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“Centenas de crianças não deveriam ser mantidas em locais de detenção ao lado de adultos”. Mas são
“Nenhum ser humano deveria viver nessas condições”. Crescer no meio de “um grande deserto cheio tendas”
As crianças descendentes de portugueses nos campos de refugiados sírios
A “guerra” travada para conseguir fazer chegar ajuda
Chamam-lhes a “próxima geração de terroristas” que a ninguém pertence
O “pesadelo” que não acaba: o testemunho de quem cresceu num “filme de ação”

Os números oficiais de crianças portuguesas detidas nos campos de refugiados sírios não são conhecidos. O JPN contactou o Ministério dos Negócios Estrangeiros, que não forneceu qualquer informação. Nuno Tiago Pinto, autor do estudo “Inside the Foreign Fighter Pipeline to Syria: A Case Study of a Portuguese Islamic State Network”, com quem o JPN falou, aponta para 14. 14 crianças com ascendência portuguesa que permanecem nos campos de refugiados da Síria. Eram 20, há dois anos, mas seis delas foram repatriadas com as mães para diferentes países na Europa.

Apenas uma das crianças tem mãe lusodescendente – Ângela Barreto. Estava na Síria, desde 2014, mas regressou à Holanda para ser julgada por integrar o Estado Islâmico (EI). A 18 de fevereiro de 2022, o Tribunal de Roterdão revelou a sentença de quatro anos e meio de prisão.

A ligação de portugueses ao EI começou há cerca de oito anos, quando um grupo de amigos de infância abandonou Portugal rumo ao Reino Unido. Anos mais tarde, depois de se cruzarem em Londres com Nero Saraiva e Fábio Poças, o grupo começou a converter-se ao Islão. 

Saraiva foi o primeiro cidadão nacional a pisar o território sírio para atuar como membro do Estado Islâmico. Sadjo Turé, Edgar Costa e Celso Costa chegaram também à Síria em abril de 2012, e, nos dois anos seguintes, juntaram-se Fábio Poças e Sandro Marques. Rómulo Costa, irmão de Edgar e Celso, e Cassimo Turé, irmão de Sadjo, permaneceram em Inglaterra, mas mantiveram contacto com os amigos, familiares e com o Estado Islâmico. 

Mas o conjunto de portugueses que viajou para território sírio não se resume aos oito amigos. Ângela Barreto foi para a Síria, onde acabou por casar com Fábio Poças, em agosto de 2014, com quem já falava há algum tempo pela Internet. Vânia Cherif rumou ao mesmo destino com o marido franco-tunisino, Malik Sherif, e com o filho de poucos meses, que entretanto já tem uma irmã. Ainda Catarina Almeida, que revelou, em entrevista à SIC, ter ido para a Síria para tentar salvar o filho mais velho, e, por fim, Isabel Barnoui.

O que aconteceu aos portugueses que se juntaram ao Estado Islâmico?

Os cidadãos portugueses foram acusados por procuradores de Lisboa de crimes ligados ao terrorismo. Ainda assim, seis deles não poderão ser julgados, porque se suspeita que tenham sido assassinados nos últimos anos – é o caso de Edgar e Celso, de acordo com as informações transmitidas por entidades internacionais às autoridades portuguesas. 

Após a notícia das mortes, rapidamente a família dos irmãos Costa mostrou preocupação para repatriar as esposas e filhos, que foram detidos pelas Forças Democráticas Sírias e levados para os campos de Roj e Ain Issa (entretanto desativado), refere, no estudo, Nuno Tiago Pinto.

Já Rómulo, acusado de crimes de apoio a organizações terroristas associadas ao Estado Islâmico, foi condenado, a 15 de dezembro de 2020, a uma pena de prisão efetiva de nove anos. O Tribunal Criminal de Lisboa sentenciou também que Cassimo Turé terá de cumprir uma pena de oito anos e seis meses pelos mesmos crimes. 

