Num espetáculo absolutamente ‘punk’ na sua essência, as Pussy Riot cumpriram o que tinham prometido: contar “a verdade sobre a Rússia”, relatada por quem viveu na pele o regime “opressor” de Vladimir Putin. “A liberdade apenas existe se lutarmos por ela todos os dias”, sublinhou a banda.

Foi na Casa da Música, mais concretamente na sala Suggia, que o grupo ativista Pussy Riot proporcionou aos fãs um autêntico manifesto antissistema em forma de concerto. A performance desta quarta-feira (8), dividida em sete atos, partiu de um spoken word’ cru e agressivo, baseado no livro “Riot Days” de Maria ‘Masha’ Alekhina, líder do grupo.

Antes do início do espetáculo, Alexander Cheparukhin, produtor da tour europeia do conjunto, subiu ao palco para explicar o que nos viria a ser apresentado: não se tratava bem de um  concerto, mas sim de uma história que urgia ser contada. Através do apoio visual de um vídeo, com legendas portuguesas, e do minimal acompanhamento musical, que variava entre elementos de vários tipos de música eletrónica, jazz e rock, iria ser contada a história do grupo ativista e de um sistema que fez e continua a fazer de tudo para o reprimir.

“Comportem-se o mais ‘punk’ possível”, disse Cheparukhin nas últimas palavras dirigidas ao público antes das ativistas assumirem o palco.

O “manifesto”

A entrada das Pussy Riot em palco gerou uma apoteose que levou muitos dos fãs a invadirem as primeiras filas para viverem mais de perto as emoções do acontecimento. A sala, bastante composta, apesar de não estar completamente cheia, foi-se tornando sufocante perante o mundo para o qual a banda nos transferiu, numa experiência cinematográfica, a partir da qual foram relatadas experiências dos gulags, dos tribunais russos e de toda a fuga desenfreada do grupo às autoridades locais. As vozes, intencionalmente descoordenadas e desafinadas, remeteram-nos também para todo esse universo caótico.

Um dos momentos mais marcantes da atuação foram os relatos do episódio vivenciado por Alekhina na Capela de Cristo Salvador, em 2012, que tornou o nome Pussy Riot mundialmente conhecido. O caráter biográfico das situações apresentadas, entre críticas ferozes a Vladimir Putin, à igreja ortodoxa russa e ao sistema de valores que o coletivo considera que é vigente no país, foi acentuado pela emoção das artistas enquanto dançavam de forma irregular pelo palco, que parecia simbolizar a liberdade que tanto procuram e a recusa das normas socialmente impostas.

No fim do espetáculo, não foi esquecida a situação da Ucrânia, que mereceu assim a sua nota de destaque no espetáculo. Aliás, como já havia sido referido pelas russas, na conferência de imprensa anterior ao concerto, existe “uma ligação direta entre o que está a acontecer dentro da Rússia e na Ucrânia”. Nesta perspetiva, perceber os fenómenos políticos no interior da Rússia é uma boa forma de entender como o país se relaciona o exterior e o que está na origem da invasão militar.

Todas as receitas de bilheteira, assim como da venda de merchandising, disponibilizado aos espectadores no fim do espetáculo, serão doadas para a construção de um hospital pediátrico em Kiev, cidade ucraniana que foi atingida pelas ofensivas russas.

As reações ao espetáculo

Ao fim de uma hora de concerto, a longa ovação de pé por parte do público demonstrou o apreço pela atuação que tinham acabado de presenciar. Em conversa com o JPN, Bruno Miranda e Eva Oliveira, fãs da banda, disseram ter-se tratado de um espetáculo “incrível”, apesar de inesperado pela sua conceptualidade.

Muito público na Casa da Música para assistir ao concerto. Foto: Lara Castro

“Estava a espera que tocassem as músicas que estão no Spotify e não um espetáculo tão temático. Não estávamos preparados, mas adorámos”, disse Bruno Miranda.

Os dois jovens revelaram que tiveram o primeiro contacto com a banda no Festival Paredes de Coura, em 2018, e que, desde então, tornaram-se admiradores do coletivo feminista russo.

“Foram os 10 euros mais bem gastos da minha vida”, garantiu Eva Oliveira.

Num espetáculo extremamente interventivo, as Pussy Riot foram mais uma prova de que a música pode ser o veículo para um propósito maior: essa mesma intervenção e a busca pela liberdade. Como forma de arte, a música pode fazer valer-se por si própria e não ter de necessariamente carregar esse fardo. Porém, partindo desse princípio, num universo musical mainstream onde a mensagem é muitas vezes deixada de parte, é refrescante quando esta existe. Goste-se ou não do grupo, ela está lá, apresentada da forma mais explícita possível.

As Pussy Riot vão atuar esta quinta-feira (9) no Capitólio, em Lisboa, no segundo e último concerto da banda em Portugal, no que diz respeito à digressão europeia da banda, “Riot Days”.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha