Após quatro anos de obras, o Mercado do Bolhão volta a abrir portas à cidade do Porto. Numa manhã marcada pelo tão ansiado regresso a casa, comerciantes e clientes uniram-se para celebrar a reabertura do mítico mercado.
A manhã está cinzenta e a chuva não dá tréguas na cidade do Porto. Na Rua de Fernandes Tomás, ouvem-se os carros, as pessoas e os guarda-chuvas a abrir. Apesar do mau tempo, há rostos de entusiasmo ao virar de cada esquina.
São 8h00 da manhã de quinta-feira (15). Glória Silva veio de Gaia e, assim como outros clientes, fez questão de marcar presença na reabertura do Mercado do Bolhão. Tem 70 anos, 23 deles passados a trabalhar na Rua de Santa Catarina. Sempre que podia, era no Bolhão onde “gostava de passar o tempo”. “Isto dá-nos vida, ajuda-nos a viver”, declara a cliente emocionada ao JPN.
Nos últimos quatro anos, esta manhã histórica fez parte das orações de Glória. “Eu não queria era morrer sem ver o Bolhão, mas Deus prometeu-me e eu vim à inauguração”, afirma. Hoje, sente que “valeu a pena esperar” e que esta continua a ser a sua “casa”.
Desde 2018 que clientes e comerciantes idealizavam este dia. A espera chega, agora, ao fim. As portas do Mercado do Bolhão reabrem-se. O toque do sino ecoa nas ruas da cidade e a alma do Porto está de volta.
A emoção e a saudade no regresso a “casa”
Entre sorrisos, lágrimas e aplausos, os comerciantes regressam às bancas. A emoção e a nostalgia preenchem o átrio do Bolhão na hora do retorno a casa. Os clientes vão chegando aos corredores e a azáfama cresce no mercado.
Na “Salsicharia Lindinha” está Maria Olinda Remísio, pronta para receber a clientela. A comerciante de 68 anos lembra-se do Bolhão desde os cinco, quando ia com a mãe para o trabalho. Já conta 49 anos no mítico mercado do Porto e, por isso, não esconde a emoção deste dia: “Estou muito feliz e contente, porque voltei ao mercado onde fui criada.”
Embora com um espaço renovado, para Maria Olinda, o Bolhão é “sempre o mesmo”. “Isto aqui é bom. O mercado foi sempre bom”, afirma, relembrando os tempos passados. A comerciante acredita que o espaço está “bonito” e que “melhorou muito”, sem perder a sua essência.
Agora na nova banca, a vendedora confessa que “há coisas que têm de ter uns ajustes”. Devido à chuva, quando chegou, “tinha tudo molhado na banca”. No entanto, a esperança fala mais alto e mantém viva a alegria com que recebe os seus clientes: “Temos de continuar, isto vai melhorar se Deus quiser.”
Os elogios ouvem-se em todas as bancas. “Remodelado” e “totalmente diferente”, é assim que Tereza caracteriza o novo mercado. Para a florista, “é ótimo” o facto de não ter ar condicionado, visto que no Mercado Temporário “aquilo só dava cabo das flores”.
O “frio”, o “calor” e as “camadas de neve” fazem parte dos 38 anos no Bolhão que Tereza já conta. Mas, como diz o ditado, “faça chuva ou faça sol”, o mercado não para e os comerciantes também não. O amor ao ofício não olha às adversidades: “É por isso que temos a pele durinha”, descreve Tereza. “É a nossa casa, é o que nos faz melhor”, conclui a florista.
Um mercado de todos e para todos
Ao longo da manhã, partilham-se abraços e gargalhadas nas conversas entre bancas. O ambiente é de festa nas cinco ruas que estruturam o mercado. Para alguns comerciantes é dia de estreia no Bolhão.
Ahara Miranda, natural do México, tem 30 anos e chegou ao Porto há pouco mais de três. Decidiu concorrer a uma banca com o objetivo de criar o seu próprio negócio e de poder seguir as pisadas da família. A jovem comerciante não conhecia o antigo mercado, mas está entusiasmada com a nova experiência: “Estou curiosa, porque é a primeira vez que estou no Bolhão”.
“Verde Viva” é onde Ahara vende, agora, os seus produtos. A comerciante promete revitalizar o mercado, com produtos diferentes, tais como saladas prontas a comer, pratos de legumes e refeições saudáveis. É com estas novidades que ambiciona, dia após dia, cativar o público mais jovem.
