Considerado um dos melhores de todos os tempos, o agora atleta e treinador da Académica de Espinho, abordou, em entrevista ao JPN, o momento do voleibol português e chamou a atenção para as carências financeiras e logísticas que limitam a expansão da modalidade. O distribuidor considera que a entrada do FC Porto no voleibol masculino só teria vantagens e ainda dissertou sobre como é jogar e treinar o próprio filho.

Com mais de 80 títulos conquistados, Miguel Maia é o mais titulado voleibolista português. Aos 51 anos, é também titular de uma das mais longas carreiras de alta competição na história do desporto nacional.

A aventura começou na Associação Académica de Espinho onde se sagrou, pela primeira vez, campeão nacional. Corria a época 1989/1990. Foi, contudo, no rival Sporting de Espinho que mais épocas e campeonatos somou, tendo também passado e marcado a história de outro Sporting, o da capital.

E se, nos pavilhões, o distribuidor fez história, fora deles ganhou notoriedade nacional quando, com João Brenha, formou a dupla que levou Portugal a dois inéditos quartos lugares no torneio olímpico de voleibol de praia, em Atlanta (1996) e Sidney (2000). “Colocámos Portugal inteiro a ver jogos nossos, às 3 e 4 da manhã, em bares, discotecas, em todo o lado”, recordou com orgulho.

Agora, está de volta à Académica de Espinho e, esta época, numa nova condição: a de jogador-treinador. Foi no pavilhão do clube espinhense que o JPN encontrou Miguel Maia para uma conversa que teve como protagonista o voleibol nacional e o seu percurso que, de tão longo, se cruza hoje com o do próprio filho. Assumir simultaneamente o papel de colega de equipa e de treinador “não é fácil”, como confessa.

JPN – Considera o voleibol o parente pobre das modalidades em Portugal?

Miguel Maia (MM) – Claro que não, porque seria? Obviamente, tudo roda em volta do futebol. Em Portugal, para além do futebol, começámos a ter o futsal. Ambos estão ligados a uma máquina muito grande que é a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e já tem um andamento completamente diferente das outras federações, por isso, tudo o que esteja ligado à FPF acaba por ter muito mais notoriedade. O resto das modalidades penso que estão em pé de igualdade.

O voleibol teve um acrescento em termos de número de praticantes e, se formos falar a nível feminino, é a modalidade com mais praticantes ao nível nacional. As seleções nacionais, quer as mais jovens, quer as de seniores, acabam por ter alguma visibilidade. Por isso, não vejo que seja o parente pobre das modalidades. É uma modalidade como as outras.

Aliás, não há um jogo de basquetebol, de hóquei ou de andebol que passe na televisão todos os fins de semana. Não se vê um jogo de hóquei se não for na Benfica TV, Sporting TV e no Porto Canal. O voleibol aparece todos os fins de semana na Sport TV. E todos os clubes da primeira divisão de voleibol masculina ou feminina são obrigados a ter uma câmara que permita transmitir os jogos no canal Vólei TV. Não existe Basquetebol TV, nem Andebol TV, nem Hóquei TV. Por isso, é completamente ao contrário. Se me disserem que há menos atletas masculinos que femininos, obviamente que sim, os números não enganam.

O fenómeno futebol acaba por deixar toda a gente remetida a um nicho muito pequeno de prospeção e de busca por atletas masculinos. Não há outra forma de tentar batalhar, por isso é que 70% do voleibol é feminino e só 30% é masculino. Mas isto é uma consequência desse fenómeno. Todos os pais levam os miúdos para o futebol e, se não der em nada, levam para o futsal. Se estas modalidades não resultarem, é que vão experimentar as restantes.

JPN – Então, considera que a Federação Portuguesa de Voleibol tem feito um bom trabalho na divulgação desta modalidade?

MM – Obviamente que nem tudo está certo e nem tudo está bem. A própria federação sabe que existem carências financeiras que levam a que as coisas não avancem tão rapidamente como toda a gente pretende. Nós temos um fenómeno, que é o futebol. No futebol, é tudo ao pormenor e tem muita gente a trabalhar. Mas a Federação Portuguesa de Voleibol tem feito um bom trabalho dentro das limitações financeiras que tem, como todas as modalidades.

