[Crítica] Park Chan-wook regressa ao seu estado puro num enredo desconcertante e de múltiplas camadas, oferecendo ao público aquele que talvez seja o seu primeiro filme de romance.
O novo e aguardado filme de Park Chan-wook está prestes a chegar às salas de cinema portuguesas. “Decisão de Partir” é a nova aposta do realizador sul-coreano, que já lhe rendeu o prémio de “Melhor Realizador” em Cannes.
O sucesso dos últimos trabalhos do realizador tem chegado a território internacional. O último filme de Park Chan-wook, “A Criada”, lançado em 2016, venceu o prémio de “Melhor Filme Estrangeiro” nos BAFTA e é um dos mais acarinhados pelo público.
“Decisão de Partir” afasta-se da violência selvagem característica da sua Trilogia da Vingança, da qual faz parte o tão famoso “Oldboy – Velho amigo” (2005), penetrando no fascínio pelos impulsos mais obscuros da mente humana, algo que nos faz lembrar a sua película de 2016, “A Criada”. Apesar do foco na violência e traição, o novo filme de Park Chan-wook pode ser considerado o seu primeiro romance, neste caso, sob a pele de um drama policial.
Na trama, Hae-joon (o ator Park Hae-Il) é chamado a investigar a morte enigmática de um homem que caiu do pico de uma montanha. A sua viúva, Seo-rae (Tang Wei), assume o posto de principal suspeita pela aparente indiferença com que reage ao sucedido. No entanto, a aura misteriosa da mulher acaba por atrair o detetive, que se vê perdido numa vigilância obsessiva sem fundamento.
Park Chan-wook revela-se exímio a retratar esta obsessão no ecrã, inserindo os dois personagens no mesmo ambiente, quando na realidade se encontram distantes. Quer vigie a viúva a partir do seu carro, quer fale ao telemóvel com a mesma, o detetive acaba sempre por se imaginar junto dela em sua casa, algo que nos faz viajar pelo limbo mental de Hae-joon, enquanto perdemos o sentido de realidade com ele.
A cinematografia do filme acompanha o percurso vertiginoso do detetive, que perde cada vez mais o seu rumo. O célebre realizador brinca com o espaço e o tempo, torna o passado e o presente difusos com flashbacks e fantasias e faz-nos achar que perdemos o fio à meada, mas volta sempre a guiar-nos de volta ao rumo.
São de destacar as performances surpreendentes de Park Hae-il e Tang Wei. Os protagonistas, apesar de se enamorarem, causam na audiência um certo desconforto e desconfiança a cada encontro. Será a mulher assim tão caridosa e inocente? Que atrocidades se escondem atrás da faceta de uma mulher que cuida de idosos como profissão? A dinâmica entre os atores e o belo trabalho de câmara deixam o espectador nervoso e a tensão é palpável em todas as cenas.
Com as reviravoltas características da sua obra cinematográfica, Park Chan-wook entrega mais do que simplesmente um clássico filme de detetive apaixonado. Talvez este seja o seu próprio “Disponível para Amar” (Wong Kar-Wai, 2000), com um romance fragmentado que converge numa sequência final sublime.
“Decisão de Partir” estreia a 1 de dezembro, nas salas de cinema nacionais. O filme conta já com nove prémios, destacando-se o de “Melhor Realizador” no Festival de Cannes e o de “Melhor Filme”, “Melhor Ator”, “Melhor Atriz” e “Melhor Banda Sonora” no Buil Film Awards.
Artigo editado por Filipa Silva