Numa conversa de quase duas horas, os artistas abordaram o processo criativo, os obstáculos à criação artística e responderam às questões de quem encheu a sala para os ouvir.

Com sete trabalhos publicados em conjunto e depois do grande sucesso de “Balada para Sophie”, Filipe Melo e Juan Cavia estiveram à conversa com o encenador Luís Araújo, esta sexta-feira, na mítica Livraria Lello. 

Pouco antes das 21h30, o público começava a juntar-se na entrada. A fila, mais modesta do que as intermináveis de todas as tardes, prometia uma noite com os lugares preenchidos. Assim que Filipe Melo e Juan Cavia entraram – pelo mesmo sítio que o público – abriram-se as portas e, quem se seguiu, teve direito a um copo de vinho do Porto para acompanhar a conversa.

Coube a Luís Araújo, encenador e amigo de Filipe Melo, fazer as apresentações, mero momento protocolar quando todos ali, público, Juan, Filipe e Luís se conheciam bem.

A partir daí, a conversa fluiu durante quase duas horas. Filipe Melo e Juan Cavia são, nas palavras do mediador, “a prova de que as relações à distância podem funcionar”. Um lisboeta, o outro argentino, conheceram-se através de um amigo em comum, quando o argumentista precisava de alguém que fizesse storyboards para um filme que tinha escrito. Ao ver os desenhos de Juan, na altura com 19 anos, percebeu que a parceria não podia ficar por ali.

Evoluções e retrocessos de um caminho já longo

A história da parelha percorreu vários caminhos, mas fez-se sobretudo de sucesso inesperado. Os dois revelaram que a primeira obra conjunta foi recebida com muita desconfiança. A editora de “As Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy”, a Tinta da China, previa que o livro venderia “na melhor das hipóteses” 500 unidades, mas a realidade fez questão de desmentir o pessimismo. O que começou por ser um guião cinematográfico deu origem a quatro êxitos do panorama das novelas gráficas.

O cinema e a banda desenhada são artes separadas por linhas ténues e, por isso, nem sempre é fácil perceber a que formato cada história se presta. E foi nesse sentido que a conversa caminhou. A evolução das narrativas, do estilo, das linguagens e da autoperceção dos autores. 

Para Filipe Melo, “uma das coisas mais espetaculares” é ver a evolução dos dois. O autor reparou, embaraçado por elogiar um presente, na crescente naturalidade e qualidade dos desenhos de Juan. O ilustrador comentou, entre risos, o contraste da atitude do argumentista no momento de mostrar o trabalho ao longo do tempo. Quando acabou de escrever “As Aventuras de Dog Mendonça e Pizzaboy” mostrou o guião com a convicção de que “estava muito bom”. Nos trabalhos mais recentes, a convicção esmoreceu. Os trabalhos ficaram mais pessoais, mais originais, e fizeram crescer o medo de que “aquilo não interessasse a ninguém”.

O segredo é fazer

Houve tempo para perguntas do público. Aliás, muito tempo: acabaram por ocupar mais de metade da sessão. Quem estava presente ficou estimulado e quis juntar-se. Discorreu-se sobre os processos criativos, os canais artísticos em Portugal e a dificuldade (quase impossibilidade) de fazer cinema. 

Juan Cavia não queria “começar uma conversa política”, mas fez questão de lembrar uma frase célebre que transmite o que pensa sobre a dificuldade de fazer nascer um filme: “A banda desenhada é o cinema dos pobres”. Enquanto um filme precisa de grandes investimentos e envolve muitas pessoas, “a BD não tem de ser um negócio”. Também por isso, o cinema não é uma opção contemplada.

Do auditório chegaram muitas perguntas de aspirantes a artistas. Todos, sem exceção, procuravam um conselho, algo que tornasse possível a concretização e o sucesso das suas obras. Luís, Filipe e Juan concordaram: “É fazer”. E essa ideia foi repetida, discutida e aprofundada com a participação de vários intervenientes. Lembrou-se a importância de evitar a armadilha de pensar que nunca se fará nada tão bom como aquilo que os nossos ídolos fazem, e houve ainda tempo para citar Bukowski: “Se nunca sair de ti a gritar, faz outra coisa”.

Depois da conversa, fez-se uma longa fila para pedir autógrafos e fotografias às estrelas da noite. No meio dessa azáfama, Filipe Melo falou com o JPN à procura de confirmar, ironicamente, se todas aquelas pessoas estavam lá para o ver: “Não há mais nada para fazer no Porto numa sexta à noite?”, perguntou-nos o autor.

A conversa que se seguiu foi em grande parte sobre a responsabilidade do artista sobre o próprio sucesso. Durante a noite criou-se a ideia que bastava concretizar para se ser bem sucedido, mas Filipe Melo não quer criar essa pressão sobre os que não conseguiram lá chegar. Admitiu até que a banda desenhada “apareceu como procrastinação quando não tinha coragem de gravar um disco”.

Para o argumentista, que é também músico e realizador, a noite foi “incrível”. Não só pelas pessoas que estavam ali, numa sexta à noite, para os ver, mas também pelos dois amigos que o acompanharam na conversa. “Gosto sempre de ouvir tanto o Luís como o Juan, aprendo sempre qualquer coisa”, concluiu.

Para os fãs ficou ainda um motivo adicional de satisfação: Filipe Melo e Juan Cavia preparam já sobre a próxima obra e revelaram na sessão que não será uma banda desenhada, mas sim um conto ilustrado

Artigo editado por Filipa Silva