JPN – Como já referiu, esta é uma modalidade que tem vindo a crescer em número de praticantes. Segundo dados da Pordata, em 2020, o voleibol era a segunda com mais praticantes em Portugal, contando com mais de 53 mil federados, sendo apenas ultrapassada pelos números do futebol.

MM – O futebol é à parte. O voleibol é a única modalidade, tirando o futebol, que é praticada nos cinco continentes ao nível mundial. É a única modalidade, nos Jogos Olímpicos, que começa no primeiro dia e acaba no último. Porque será? É porque tem muita gente, é porque tem muitos bilhetes vendidos, é porque tem sempre o pavilhão cheio e porque toda a gente no mundo quer ver o voleibol. O voleibol, até há pouco tempo, era a modalidade com mais praticantes no mundo.

Jornais como “O Jogo”, “A Bola” ou o “Record” não querem saber de modalidades, só querem saber do futebol.

 

JPN – Transportando isto para o contexto mediático, acha que a imprensa tem ajudado na divulgação desta modalidade?

MM – Isso acontece, mas não é pelos media. É pelo trabalho da Federação Portuguesa de Voleibol. A FPV é que compra os aparelhos que permitem que os jogos sejam transmitidos em direto, todos os fins de semana. A FPV é que criou a Volei TV e que paga à Sport TV para dar os jogos de voleibol na televisão. Por isso, é um trabalho da federação e não dos media. Os media não dão voleibol, andebol, basquetebol e hóquei em patins. Nada, zero. Agora, a Sporting TV, o jornal Sporting, dão muito andebol, basquetebol, voleibol, hóquei, porque têm essa modalidade. A Benfica TV e o jornal “O Benfica” dão muito, porque têm também as suas equipas, e o FC Porto igual. Os jornais como “O Jogo”, “A Bola” ou o “Record” não querem saber das modalidades, só querem saber do futebol.

Há uma carência muito grande em termos de apoio ao treino.

JPN – Para se chegar a níveis de excelência, é necessário que os clubes apostem nas suas formações, visto que é preciso um trabalho contínuo para atingir patamares altos. Acha que a aposta dos clubes, em Portugal, nas suas formações, é suficiente para formar atletas de excelência e assegurar o futuro do voleibol nacional?

MM – Suficiente nunca é. Ficamos sempre aquém. É preciso sempre treinar mais horas, é preciso mais espaços para treinar, é preciso mais treinadores. Mas isso não é só no voleibol, é em todas as modalidades. Há uma carência muito grande em termos de apoio ao treino. Há muitas equipas que só têm um treinador, que é muito pouco. Há muitas equipas só com dois treinadores, o que não é razoável. Há muitas equipas com carência de material. Há equipas de formação a treinar com seis, sete ou oito bolas, quando deviam treinar com quinze. Isso faz muita diferença também, porque a repetição dos exercícios vai ser mais lenta e mais espaçada. E, ao longo do ano, nota-se o pouco envolvimento ou a pouca possibilidade de poderem tocar na bola e de trabalharem mais os gestos técnicos.

Desde que cheguei à Académica de Espinho, no ano passado, tivemos sempre essa preocupação. Todas as equipas aqui têm quinze, vinte bolas. Todas as equipas têm dois treinadores. Mas continuamos com carência de espaços, porque também tivemos um crescimento muito grande. Cheguei à Académica há um ano e tínhamos 137 atletas e, neste momento, temos quase 300. O pavilhão aumentou, os espaços de treino aumentaram, existem mais modalidades e, por isso, somos impedidos de poder trabalhar mais, mesmo que quiséssemos.

Cada um faz aquilo que pode. O desporto amador já é difícil, porque há poucos recursos financeiros e de espaço também. Mas os clubes andam atrás disso e andam sempre a trabalhar para tentar melhorar.

