O vasto espólio do escritor, que escolheu a cidade do Porto para viver, passa a estar concentrado na Casa dos Livros – Centro de Estudos da Cultura de Portugal da Universidade do Porto. Em janeiro, comemora-se o centenário do nascimento do autor de "As Mãos e os Frutos".

Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto (esq.), António Sousa Pereira, reitor da UP (centro), e Fátima Ribeiro, diretora da FLUP (dir.), durante a assinatura do contrato de depósito do acervo de Eugénio de Andrade, na Casa dos Livros. Foto: Miguel Marques Ribeiro

O acordo celebrado esta quarta-feira (14), entre a autarquia e a Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), transfere para a Casa dos Livros – Centro de Estudos da Cultura de Portugal da Universidade do Porto (CdL), localizada no Palácio Burmester, a totalidade do espólio que Eugénio de Andrade legou à cidade.

São milhares de documentos que continuam, para já, encaixotados na cave do edifício, mas que em breve poderão ser consultados por estudiosos e leitores. Um tesouro representativo da vida e obra de um dos poetas portugueses mais importantes do século XX, que irá conviver lado a lado com o acervo de Vasco Graça Moura.

Detalhe de desenhos expostos na Casa dos Livros. Foto: Miguel Marques Ribeiro

Rui Moreira assegura que se trata de um passo decisivo para “zelar pela memória de um dos maiores poetas da cidade”. Alguém a quem o Porto muito deve, afirma o presidente da câmara, pois a cidade “ganhou uma outra aura, uma outra dimensão”, através dos seus escritos.

Durante anos, o espólio de Eugénio de Andrade esteve dividido. A vastíssima biblioteca que reuniu em vida, constituída por 17 mil obras, continuou guardada na casa onde o escritor viveu, na Foz do Douro, até 2005, data do seu falecimento. Contudo, documentos mais frágeis, como manuscritos e correspondência, foram transferidos para a Biblioteca Municipal do Porto, onde o respetivo processo de digitalização teve início.

Deste modo, foram anos em que o acervo andou “em bolandas”, resume António Sousa Pereira, reitor da Universidade do Porto (UP), satisfeito por finalmente ter-se encontrado “um abrigo, um porto seguro” para um património de grande relevância para a cultura portuguesa.

Câmara financia com 20 mil euros anuais

À guarda da CdL passa a estar um vasto conjunto de documentos. Para além dos 17 mil livros já referidos, há 1.400 manuscritos, dactiloscritos, tiposcritos com anotações e desenhos; 7.400 cartas, telegramas, fotografias e postais; e ainda outros objetos pessoais, relevantes para contextualizar a obra do escritor, como CD e cassetes de vídeo.

Assinatura do contrato de depósito do acervo de Eugénio de Andrade, na Casa dos Livros. Foto: Miguel Marques Ribeiro

A FLUP compromete-se a proceder ao trabalho minucioso de organizar e catalogar cada um destes documentos durante os próximos três anos. Em troca, a autarquia garante apoio “institucional e financeiro”, traduzido num orçamento de 20 mil euros anuais.

Para Rui Moreira, contudo, a autarquia não pretende que se proceda a um simples depósito de património: “Um acervo não pode ficar fechado, tem que ser trabalhado, tem que ser estudado”.

Fernanda Ribeiro, diretora da FLUP, assegura que existe, neste âmbito, sintonia com a autarquia: a Casa dos Livros não vai ser uma simples “biblioteca com sala de leitura“. É preciso “implantar sonhos nas cabeças de quem cá vier”, reforça António Sousa Pereira, reitor da UP.

A intenção é fomentar atividades culturais e literárias em torno dos autores cujo espólio está à guarda da instituição – e, neste caso em particular, de Eugénio de Andrade. Vai assim ser preparada uma programação que deverá incluir exposições, visitas guiadas e tertúlias.

A diretora da FLUP assegura ainda que através da ligação a núcleos de investigação vai ser possível alimentar projetos de pesquisa académica, que se queiram debruçar sobre a vida e obra do escritor que venceu o Prémio Camões, em 2001.

Centenário do nascimento comemora-se a 23 de janeiro

A CdL abriu as portas em abril de 2022.  Aos acervos de Vasco Graça Moura, Eugénio Andrade, Herberto Hélder e Manuel António Pina (estes dois últimos, em formato digital) a estrutura integrada na FLUP vai adicionar em breve o espólio de Albano Martins, anunciou Fernanda Ribeiro.

Palácio Burmester, no Porto, onde se encontra a funcionar a Casa dos Livros. Foto: Miguel Marques Ribeiro

Esta dinâmica de crescimento, a juntar ao facto de o Palacete Burmester ter sido casa de habitação de nomes cimeiros das letras nacionais, como Sophia de Mello Breyner Andersen e Ruben A., fazem António Sousa Pereira, reitor da UP, sonhar com a criação de um Bairro dos Poetas no Campo Alegre, proposta que Rui Moreira não enjeita.

O depósito do património de Eugénio de Andrade tem, no entanto, um significado especial, pois a 23 de janeiro do próximo ano comemora-se o centenário do nascimento do escritor, que é natural do Fundão

A CdL tem previstas algumas atividades para assinalar a data,  nomeadamente a realização, no início de 2023, de uma conferência e exposição com obras do autor. 

Para já, o auditório do palacete passa a ter o nome do poeta, frente a frente com a sala do amigo Vasco Graça Moura.

Artigo editado por Filipa Silva