Quem também faz parte do lote de novos comerciantes é Marta Aguiar. Na sua banca “O Sítio dos Cogumelos” vende – tal como o nome indica – cogumelos, mas, também, algas. Para o futuro, “as expectativas são altas” e “toda a gente acredita que vai ser um sucesso”, já que “o Bolhão é um ícone do Porto.”, explica Marta.
Tal como os comerciantes, os clientes habituais do Bolhão aguardavam, com especial inquietação, pela reabertura. Antonieta Silva, de 33 anos, esperava “há muito tempo” pelo regresso às compras “aqui ao original” mercado.
A cliente realça “as opções a granel” como as “novidades” de produtos do novo Bolhão, algo que diz gostar “bastante”. No entanto, acrescenta que há “um pouco de tudo para todos”, dando o exemplo das ofertas mais direcionadas para os turistas – como as compras de artesanato, as toalhas típicas ou os galos de Barcelos.
A beleza do edifício, a variedade de produtos e de bancas atrai não só os portuenses, como todos aqueles que passam pela cidade. As declarações do presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP), Rui Moreira, a quem coube a reabertura simbólica do espaço, vão nesse sentido: “O Mercado do Bolhão é para toda a gente, para quem nos visita, para quem vem de fora e também para os nossos.”
“Há vinte anos era uma maravilha”
Quem vive do comércio acompanha de perto as mudanças do setor ao longo dos anos e sente na pele as implicações que isso traz.
É o caso de Cecília Barbosa – mais conhecida como “a Russa”. Os muitos anos de trabalho fazem a comerciante de legumes concluir que “há vinte anos era uma maravilha”, mas “agora há muita concorrência.” Cecília revela, ainda, que não ganha muito com os turistas: “é só uns tomates, um pé de alface, uns pepinos. Eles não fazem sopa como nós”, acrescenta.
Não foi só a concorrência que aumentou, os preços também subiram. A dona Alice, peixeira no Bolhão há 56 anos, refere ter sentido esse impacto nas vendas, mas acredita num futuro melhor. “É preciso vir mais freguesia. O peixe agora está muito caro, mas espero que, dia a dia, melhore um bocadinho”, diz a comerciante.
No entanto, é o sentimento de voltar a casa que aquece o coração de Alice. Sentada na sua banca, com um sorriso terno, afirma: “Toda a vida fui feliz no Mercado do Bolhão”.
Com origens que remontam ao século XIX, o Mercado do Bolhão tinha identificadas desde a década de 80 debilidades infraestruturais que necessitavam de correção profunda por razões de segurança e salubridade. Vários autarcas prometeram encontrar uma solução para o problema, mas só em 2018, já no segundo mandato de Rui Moreira à frente da CMP, arrancou a obra, acompanhada da promessa de manter a traça original e a vocação de sempre: ser um mercado de frescos.
A obra tinha a previsão de dois anos, mas demorou o dobro do tempo, por causa da pandemia e não só. Os comerciantes ficaram instalados no Mercado Temporário do Bolhão, no Centro Comercial La Vie, que encerrou definitivamente as portas no dia 10 de setembro.
Setenta e nove comerciantes regressaram à antiga casa – onde os vendedores chegaram a ser mais de 400. Além das tradicionais bancas de frutas e legumes, de flores, de peixe e de carne, haverá também espaço para o comércio de artesanato e alguns estabelecimentos de cafetaria, entre outros. Os espaços de restauração estão ainda por abrir, o que deverá acontecer até ao final deste ano.
O agora renovado Bolhão resulta de um projeto da autoria do arquiteto Nuno Valentim e inclui algumas novidades, sendo as principais uma cave logística de apoio aos comerciantes, uma ligação direta à estação de Metro do Bolhão, uma cozinha equipada para acolher showcookings numa zona do primeiro piso e um passadiço que permite circular diretamente entre as ruas Alexandre Braga e Sá da Bandeira. O investimento foi de 50 milhões de euros, cerca do dobro do inicialmente previsto.
O mercado abre todos os dias, de segunda a sábado, às 08h00. Aos dias da semana, fecha às 20h00, e aos sábado às 16h00.
Artigo editado por Filipa Silva