àquela que Zelensky tem vindo a ter contra Putin?
SR – Durante quase três anos, testemunhámos Zelensky a tentar habituar-se ao papel de presidente. O seu desejo de que o público goste dele, os aplausos e elogios são aquilo a que está habituado, e eu penso que é por isto que ele sempre ansiou no cargo de presidente. A realidade, contudo, revelou-se outra: como presidente, ele não só foi aplaudido, mas também ouviu gritos de: “Fora Zélia!” No entanto, a representação e a teatralidade de Volodymyr morreram a 24 de fevereiro de 2022, quando os primeiros mísseis balísticos russos caíram em Kiev. Antes disso, Zelensky tinha atuado tanto com Poroshenko como com Putin. Agora, Zelensky transformou-se num verdadeiro político, talvez não um muito diplomático, mas ainda assim um político.
JPN – Começou a escrever sobre a vida de Zelensky a partir do momento em que este decidiu candidatar-se à presidência. Está familiarizado com algum episódio da sua infância que já mostrava este lado destemido do presidente?
SR – A infância de Zelensky não foi diferente daquela que a maioria das crianças soviéticas teve, exceção feita à sua estadia temporária com os pais na Mongólia, onde estavam em viagem de negócios. Evitei deliberadamente o contacto com os professores de Zelensky e com aqueles que o conheciam desde a infância. Eu temia que, depois de Zelensky ter ganho a eleição presidencial, eles fossem tendenciosos na sua avaliação da infância e adolescência de Volodymyr, e eu obteria um Zelensky muito correto e polido.
JPN – Quando o partido “O Servo do Povo” venceu as eleições legislativas, começou rapidamente a passar nova legislação. Sendo o seu líder, é possível considerar Zelensky impaciente? Como pensa que esse traço pode influenciar a sua posição perante a invasão russa, caso leve anos até chegar ao fim?
SR – Sim, isso está certo. No verão de 2019, depois de conquistar a maioria nas eleições parlamentares, o partido “O Servo do Povo” ligou o modo de impressora louca. Zelensky queria fazer mudanças imediatas no Estado. Acredito que ele tentou sinceramente mudar o sistema atual na Ucrânia. Sim, esta impaciência de Zelensky às vezes levava a decisões muito estranhas, mas quem poderia tê-lo impedido nessa altura? Volodymyr tinha e ainda tem poder ilimitado na Ucrânia. Poderia esta impaciência de Zelensky derrotar os russos nesta guerra? É difícil dizer. Zelensky está ansioso por vencer agora e vai em busca dessa vitória, não importa quanto tempo e esforço leve.
JPN – Zelensky é a figura ideal para liderar um país em guerra?
SR – Eu acho que sim. Às vezes pergunto o que teria acontecido com a Ucrânia durante esta guerra se tivesse sido liderada por outra pessoa que não Zelensky. Não descarto que, nesse caso, a Ucrânia teria tido que concordar com algum tipo de acordos de Minsk-3, ou outros acordos com Putin. Além disso, é exatamente o que Zelensky também foi forçado a fazer por Moscovo, mas tal não aconteceu. A luta corajosa e altruísta do povo ucraniano encoraja Zelensky a manter a posição de liderança e a demonstrar que ele, tal como os combatentes na frente, está pronto para ir até ao fim sem qualquer pathos extra. Assim como um verdadeiro líder deve fazer, assim como deve fazer o presidente do país cujo povo está a lutar pelo direito de ser livre e independente.
Artigo editado por Tiago Serra Cunha