O cinema animado tem sempre destaque no Festival Caminhos do Cinema Português, em Coimbra, que, este ano, se realizou de 5 a 19 de novembro. O JPN conversou com realizadores que se dedicam ao género, que comentaram o estado do cinema de animação no país e falaram dos principais desafios na área.

Nuno Beato e a personagem principal de “Os Demónios do Meu Avô”, Rosa, que tem mais de 90 expressões faciais amovíveis diferentes. Foto: Maria Pinho Andrade

Este ano, a 28.ª edição do Festival Caminhos do Cinema Português recebeu alguns dos realizadores que mais se destacam no panorama do cinema de animação em Portugal. O JPN conversou com dois deles: Nuno Beato, o realizador da primeira longa-metragem de stop motion nacional “Os Demónios do Meu Avô”, e Laura Gonçalves, realizadora do premiado “Homem do Lixo”.

Os realizadores falaram das potencialidades de trabalho infinitas do cinema de animação, mas sublinharam que fazer filmes do género – sobretudo, em Portugal – ainda é um desafio.

Para Nuno Beato, ainda “é difícil formar público” para o cinema de animação em Portugal. O realizador justifica esta dificuldade com a existência de uma “associação direta do cinema de animação ao infantil e ao cómico”

Laura Gonçalves considera que “apesar de haver uma qualidade incrível, ainda existe pouca visibilidade, conversa e análise” sobre os filmes de animação em Portugal. Nuno Beato, no entanto, refere que, atualmente, tem havido maior financiamento para este domínio. 

Apesar de ser difícil trabalhar cinema de animação em Portugal, ambos os realizadores não deixaram o país de fora dos filmes que apresentaram no Caminhos – ambos integrados na secção “Seleção Caminhos”.

“Os Demónios do Meu Avô” passa-se em Portugal, mas “pode ser visto em qualquer lado”

Em “Os Demónios do Meu Avô”, a personagem principal, Rosa, é natural de uma aldeia transmontana, local onde se desenrola a maior parte da trama. A protagonista do filme é designer de sucesso que leva uma vida urbana, mas que decide regressar à terra natal aquando da morte do avô. 

O realizador explica que o filme “pode ser visto em qualquer lado do mundo” por ter uma ideia “generalista” na base. Nuno Beato, porém, optou por explorar o ambiente das aldeias portuguesas estagnadas no tempo para “dar identidade” à obra.

O filme conta com um elenco de luxo, tendo, inclusivamente, Nuno Lopes e Victoria Guerra a dar voz às personagens principais de “Os Demónios do Meu Avô”.

A longa-metragem de stop motion foi gravada em Portugal, mas em França foram feitas as cenas em 2D e em Espanha, as peças. Ao todo, foram sete anos de trabalho: dois para o desenvolvimento da ideia e cinco para a produção. Durante o período de gravação, produziram-se, em média, 4 segundos de filme por dia.

Sobre o processo de construção do filme, o realizador conta que começa “sempre [pelo] desenho e a escultura, e depois é que vem o cinema”. As técnicas de animação, o 3D e o stop-motion, são utilizadas na filmografia de Nuno  Beato para “reforçar a narrativa”.

O filme estreou, em junho, numa das mais importantes mostras de cinema de animação do mundo – o Festival de Animação de Annecy, em França – ainda que numa secção não competitiva. Passou em junho pelo MotelX e esteve agora no Caminhos, de onde saiu com o prémio de melhor Banda Sonora (Carlos Guerreiro e Manuel Riveiro).

“Homem do Lixo” é baseado em factos verídicos

A narrativa de “Homem do Lixo”, de Laura Gonçalves é, não só, passada em Portugal, como é baseada na história real do tio da realizadora, Manuel Botão, que nasceu em Belmonte. 

O filme explora vários episódios da vida de Manuel Botão como a passagem pela Guerra Colonial e os anos passados a trabalhar em França como homem do lixo.

Trata-se de uma curta-metragem de 11 minutos, mas o filme demorou três anos a ser desenvolvido. A realizadora explica que o processo de fazer cinema de animação é muito mais demorado do que fazer filmes com pessoas de carne e osso. “Todos os segundos do filme têm de passar por várias fases – storyboard, layout, animação, intercalação, pintura, compositing – até chegar a esta imagem final que vocês veem no ecrã, o que acaba por ser muito mais moroso do que pegar numa câmara e gravar”, afirma.

Mas se o processo de construção de um filme animado é duro, fazer animação é, para Laura Gonçalves, uma forma mais fácil de se expressar. Porque se trata de “um universo com muita potencialidade” que permite explorar um “pensamento fora do mundo real. Há muita coisa que nós, às vezes, queremos exprimir e é-nos muito difícil. Por desenhos é uma coisa muito mais fácil”, considerou

Artigo editado por Fernando Costa