Denúncia anónima tornou públicos documentos que terão sido enviados ao Tribunal de Contas, Inspeção-Geral das Finanças, ao Ministério Público e à Polícia Judiciária em 2021. Em causa estão alegadas irregularidades ao nível dos contratos públicos e do Estatuto do Mecenato.
A Fundação Casa da Música está a ser acusada, através de uma denúncia anónima, de beneficiar ilegalmente empresas privadas representadas no Conselho de Administração e no Conselho de Fundadores da instituição.
Em causa, estão alegados incumprimentos legais no que toca ao Estatuto do Mecenato e ao Código dos Contratos Públicos. A Casa da Música é acusada de beneficiar determinados mecenas em detrimento de outros com aumento de publicidade e visibilidade.
As acusações foram publicamente divulgadas, esta quinta-feira (20), através de um site criado para o efeito, sob o mote “Casa da Música: uma rapsódia sem dó”. O teor das acusações terá seguido para o Tribunal de Contas (TdC), a Inspeção-Geral de Finanças, o Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária (PJ), em julho e agosto do ano passado. Segundo avançou o “Público”, as investigações por parte do MP e do TdC estão em curso.
Ao jornal, a Casa da Música diz não ter sido contactada pelo MP, mas admite que foi questionada pelo TdC, entidade a que terá prestado esclarecimentos que “demonstram a improcedência das acusações”, aguardando “com serenidade” a decisão do tribunal. O JPN tentou, sem sucesso, obter esclarecimentos adicionais junto da instituição.
Ao longo de sete páginas – cinco “fugas” e dois “episódios”-, são detalhadas alegadas irregularidades, com suporte em faturas, relatórios de atividades e contas e legislação. Cada uma das “fugas” expõe um caso particular de irregularidades que terão, alegadamente, levado ao favorecimento de determinados mecenas da Fundação.
“Escalonamento de mecenas”
De acordo com a denúncia, a Fundação Casa da Música terá oferecido maior visibilidade e publicidade a mecenas que contribuíram com mais dinheiro para a instituição. Será o caso do Banco BPI e da Fundação La Caixa, visados pela denúncia.
No Plano de Actividades e Orçamento de 2018, a Fundação Casa da Música assume “dar visibilidade aos vários mecenas, mas escaloná-los de acordo com os níveis de apoio que concedem à Casa da Música“. Para os denunciantes, esta diferenciação é ilegal, baseando-se num excerto da Circular 2/2004, de 20 de Janeiro da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas.
Além disso, os autores do site alegam que em 2020 a Fundação La Caixa não contribuiu com o apoio mecenático assumido para o ano. A ausência de contribuição não se repercutiu, porém, na diminuição de visibilidade ou destaque desta Fundação como “mecenas principal”.
Ao jornal “Público”, tanto a Fundação Casa da Música como o BPI confirmaram que as duas entidades mantêm dois tipos de contratos: um de mecenato e outro de patrocínio. A Fundação acrescentou ainda que, apesar da denúncia tratar “indistintamente” os dois tipos de relação, a legislação aplicada a cada um será diferente.
As violações do Código dos Contratos Públicos
Também a relação da Casa da Música com a empresa de arranjos florais Casa Florida é visada. Além dos custos elevados dos arranjos florais – que chegaram a atingir 14.000 euros para um concerto – e o facto de a Casa da Música não ter publicado no portal Base ajustes diretos acima dos 5.000 euros (algo que a que estaria obrigada pela legislação de contratação pública), é ainda colocado sobre suspeita o facto de a dona da florista ser casada com Fernando da Cunha Guedes, presidente da Sogrape Vinhos (fundadora e mecenas da Casa da Música). Cunha Guedes é gerente da Casa Florida desde 2015 e atual vice-presidente do Conselho de Fundadores da Casa da Música.
Os valores de despesa da Fundação com a florista entre 2009 e 2020 estão listados ao longo da página e sublinha-se que, além da Casa da Música gastar mais dinheiro na Casa Florida a partir do ano em que a Sogrape obteve o estatuto de mecenas, os custos com os arranjos florais são superiores à receita obtida através do mecenato da Sogrape. Segundo a denúncia, alegadamente para evitar a comunicação ao portal Base dos gastos em flores, as despesas superiores a 5.000 euros foram divididas em mais faturas, algo que vai contra o Código dos Contratos Públicos.
A escolha da Allianz como seguradora da Casa Música sem concurso público, depois de se tornar mecenas da Casa da Música em 2015, também é questionada. Ressalva-se, ainda, o facto de José Pena do Amaral, presidente do Conselho de Administração da Casa da Música, ser também membro da comissão executiva do BPI e do Conselho de Administração da Allianz.
Na lista de empresas envolvidas na denúncia está também a Sonae. A Casa da Música terá optado pelo Solinca Porto Palácio Hotel para alojamento preferencial de artistas, sem concurso aberto a outros hotéis. A abertura do concurso é exigida sempre que a despesa exceda os 75.000 euros (no caso, a despesa é de 100.000 euros por ano, referem os denunciantes).
Convencidos que haverá outros casos de alegadas irregularidades nesta e noutras fundações (da área da Cultura e outras), os autores do site disponibilizam no menu superior um canal de partilha de informação.
Artigo editado por Filipa Silva