Um familiar de Fábio Poças disse a Nuno Tiago Pinto que o ‘jihadista’ morreu, antes de conseguir atravessar o rio Eufrates. As autoridades de inteligência acreditam que Sadjo Turé e Sandro Marques também foram mortos. 

Já Nero Saraiva, que terá revelado ter cinco ex-esposas e dez filhos, foi levado para o Iraque depois de ter sido detido pelas Forças Democráticas Sírias, o ‘jihadista’ pediu às autoridades portuguesas para ser repatriado através da Cruz Vermelha Internacional. A revista “Sábado”, noticiou, a 23 de junho, que o gabinete da Procuradoria-Geral da República estaria a preparar a extradição de Nero. Uma decisão que vai contra aquilo que tem sido a política do governo português. Foi, de igual modo, revelado, de acordo com a investigação da revista, que, durante dois anos, o Ministério dos Negócios Estrangeiros terá omitido informação à Procuradoria-Geral da República sobre a detenção de Nero Saraiva no Iraque, e terá cedido dados incorretos à embaixada iraquiana em Lisboa. 

A luso-holandesa Ângela Barreto, que foi condenada a quatro anos e meio de prisão pelo Tribunal de Roterdão, casou-se com o jihadista português, Fábio Poças, e integrou o Estado Islâmico em 2014. No início de 2021, foi repatriada para os Países Baixos, onde esteve detida na prisão de Zwolle, único estabelecimento no país que recebe mulheres suspeitas de terrorismo. 

Vânia Chérif, Catarina Almeida e Isabel Barnoui estavam detidas nos campos de Roj e Ain Issa, em 2019. Nuno Tiago Pinto acrescentou que, ao contrário de Ângela Barreto, as outras mulheres “continuam lá. Tanto quanto se sabe, continuam lá”.

Importa referir que, tendo em conta, os diferentes casamentos dos portugueses, podem existir sete mães com filhos que têm ascendência portuguesa. Todas estas mulheres já mostraram vontade em regressar à Europa, mas em alguns casos essa situação pode ser mais difícil, visto que, quando têm dupla nacionalidade, um dos estados pode retirar-lhe a cidadania.

E as crianças?

As crianças são filhas de pais portugueses, mas elas já nasceram lá. Como nasceram lá, não há um registo, é preciso fazer prova da sua paternidade, testes de ADN, sendo que, por sua vez, os pais podem ser portugueses, mas as mães podem ser filipinas, paquistanesas, o que for. Elas vão para onde? Vão para casa, vão para outro país? Como se prova que o pai é aquele?”, expõe Nuno Tiago Pinto.

De acordo com o autor do estudo, e também diretor-executivo da revista “Sábado”, pelo menos seis crianças de ascendência portuguesa foram repatriadas com as mães para diferentes países na Europa: uma regressou à Holanda juntamente com a mãe, Ângela Barreto, quatro viajaram para a Finlândia e, por fim, outra voltou para a Alemanha com a progenitora, que possuía dupla nacionalidade (espanhola e alemã). 

Das quatro crianças que rumaram à Finlândia, três resultaram do casamento entre Nero Saraiva e uma ex-enfermeira finlandesa. Já Fábio Poças teve dois filhos com Ângela Barreto, um menino e uma menina, que acabaria por morrer depois de um bombardeamento lhe ter causado ferimentos na cabeça. O menino está com a mãe na Holanda. Antes, o ‘jihadista’ havia tido outra filha, juntamente com Ruzina Khanam, a sua primeira mulher, não sendo conhecido o seu paradeiro.

Já em Portugal, nasceu o primeiro filho de Edgar Costa, fruto da relação com Fatuma Majengo. Sabe-se que Celso Costa e Sadjo Turé também tiveram filhos, no entanto, não é conhecida informação adicional sobre estas crianças.

Artigo editado por Tiago Serra Cunha e Filipa Silva