Um grupo de investigadoras da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP) está a propor a criação de Unidades de Cuidados na Maternidade no país. Em causa, está a necessidade, que consideram existir, de prestar serviços mais pessoais e atentos às necessidades específicas de cada mulher grávida, com acompanhamento de profissionais especializados.

Ana Paula Prata é professora e investigadora da ESEP e uma das caras desta iniciativa. Em conversa com o JPN, explica que o objetivo é criar espaços que tenham como filosofia “prestar cuidados a mulheres saudáveis durante todo o ciclo reprodutivo” – o que inclui a gravidez, o parto e o pós-parto -, adaptando estas unidades àquilo que a grávida, ou o casal, precisa e deseja.

A docente defende que, atualmente, “mesmo quando a mulher tem um parto vaginal, sem instrumentação, a forma como olhamos para ela é sempre de um ponto de vista mais biomédico”. E acrescenta: “Parece que estamos sempre à procura de um fator de risco qualquer”. Nas Unidades de Cuidados na Maternidade (UCM), a ideia é cuidar também das mulheres com gestações sem complicações, entregando a gestão e acompanhamento a enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica, o que permite uma visão “mais integrativa”.

Na ótica da investigadora, estamos a viver o “momento certo” para implementar este tipo de cuidados. “Temos cada vez mais mulheres que nos dizem ‘eu não quero isto’; ou que estão muito insatisfeitas com os cuidados e dizem que querem mais”, afirma. Refere ainda que há “casos de violência obstétrica cada vez mais recorrentes na nossa sociedade”, o que revela uma “consciencialização de que alguma coisa não está a ser bem feita”.

Reforçando esta constatação, um estudo da revista médica Lancet Regional Health – Europe, publicado este ano, trouxe informações sobre mulheres que foram mães entre 2020 e 2021 e sofreram experiências violentas. Neste campo, Portugal revela percentagens acima da média dos países europeus analisados no que toca a práticas como episiotomia (corte dos tecidos vaginais) e “manobra de Kristeller” (técnica onde se aplica pressão externa durante o parto).

Perante este tipo de dados, a especialista sente um movimento crescente a emergir para defender a causa. “Começaram a aparecer associações para mulheres como a Associação para os Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto, as Mães D’Água e outras ativistas que estão a lutar para que haja uma grande mudança neste tipo de cuidados”, diz.

A doutorada em enfermagem acredita que, em Portugal, “estamos quase numa pré-história no que toca a cuidados da mulher, mais respeitosos da sua fisiologia” e que “só as pessoas com capacidade de pagar é que têm direito de escolha”. “Quando uma mulher engravida, vai ao médico de família e é vista. Depois, se for detetado algum fator de risco, ela é encaminhada para um médico obstetra no hospital. Mas mesmo quando não há nenhum risco, estas mulheres não se sentem confortáveis só por serem vistas pelo médico de família, porque não lhes reconhecem competências. Então, a maioria, pelos motivos que referi, é vista também por um médico obstetra no privado”, explica.

Mas o problema não está apenas no acesso ao acompanhamento mais contínuo – está também na soma de recursos que são gastos. “[Neste cenário] temos uma única mulher a ser observada por médico de família, enfermeiro de família, médico obstetra do hospital público, enfermeira obstetra do hospital público, médico obstetra do hospital privado (e provavelmente a respetiva enfermeira) e ainda temos as unidades de cuidados na comunidade, oferecidas pelas enfermeiras obstetras no sistema público, com cuidados de preparação para o parto, para a parentalidade e pós-parto. Ou seja, cerca de sete profissionais de saúde”, constata.

Ana Paula Prata refere ainda que, por causa da falta de oferta nos hospitais, algumas mulheres procuram outras opções pelo país, “mais centradas nelas”, o que obriga a deslocações e estadias. “Isso não está bem, sobretudo quando temos no país uma filosofia de Serviço Nacional de Saúde”, remata.

No que toca à implementação, as UCM podem ser criadas tanto em contexto hospitalar, adjacentes à unidade obstétrica, por exemplo, como fora desse meio (extra-hospitalares). Contudo, independentemente da sua localização, devem obedecer a um conjunto de normas específicas que se encontram compiladas num documento desenvolvido pela Midwifery Unit Network. Depois de traduzido para português pelas investigadoras, o livro de normas serviu também como base para a iniciativa.

Aos olhos da especialista, a população portuguesa “tem pouca literacia em saúde e em obstetrícia”, o que leva as pessoas a assumir que todos os sistemas e processos recaem inteiramente nos profissionais de saúde. No contexto da sua tese, Ana Paula Prata tomou conhecimento de uma realidade onde que as mulheres “não têm sequer noção de que podem decidir”. “Elas diziam coisas como: ‘Eu posso dizer o que quero para o meu parto? Não, vocês [profissionais de saúde] é que fazem tudo’”, conta, realçando que, neste momento da vida, o poder de escolha é um fator essencial.

A  iniciativa que propõe a criação de Unidades de Cuidados na Maternidade está a ser divulgada em conferências e nas redes sociais, contando já com o apoio de entidades como a Midwifery Unit Network, a Associação Portuguesa de Enfermeiros Obstetras e a Associação para os Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto. No entanto, querem fazer-se ouvir na Assembleia da República, tendo já criado uma proposta de projeto-lei que inclui “estudos de avaliação económica e científica” para mostrar a sua viabilidade. “Queremos iniciar um projeto-piloto e para o fazer precisamos de legislação de apoio, daí ser preciso ir à Assembleia da República”, explica. Avança também ao JPN que já trataram de contactar instituições e que essas, “caso seja possível, estão disponíveis para implementar o projeto”.

“Parir” com confiança para assegurar que a sociedade “prospera”

Segundo a especialista, nos últimos anos tem-se sentido uma “mudança brutal de comportamentos”, uma vez que as mulheres começaram a assumir o que querem. No entanto, refere que Portugal está atrasado na resposta às futuras mães, salientando que “estas Unidades de Cuidados na Maternidade já existem na europa toda”. Mas esta opinião não é apenas sua. “Temos grandes organizações como a Organização Mundial de Saúde (OMS) que confirmam que os cuidados na maternidade são seguros, mas que as mulheres precisam de mais“, acrescenta.

“Há uma frase muito engraçada que diz: metade do mundo são mulheres e a outra metade são os filhos delas”, diz Ana Paula Prata. Como tal, acredita que “para as sociedades prosperarem”, é necessário criar condições para as mulheres experienciarem a gravidez e o parto de forma segura e confiável.  E conclui: “Uma mulher que consegue parir e sentir que essa experiência foi positiva – seja pelas vias que for – vai sentir-se confiante, sentir capacidade para mudar o mundo”.

Artigo editado por Filipa Silva