São propostos três níveis, ajustados ao nível socioeconómico das famílias. Ministra garante que quaisquer alterações ao modelo de financiamento vão ter implementação gradual.

Estudantes em frente à Reitoria da Universidade do Porto. Foto: Tânia Cardoso

O relatório Resourcing Higher Education in Portugal, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), apresentado nesta segunda-feira (19), propõe a criação de um sistema em que cada estudante do ensino superior pague uma propina adaptada aos rendimentos do seu agregado familiar.

A equipa de políticas de ensino superior da OCDE inspira-se, para o efeito, no modelo que é adotado na região flamenga da Bélgica

Desde o ano letivo de 2014-15, que a tendência é para a diminuição do valor de referência das propinas do ensino superior. Nessa altura, a propina atingiu o valor mais alto praticado até à data em Portugal (1067,85 euros). Nos anos seguintes, a anuidade começou a decrescer até se fixar nos atuais 697 euros (uma quebra de cerca de 65% durante este período). Isto não impediu o aumento das dívidas dos estudantes relacionadas com as propinas.

Contudo, o relatório nota que a diminuição do valor das propinas verificado nos últimos anos “absorveu recursos públicos significativos” e que as compensações financeiras que o Estado teve que assegurar às instituições “constituem efetivamente um subsídio não direcionado, o qual beneficia não apenas estudantes de baixos rendimentos, mas também aqueles de rendimentos médios e rendimentos mais elevados“.

Assim, são propostos três escalões de propinas: “mais baixas para beneficiários de bolsas, um nível médio de propinas para estudantes com baixos níveis de rendimento, mas que não são elegíveis para auferirem bolsas, e propinas mais elevadas para os demais estudantes”.

Com estas alterações, os técnicos da OCDE esperam que seja possível aumentar o valor da bolsa atribuída aos estudantes e alargar a base de estudantes elegíveis para as bolsas de estudo, sugerindo que se pondere a sua aplicação também aos “estudantes mais velhos”.

Entre as 33 recomendações do relatório, o JPN destaca as seguintes:

Financiamento das instituições: combinação entre um valor base fixo, valor base variável (dependente dos alunos inscritos e respetivos resultados) e um valor competitivo (resultante de propostas das IES).

– Fim da discriminação positiva das IES do interior. O número de vagas existente em cada curso deve ser fixado em função de fatores como a empregabilidade, procura, etc., independentemente de existirem no litoral ou no interior;

Aposta nas TIC. É a área com maior potencial de crescimento no mercado de trabalho e Portugal tem um número de diplomados nas TIC quase três vezes inferior à média da OCDE;

Preservar “a cobertura territorial da rede de ensino superior”. Neste critério, Portugal está bem colocado: cerca de 80% da população tem acesso próximo ao Ensino Superior;

Acordos a negociar diretamente entre o entre o Estado e cada IES: por oposição a acordos gerais entre o estado e as associações representativas do setor;

Propinas: proposta de um modelo escalonado com o objetivo de “associar o nível de propinas a critérios socioeconómicos, ao mesmo tempo que se aumentaria o apoio financeiro aos estudantes com maiores necessidades”;

Alojamento. Deve ser uma prioridade. Cerca de um terço dos alunos são deslocados e destes 40% são oriundos de agregados familiares com baixos rendimentos (43 mil estudantes, ou seja, 11% do total dos alunos).

Nova fórmula de financiamento que acomode os resultados dos alunos

Entre 2017 e 2021, a verba do Orçamento do Estado alocada às Instituições de Ensino Superior (IES) portuguesas aumentou 15%, em termos nominais. O crescimento do investimento foi acompanhado de uma inversão do recuo de inscrições verificado entre 2011 e 2015.

No entanto, a despesa total do Orçamento do Estado (0,7% do Produto Interno Bruto) continua abaixo da média da OCDE (que é de 0,9%).

O relatório defende que Portugal poderia estar melhor posicionado se a fórmula de financiamento do ensino superior, prevista na lei desde 2006, fosse de facto aplicada, o que deixou de acontecer em 2009.

Face a este abandono, o texto propõe uma revisão do modelo de financiamento, com uma nova fórmula que seja construída a partir do zero.

Os técnicos propõem um modelo de cálculo que considere, não só o total de inscrições dos alunos que frequentam um determinado ciclo de estudos, mas também o número daqueles que concluem o seu percurso educativo, como forma de “fomentar o progresso dos estudantes e a conclusão das suas formações”.

Envelhecimento da população obriga a encontrar novos públicos 

Os investigadores da OCDE sublinham que a “evolução demográfica” das próximas décadas pode “afetar a sustentabilidade do sistema” de ensino superior.

Com o envelhecimento da população são esperadas “contrações substanciais na base tradicional de recrutamento”, que obrigam a diversificar o perfil de estudantes do ensino superior e a alargar as bases de captação de novos alunos.

À aposta nos estudantes internacionais, deve juntar-se a captação dos alunos do “ensino secundário profissional e da população adulta, aos quais o sistema ainda não dá uma resposta adequada”, refere o relatório.

No caso dos adultos, apenas 4% da população entre os 30-39 anos está envolvida em processos formativos, o que é relativamente baixo comparando com valores internacionais.

O relatório aponta assim para uma aposta nos Cursos Técnicos Superiores Profissionais (CTeSP) (no caso dos Politécnicos) e na educação ao longo da vida, como forma de combater entraves demográficos que são inevitáveis (entre 2020 e 2035, a população portuguesa entre os 20-29 anos deverá diminuir cerca de 14% em Portugal).

Ministra diz que aplicação do novo modelo de financiamento terá período de transição

A apresentação do relatório decorreu esta segunda-feira (19), na Academia das Ciências de Lisboa.

Depois de elogiar a qualidade técnica e científica do documento, a ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Elvira Fortunato, assegurou que as “alterações ao modelo de financiamento serão realizadas de forma gradual“.

Nos próximos meses, vai ser feito um debate envolvendo todas as instituições de ensino superior, acrescentou.

Neste momento, está em vigor o Contrato de Legislatura 2020-23, pelo que é expectável que as novas regras venham a ter efeito depois dessa data, a partir do Orçamento do Estado de 2024.

Artigo editado por Filipa Silva