Os dois países são oficialmente candidatos à entrada na NATO. O maior obstáculo é a ameaça de veto pela Turquia. Sandra Fernandes, da Universidade do Minho, e Rui Lopes, da FCSH, concordam que não está em causa o perigo iminente de uma invasão russa, mas antes uma resposta a um aumento do sentimento de insegurança perante "um vizinho imprevisível".

Candidatura da Suécia e da Finlândia foi formalizada esta quarta-feira. Foto: Flickr

Foi pouco depois das 8 da manhã desta quarta-feira que Suécia e Finlândia entregaram a Jens Stoltenberg, secretário-geral da NATO, a candidatura formal à aliança do Atlântico Norte. Para Stoltenberg, este é “um passo histórico” e “um bom dia num momento crítico para a nossa segurança”.

O presidente da Finlândia, Sauul Niinistö e a primeira-ministra da Suécia, Magdalena Andersson, visitaram Washington esta quinta-feira para falar com Joe Biden sobre as candidaturas à aliança e sobre a segurança na Europa. Em condições normais, o processo de adesão à NATO leva entre oito meses e um ano para ser concretizado, mas a organização pretende acelerar o processo devido à ameaça que a Rússia constitui para os dois países do Norte da Europa.

Os motivos da adesão 

A invasão da Ucrânia aumentou a preocupação de ambos os países com a respetiva segurança e com o risco de um ataque russo. Nem a Suécia, nem a Finlândia esconderam o objetivo de garantir maior segurança quando declararam o avanço de uma candidatura à NATO. O ataque da Rússia ao território ucraniano aumentou o apoio da opinião pública sueca, assim como o da finlandesa, ao cessar da neutralidade para cerca de 60% e de 75%, respetivamente.

A neutralidade da Suécia tem mais de 200 anos, sendo que a última guerra dos suecos foi frente a Napoleão. Já a neutralidade da Finlândia, como nota Sandra Fernandes, professora de Ciência Política na Universidade do Minho e especialista nas relações União Europeia/Rússia, surgiu no contexto da Guerra Fria. “Na verdade, a Finlândia já questiona a sua integração na NATO desde que acabou a União Soviética”, diz a docente da universidade minhota.

“É perfeitamente enquadrável nos objetivos políticos da Finlândia estar na NATO desde a anexação da Crimeia pela Rússia. De 2014 para a frente, o debate interno na Finlândia sobre a sua possível adesão à NATO é algo de muito presente nos partidos políticos, no Parlamento finlandês”, acrescenta Sandra Fernandes.

Em 2016, o Ministério dos Negócios Estrangeiros da Finlândia emitiu um relatório no qual reconhece que a adesão conjunta com a Suécia à NATO seria mais benigna para os finlandeses, reconhecendo que “no que diz respeito à segurança dos países, o timing é essencial” e que a possibilidade de candidatura é uma ferramenta para lidar com um “vizinho imprevisível”.

Rui Lopes, investigador da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa, também nota que apesar da neutralidade, suecos e finlandeses sempre estiveram mais próximos do ocidente. “Já faziam exercícios conjuntos, tinham protocolos de segurança mútua assegurada”, recorda o investigador da FCSH. Em relação às motivações da candidatura, assinala uma conjuntura interna, nomeadamente das eleições na Suécia marcadas para setembro e dos governos minoritários de ambos os países.

A esta juntam-se motivações com origem externa: “Para além da invasão da Ucrânia, eu diria que tivemos declarações da parte do líder da Rússia que não foram ameaças diretas, mas claramente mostraram que quer a Finlândia, quer a Suécia faziam parte, não necessariamente de uma invasão, mas daquilo que era o pensamento global, da proteção da Rússia de salvaguardar as fronteiras”, diz Rui Lopes.

A reação russa

À medida que as intenções dos dois países do norte da Europa evoluíram, a postura do Kremlin sofreu igualmente alterações. Quando a possibilidade do alinhamento com a NATO foi colocada, a Rússia alertou que a integração não trazia segurança aos dois países e que tornava necessário “restaurar o equilíbrio militar”. Uma das estratégias para este equilíbrio podia passar pela colocação de armas nucleares junto à fronteira da Rússia com a Finlândia, com mais de 1.300 quilómetros de extensão.