JPN – Sabemos que, muitas vezes, o primeiro contacto com as modalidades dos jovens e das crianças dá-se em contexto escolar, através do desporto escolar. Considera que esta é uma boa ferramenta e, de certa forma, um bom trampolim para a Federação Portuguesa de Voleibol angariar jovens promessas?

MM – Tudo é importante para angariar jovens promessas. Tanto o voleibol ao ar livre como o desporto escolar são fundamentais. Antigamente, muitos atletas vinham do desporto escolar, porque era na secundária que tinham contacto com as modalidades e só depois é que vinham para os clubes. Hoje em dia, penso que os atletas ou as crianças procuram mais cedo as modalidades. Antes de chegarem à secundária já têm um percurso na modalidade, dentro dos clubes. Já se vê miúdos de cinco, seis e sete anos a quererem vir experimentar. Por exemplo, nós, na Académica, temos mais de 100 atletas dos 5 aos 11 anos. Mas o desporto escolar não deixa de ser importante.

JPN – Por exemplo, sabemos que ver jogos ao vivo pode ser um elemento-chave para as crianças terem a consciência que existem outras modalidades para além do “gigante” futebol. O meio em que vivem pode condicionar os seus interesses desportivos?

MM – Sim, isso só acontece em cidades específicas. Por exemplo, Oliveira de Azeméis tem o basquetebol e o hóquei em patins. Espinho tem voleibol, se formos a Braga temos o andebol e em São João da Madeira, o hóquei em patins. Há modalidades que são de algumas cidades. Talvez, se formos para outras, vai tudo para o futebol. Aqui em Espinho, vai toda a gente ao futebol, mas o voleibol é muito forte, por isso, vêm experimentar o voleibol.

Hoje, as crianças procuram mais cedo as modalidades.

JPN – Nestas cidades mais “futebolísticas” a que se refere, o esforço para quebrar esta tendência tem de partir de quem?

MM – Dos entusiastas dos clubes, de ter pessoas ligadas às modalidades. Porque eu não vou para Lourosa ou para a Corga abrir uma equipa de basquetebol, visto que não percebo nada dessa modalidade. O esforço tem de partir de alguém que tenha gosto e conhecimento sobre a mesma. Talvez haja carência de pessoas com conhecimento e com vontade para querer abrir uma modalidade destas, em determinadas terras.

JPN – Passando para a quadra feminina, acha que há espaço e condições para o voleibol feminino evoluir ainda mais e ganhar mais destaque?

MM – Sim, o desporto feminino está a ganhar mais destaque e também o seu espaço. Vemos isso pelo futebol feminino, que está com uma projeção muito grande, porque está ligado à máquina da FPF. Por isso, tem muita visibilidade, quer nas redes sociais, quer na televisão. O voleibol é a modalidade com mais praticantes ao nível feminino em Portugal e, talvez, deve ser a nível mundial também.  Sem dúvida, estão a ganhar o seu espaço e ainda bem. Isto não é só para os homens. Tem de haver igualdade e a mesma oportunidade.

JPN – Dá a ideia que a entrada do FC Porto no voleibol feminino, em parceria com a Academia José Moreira, veio dar maior visibilidade ao voleibol feminino em Portugal. A entrada de um clube como o FCP teria o mesmo efeito no masculino?

MM – Claro que sim, quem nos dera. Porque era mais um canal de televisão, neste caso, o Porto Canal, que iria transmitir jogos todos os fins de semana. Para além disso, temos de ter em conta que é o FC Porto, ou seja, a qualquer lugar que vá jogar tem sempre 30, 50, 100, 200 adeptos que vão ver. E quando jogam em casa têm mil ou 2 mil. Depois há a questão da rivalidade, como um Porto-Sporting, um Porto-Benfica, um Benfica-Sporting. Começava a haver os famosos clássicos e dérbis e só isso é que move os grandes campeonatos e o entusiasmo do público.

