[CRÍTICA] O mais recente filme de Ruben Östlund estreou a 13 de outubro nas salas portuguesas. A obra é uma crítica ao capitalismo e ao privilégio que vai direta ao assunto e que tem tanto de grosseiro como de hilariante.

Yaya (Charlbi Dean, falecida em agosto último, aos 32 anos) e Carl são o casal no centro da história.

“Triângulo da Tristeza”, do realizador sueco Ruben Östlund, autor dos aplaudidos “O Quadrado” e “Força Maior”, foi o vencedor do aclamado prémio Palma de Ouro de 2022, em Cannes. Além do prémio, o filme mereceu também uns longos oito minutos de aplausos no final da exibição. A comédia satírica explora o problema da desigualdade social e económica, enquanto realça a vertente hipócrita e classicista do comportamento humano.

A trama acompanha um casal de modelos – Carl (Harris Dickison) e a influencer Yaya (Charlbi Dean) – juntos  apenas por interesses profissionais. As duas personagens são convidadas a viajar num iate luxuoso num cenário perfeito, sem pagar, em troca de publicações que deverão fazer nas redes sociais. A ideia: partilhar a experiência a bordo. Ao longo do filme, o passeio de iate acaba por descarrilar por completo e culminar num enorme e irónico desastre.

Ao longo da fita, Ruben Östlund evidencia as diferenças de classe entre os que viajam a bordo. Os extremamente ricos que aproveitam a experiência luxuosa, apanhando banhos de sol seguidos de grandes banquetes e a os trabalhadores a bordo (também eles divididos em duas classes).

Fazem parte da grupo dos passageiros privilegiados Dimitry (Zlatko Buric) um homem de negócios russo, e um casal de idosos, Winston (Oliver Ford Davies) e Clementine (Amanda Walker) que conquistaram a sua fortuna vendendo granadas feitas à mão. A equipa de trabalhadores é dirigida pela chefe Paula (Vicki Berlin), sempre nervosa por causa do comportamento do capitão Thomas Smith (Woody Harrelson). Os trabalhadores dividem-se entre aqueles que, ansiosos por uma gorjeta, acompanham os mais ricos, e a equipa que fica restrita a trabalhar no nível inferior do barco.

Com esta estratificação das personagens, o realizador faz uma óbvia distinção. Os caprichos da elite são usados frequentemente com recursos de humor para mostrar que estes, fechados numa redoma de privilégio e luxo, vivem numa realidade à parte. Um exemplo desta alienação é Therese (Iris Berben), uma personagem que insiste com os empregados que as velas do barco têm de ser limpas, quando as velas nem sequer existem.

Apesar de pertencerem a géneros muito distantes, a segunda obra premiada com o Palma de Ouro do realizador – depois de ter conseguido o mesmo feito com o “O Quadrado” – em muito se aproxima de Parasitas”, de Bong Joon-Ho, não só pelo tema que ambos os filmes abordam, mas também ao nível cinematográfico.

Ruben Östlund opta muitas vezes por takes de longa duração e movimentos de câmara que transmitem ao público as sensações das personagens. Um episódio ilustrativo é o momento em que Vera (Sunni Melles), uma passageira, insiste que toda a equipa deve dar um mergulho. A equipa fica desconfortável: por um lado, não querer aceder ao pedido, mas, por outro, ter o dever de obedecer. Nesta cena, o transtorno das personagens é passado para o espectador.

O desconforto humorístico é um recurso recorrente ao longo do filme, como nas cenas longas em que apenas se veem personagens a vomitar. Apesar das imagens repelentes, o efeito que provocam é o contrário, de manter o público preso ao ecrã. 

A acessibilidade do filme, apesar dos seus 150 minutos de duração, está na simplicidade da sátira e na narrativa descomplicada e leve. A comédia é muito bem conseguida e reflete de forma óbvia e sem rodeios as diferenças presentes na sociedade e arranca ao espectador umas comedidas, porém, sinceras gargalhadas.

“Triângulo da Tristeza” estreou nas salas portuguesas a 13 de outubro. Atualmente, a sátira de Ruben Östlund – marcada também pela tragédia, uma vez que a atriz Charlbi Dean faleceu em agosto – está nomeada para o European University Film Award. 

Artigo editado por Fernando Costa