Para Rui Lopes, esta é a maior semelhança entre o caso da Finlândia e o da Ucrânia. O professor não acredita, contudo, numa invasão russa da Finlândia, devido à fragilidade militar da Rússia derivada da guerra com os ucranianos. “A resposta militar da Rússia não é expectável, não há motivos para que isso aconteça”, concorda Sandra Fernandes. Ainda assim, há nestes países uma perceção reforçada de ameaça: a de que “a Rússia está disposta a atacar os seus vizinhos”.

Já no mês de maio, o Kremlin foi avançando que a retaliação contra os dois países teria caráter “técnico-militar”, recusando explicitar em que poderia consistir esta resposta. E na última segunda-feira, foi Vladimir Putin quem tornou as ameaças claras, garantindo que vai tolerar a expansão da NATO para os territórios em causa, por não se tratar de uma ameaça direta à segurança da Rússia, a menos que essa expansão implique a instalação de infraestrutruras militares: “A expansão da infraestrutura militar para este território provocaria uma resposta da nossa parte”, disse Vladimir Putin.

Esta sexta-feira, o ministro da Defesa russo, Serguei Shoigu, anunciou que serão formadas 12 bases militares junto à fronteira ocidental (com a Finlândia) até ao final do ano. “Os nossos vizinhos mais próximos, a Finlândia e a Suécia, solicitaram a adesão à NATO. Portanto, a tensão continua a crescer na área de responsabilidade da região militar ocidental”, diz o ministro.

O veto da Turquia

Para que um ou mais países integrem a NATO, o pedido de adesão tem de ser aprovado de forma unânime por todos os membros da organização. Neste momento, a NATO tem 30 membros, um dos quais anunciou já que pretende vetar as candidaturas da Suécia e da Finlândia.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, deixou claro que o seu país não vai aprovar a expansão da NATO, alegando que a Suécia e a Finlândia terão servido de abrigo para terroristas. Em causa está uma ligação dos dois países, mas em particular da Suécia, ao acolhimento de refugiados políticos com ligações ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), uma organização que a Turquia considera terrorista, e de Fethullah Gulen, teólogo que Erdogan considera responsável pela tentativa de golpe de Estado em 2016. 

Esta quarta-feira, Erdogan deixou um ultimato: a Suécia não deve esperar que a Turquia aceite a expansão do NATO a não ser que os “terroristas” sejam devolvidos. O presidente turco frisou ainda que não vale a pena enviar delegações com vista a convencê-lo. Erdogan acusou a aliança defensiva de nunca ter apoiado o combate da Turquia contra as milícias curdas.

Turquia e União Europeia consideram o PKK um movimento terrorista (Imagem: Flickr)

“Então não nos devolvem terroristas, mas pedem-nos a adesão à NATO? A NATO é uma entidade para a segurança, uma organização para a segurança. Portanto, não podemos dizer ‘sim’ à privação da segurança nesta organização de segurança”, disse o presidente da Turquia.

Na quarta-feira a Turquia terá mesmo bloqueado uma votação da NATO para o começo imediato das conversações com vista a permitir a rápida adesão de Suécia e Finlândia à organização. Uma reunião dos turcos com representantes dos países que aspiram à entrada na aliança estará agendada para este sábado.

Rui Lopes pegou no veto turco para argumentar que a adesão à NATO poderá ter um preço de conduta para a Suécia e aa Finlândia. De acordo com o investigador, a integração na Aliança colocará em causa a “postura bastante crítica das opções políticas do Ocidente” por suecos e finlandeses. Rui Lopes vai ao passado par dar o exemplo do contraste entre a reação mais “circunscrita” da NATO em relação ao colonialismo português com o apoio forte da Suécia e da Finlândia aos movimentos libertários das colónias.

O investigador do Instituto de História Contemporânea olha, assim, para a exigência turca como um fator que coloca em causa, logo à entrada na aliança, a “identidade de defesa dos direitos humanos, de democracia, de autodeterminação” que foi criada pelos dois países no contexto de neutralidade.

Artigo editado por Filipa Silva