Isto porque ninguém se lembrava do voleibol do FC Porto, porque o clube acabou o voleibol masculino em 1988 ou 1989 e, por isso, muitos jovens nunca o tinham visto. Agora, muitas miúdas já começam a ver o voleibol feminino no Porto e começam a querer praticar. É outro mundo, é muita visibilidade nas redes sociais, nos vídeos e as miúdas mais novas também querem experimentar a modalidade. E acho que passa por aí. Se formos ver, o voleibol feminino tem Benfica, Porto, Sporting, Braga, Belenenses, Boavista, Guimarães, ou seja, todos os grandes clubes de futebol em Portugal estão no voleibol feminino. As atletas que ganhavam 300 ou 400 euros por mês no voleibol feminino estão agora a pedir entre 1.500 e 2 mil. Porquê? Há mais procura e há mais televisões. 

JPN – Em relação à valorização dos atletas, acha que são bem recompensados?

MM – Os bons jogadores masculinos são valorizados. Mas, em termos percentuais, o voleibol feminino deu um salto de 300% ou 400% em relação ao masculino. Porque há mais atletas e há essa visibilidade toda. Há um número muito maior de clubes e há os três grandes que não querem jogar com uma atleta mediana, querem as melhores. E, por isso, o Benfica, Porto e Sporting vão sempre atrás das melhores jogadoras e um dá 700, outro dá 500, outro dá 600. E o que deu 500, já diz que dá 900 e vão subindo. E, pronto, vai crescendo o valor para toda a gente no voleibol feminino.

O voleibol masculino, para além de não haver tantos atletas com qualidade, alguns já foram para o estrangeiro, os que ficaram são valorizados, mas não há tantos jogadores bons. O que é que acontece? Se calhar, fica mais barato ir ao estrangeiro. Vão à Venezuela, vão à Colômbia, vão ao Brasil e arranjam jogadores por 700 euros, 800 euros e ficam mais baratos do que alguns jogadores que podiam jogar aqui.

JPN – O Miguel soma mais de 80 títulos, tanto em voleibol de praia como em pavilhão. Quais são os valores que privilegia para chegar a esse ponto e para alcançar a carreira que tem?

MM – Seriedade naquilo que fazemos. Eu comecei por brincadeira em vários lugares aleatórios. Por paixão, por gostar de voleibol, porque estava numa cidade do voleibol. A minha família estava ligada ao voleibol e pertencia à Académica de Espinho. E depois é preciso levar as coisas a sério. Eu tive o privilégio de ser um dos primeiros atletas a ser profissional de voleibol em Portugal. Fui com 19 anos para Lisboa, abraçar um projeto profissional de treinar de manhã e de tarde, no Sporting. Tudo o que é ser profissional implica descansar, ter uma boa alimentação e preparação para treinar e jogar. E eu fiz isso desde novo. Por isso, o meu conselho é que as pessoas abracem, tanto no voleibol como em qualquer profissão, tudo o que queiram fazer. Temos de nos dar e dedicar ao máximo. Foi isso que eu fiz e quem quiser ser profissional tem de o fazer.

JPN – Porque é que os jovens devem praticar voleibol?

MM – Não têm de praticar voleibol. Primeiro, têm de praticar desporto. Se praticarem desporto coletivo, melhor, mas não sou contra o desporto individual. Numa primeira fase, acho que é melhor estarem num desporto coletivo, porque têm outro tipo de ensinamentos, outro tipo de regras, porque não há tanto egoísmo, tem de haver mais colaboração. Têm de saber dar a mão a um colega numa fase mais complicada. Mas não têm de vir para o voleibol, têm de vir para o desporto, porque faz bem à saúde. É importante conhecer novas pessoas, saber regras, estar em grupo e respeitar. Depois se vier para o voleibol, melhor.

JPN – Sabemos que nutre uma grande paixão pelo futebol desde pequeno. O que é que o levou a perceber que afinal o caminho seria o voleibol?

MM – Quando éramos mais novos, na minha infância, podíamos praticar várias modalidades ao mesmo tempo. Eu tive uma altura em que joguei voleibol, andebol e andava no atletismo. Tive outra altura em que andei no voleibol e no futebol. Mas o voleibol nunca saiu, por causa da cidade, porque o meu pai era diretor aqui, os meus primos jogavam voleibol aqui, porque eu saía de casa e passado 1 minuto estava no pavilhão a jogar voleibol… Coisas que fazíamos há muitos anos e que, agora, os miúdos quase não fazem. Preferem estar agarrados ao telemóvel, mas nós naquela altura não o tínhamos. Só queríamos ficar a jogar.

Eu gostava muito de jogar futebol. Jogava com os meus amigos, fazíamos as balizas com uma pedra de cada lado e jogávamos dez contra dez, cinco contra cinco. Fazíamos isto todos os dias, jogávamos futebol aqui sempre. E pronto, gostava de jogar e tinha aptidão. Cheguei, inclusive, a ser chamado por clubes para jogar. 

Para mim, é uma felicidade jogar com o meu filho.

Miguel Maia acompanhado do filho Guilherme com quem partilha agora o balneário. Foto: Federação Portuguesa de Voleibol

Ao longo da entrevista fomos falando da sua longa carreira. Alguma vez pensou que poderia competir contra o seu próprio filho?

Não, isso era impensável. Acho que nem eu, nem ninguém. É uma diferença grande de idades. Quando comecei a jogar voleibol, os atletas terminavam a carreira aos 28, 29, 30 anos, no máximo. Depois o término da carreira foi-se prolongando, porque as condições do treino já são muito melhores também. Por exemplo, os pavilhões em Portugal já têm caixa de ar, piso de madeira flutuante. E, por causa disto, os atletas começaram a ter mais durabilidade em termos de carreira.

Eu, felizmente, nunca tive problemas ao nível de lesões. Isso deve-se ao facto de ter sempre preservado a minha saúde e de me ter sempre resguardado e preparado desde novo. Por isso, a minha durabilidade é fora do normal. É quase impossível haver atletas com a minha idade que ainda joguem. Para mim é uma felicidade jogar com o meu filho. Joguei contra ele primeiro, depois joguei com ele. Este ano, jogo com ele e sou treinador dele. Mas, para mim, já está a chegar ao fim, tem sido um momento marcante estar com ele e dar-lhe algumas dicas. “Puxar-lhe as orelhas” dentro do campo para tentar ensinar-lhe algumas coisas. Pronto, é mais uma medalha que eu tenho.

JPN – É fácil separar a razão do coração?

MM – Não é fácil. Mas, durante o dia a dia, fui-me acostumando e tentando separar um bocadinho as águas. Mas não é fácil, não é a mesma coisa. 

JPN – Recentemente, passou a ser treinador ao mesmo tempo que é atleta. Como é que foi a adaptação a esta mudança?

MM – Não é fácil, porque eu tenho colegas com quem brinco, apesar da diferença grande de idades que existe. Estou com eles no balneário, e uma coisa é brincar com um colega de equipa, outra coisa é brincar com um treinador. Por isso, não é fácil nem para eles nem para mim.

Mas estamos a tentar adaptar-nos ao máximo. Para eles, como atletas, também não é normal estarem com o treinador dentro do balneário a fazer piadas e brincadeiras. E para mim também não, porque tenho que chamar à responsabilidade alguns atletas e depois tenho que estar na brincadeira com eles no balneário. É uma situação difícil, mas vamos tentando gerir dentro daquilo que conseguimos, porque o voleibol não é uma modalidade rica. A Académica de Espinho não tem um orçamento grande. Para não perderem nem o atleta nem o treinador, tiveram que optar por esta conjugação. Se houvesse dinheiro, já seria diferente. Ou iam buscar um jogador para a minha posição ou arranjavam outro treinador.

JPN – Como é feita a gestão para conseguir desempenhar essas duas funções?

MM – Preparação. Como em tudo. Nós quando vamos para uma entrevista temos que estar minimamente preparados para aquilo que nos vão perguntar. Eu vou jogar contra uma equipa hoje e já tivemos duas ou três sessões de vídeo durante a semana para saber como é que eles jogam. E para o meu treino é igual. Eu tenho que me preparar para aquilo que vai acontecer no treino. Tenho que criar o filme na minha cabeça para as coisas serem feitas conforme as idealizei. Mas também tenho que estar preparado para alguma adversidade que possa acontecer no treino e tenho de ter um Plano B para responder logo de seguida. Ou seja, não me posso sentar e não pensar no assunto. Não. Eu tenho que me preparar para as adversidades e, quando elas surgirem, tenho de estar pronto para implementar o plano, logo de seguida.

JPN – Quem é que seria o Miguel Maia sem o voleibol? Com que Miguel é que estaríamos a falar se o voleibol não existisse?

MM – Não estavam a falar comigo, porque não me conheciam. Mas acho que podia ter sido um bom jogador de futebol.  Mas se calhar vocês não estavam aqui comigo, já iriam estar num estádio (brincadeira).

Nós colocámos Portugal inteiro a ver jogos nossos, às 3 e 4 da manhã em bares, discotecas, em todo o lado.

O voleibol de praia é também uma paixão de Miguel Maia. Foto: Federação Portuguesa de Voleivol

JPN – Fazendo uma viagem no tempo e recuando mais de 20 anos. Os Jogos Olímpicos, principalmente os de Atlanta e de Sidney, foram uma rampa de lançamento para o reconhecimento público do seu talento?

MM – Sem dúvida nenhuma. Nós [Miguel Maia e João Brenha] abrimos telejornais durante muitos dias. Nós colocámos Portugal inteiro a ver jogos nossos, às 3 e 4 da manhã em bares, discotecas, em todo o lado. Houve pessoas que dormiam e que colocavam o despertador às 6 da manhã para nos ver jogar, por isso, foi um despertar do voleibol de praia. Porque ninguém conhecia esta modalidade até então, as pessoas pensavam que o voleibol de praia era levar uma bola para a praia e estarem a jogar entre amigos na brincadeira, cinco contra cinco ou seis contra seis.

E, de repente, viram uma modalidade e, principalmente, Portugal no alto patamar do desporto mundial com uma dupla portuguesa. E, se vocês forem ver, até há pouco tempo, Portugal nunca tinha tido nenhuma modalidade com bola nos Jogos Olímpicos. Ou era o hipismo, ou era o tiro, ou era o atletismo. Não havia basquetebol, andebol, voleibol, futsal, hóquei [o hóquei em patins só foi incluído numa edição dos Jogos Olímpicos: em Barcelona, 1992; Portugal participou e terminou em quarto lugar], não havia nada. E nós fomos uma modalidade com bola. Criou-se uma notoriedade muito grande em relação a nós, éramos chamados para tudo, para fazer publicidade, para entrevistas…. Foi o reconhecimento daquilo que nós fizemos. E depois fomos prolongando durante 12 anos. Três olimpíadas e as pessoas já nos começavam a conhecer em todo o lado.

JPN – E sente que estas competições olímpicas foram o ponto alto da sua carreira?

MM – Sim, mas eu não menosprezo nada. Não menosprezo o meu primeiro título aqui, no pavilhão da Académica de Espinho, em 1989/1990, com o pavilhão completamente cheio, com gente por todo o lado. Foi uma loucura aqui. Não menosprezo os outros momentos que já vivenciei, porque a carreira não é feita do ano 1996, nem do ano 2003, nem de 2017, nem de agora. É feita de um longo percurso e eu valorizo todo o meu percurso, porque trabalhei para tudo da mesma maneira. Dei-me ao máximo em todas as equipas onde estive e em todos os jogos. Por isso, para mim, tudo foi importante.

JPN – Mas não sente que tenha existido um momento mais especial, um que recorde com mais carinho?

MM – Sim, ter sido porta-estandarte em Sidney. Entrar com a bandeira portuguesa num estádio onde está toda a gente à espera de quando vai entrar Portugal. A receber chamadas a perguntar o momento em que íamos entrar e aquela adrenalina, aquele nervosismo quando estávamos a entrar… Eu com a bandeira à frente senti que estava a levar Portugal para dentro do estádio. É espetacular.

Artigo editado por Filipa Silva