Com uma revisão constitucional à vista, em 2023, vários partidos propõem que se passe a votar a partir dos 16 anos. Estarão os jovens preparados para o fazer? E que oportunidades encontram nas suas comunidades para participar na vida política?

Greve, Greve Climática Estudantil, Porto

Greve climática estudantil, no Porto, em 2019. Foto: César Castro

Dentro de poucas semanas, mais precisamente a 4 de janeiro, toma posse no Parlamento a comissão de revisão constitucional.

Entre as alterações que vão estar em cima da mesa, encontra-se a proposta para reduzir para 16 anos a idade mínima para votar.

A atualização do artigo 49.º é defendida por vários partidos e visa assegurar o “direito de sufrágio [a] todos os cidadãos maiores de dezasseis anos”, lê-se nos documentos que o Bloco, PSD, PAN e Livre fizeram entrar no Parlamento, em novembro, com uma letra de lei comum.

Contudo, PS, IL e Chega não alinham neste ponto com os restantes partidos, enquanto o PCP se colocou à margem do processo de revisão constitucional (uma nota de gabinete de imprensa dos comunistas classifica a iniciativa de “desvirtuamento e mutilação da Constituição da República”).

Para que haja mudanças efetivas da lei fundamental é necessária uma maioria de dois terços do hemiciclo, pelo que, sem o acordo entre PS e PSD, não será possível pôr em prática esta alteração. Contudo, o processo de revisão constitucional ainda está no início. Para já, foram apenas submetidas as propostas dos partidos com representação parlamentar, pelo que tudo é possível quando for aberta a negociação entre as partes, em 2023.

Independentemente do desenlace que o processo político-partidário da revisão constitucional venha a conhecer (previsivelmente algures em 2023) estarão os jovens condenados a conquistar a sua maioridade política através do recenseamento eleitoral? E, portanto, a ter que esperar que lhes seja outorgada por essa via a condição de cidadãos ativos e conscientes? Ou existem outras formas de participação na vida pública igualmente relevantes e que os conseguem mobilizar desde tenra idade?

O JPN foi conhecer o Orçamento Participativo Jovem (OPJ), um projeto que ajuda os jovens a contribuir para melhorar a vida em sociedade, a construir a sua personalidade política e uma visão própria do mundo.

Orçamento Participativo Jovem: uma forma de aprender a “fazer coisas para os outros”

Catarina Cunha tem 19 anos e é natural de Sobrado, Valongo. Ao telefone, com o JPN, recorda a participação no OPJ do seu concelho, quando ainda tinha 16 anos: “Estávamos no 10.º ano e quis participar, porque achei que era importante ser ouvida, dar um contributo para a sociedade”.

Entre os ganhos adquiridos com a participação no projeto, a agora estudante de Ciências Farmacêuticas destaca as “aprendizagens gratificantes” que foi tendo e uma em particular: “Para deixarmos uma marca de algum tipo, não é necessário fazer algo de grandioso”.

O Instituto Português do Desporto e da Juventude define o OPJ como um “processo de participação democrática no âmbito do qual os cidadãos podem apresentar e decidir projetos de investimento público”. Foi desenhado, portanto, com o objetivo de aproximar os jovens da vida política

No país, há vários OPJ a serem desenvolvidos à escala municipal. Em comum, têm o facto de canalizar parte do orçamento camarário anual para a implementação de projetos que são concebidos e propostos por jovens.

No caso de Catarina Cunha, decidiu participar com Clara Costa. Estavam então no 10.º ano e tinham ambas 16 anos. Clara, hoje a estudar Medicina Veterinária, explica que a vontade das duas colegas de escola era “incluir faixas etárias distintas” no projeto que queriam apresentar.

Em 2019, foram um dos projetos vencedores na categoria ‘Gerações’ (existem ainda, no caso do OPJ de Valongo, as categorias ‘Escolar’ e ‘Extraescolar’) com o projeto “Conta-me Histórias”, que previa a recolha e publicação num e-book de um conjunto de lendas e tradições oriundas das comunidades das Serras do Porto. O projeto foi aprovado e recebeu, para o efeito, 10 mil euros de apoio financeiro.

Clara sublinha que ter participado como proponente do “Conta-me Histórias” permitiu-lhe “deixar alguma marca” na sua comunidade e sentir “que tinha feito alguma coisa”. A isto juntam-se diversas aprendizagens centrais para o exercício da cidadania: “Conheci muitas pessoas, aprendi a falar em público e a fazer coisas para os outros”.

Perguntas e respostas sobre o Orçamento Participativo Jovem

Quem promove? Neste momento, as autarquias são as principais entidades promotoras.

Quem pode participar? Residentes e, nalguns casos, estudantes não residentes.

Quais as idades dos participantes? As balizas etárias variam de acordo com a entidade promotora. Pode começar aos 6 e terminar aos 35 anos.

Como participar? A tendência, sobretudo depois da pandemia, é a digitalização de todo o processo.

Quais as fases do processo? Elas variam e são ajustáveis, de acordo com cada entidade promotora. Em geral, podemos falar das etapas seguintes:

Divulgação do projeto na comunidade |

Submissão de propostas online |

Validação das propostas por uma Comissão Técnica |

Inscrição para votar |

Gravação de pitch (vídeo curto) com as propostas validadas |

Campanha de divulgação das propostas nas redes sociais |

Votação para a escolha dos projetos |

Implementação |

Transferência para o online faz aumentar participação

Na Câmara Municipal de Santo Tirso (CMST), o OPJ é promovido desde 2014. Inicialmente, o formato era diferente do atual: “Fazíamos a divulgação [sobretudo nas escolas] e depois tínhamos Assembleias Participativas onde, na hora, os jovens apresentavam as propostas”, refere Célia Antunes, do Serviço de Juventude e Voluntariado da CMST.

Nesta fase, os plenários eram meramente consultivos: cabia ao Executivo municipal tomar a decisão final sobre os propostas a financiar.

A partir de 2018, o processo passa a ser realizado online e torna-se integralmente deliberativo, isto é, o poder de decisão passa a resultar dos votos dos jovens inscritos para o efeito.

Paralelamente, as redes sociais ganham também protagonismo. São espaço privilegiado para os jovens proponentes divulgarem os seus projetos e fazerem campanha junto dos potenciais votantes.

Isto resultou num aumento de propostas e crescimento global da participação, explica Célia Antunes: “No modelo presencial tivemos, no máximo, 364 votantes e 34 proponentes. No modelo novo, à exceção do ano da pandemia, que foi atípico, chegámos aos 1.358 votantes e 44 proponentes”.

Consolidação nas autarquias contrasta com suspensão decretada pelo governo central

Olhando em concreto para a Área Metropolitana do Porto, nos últimos três anos o OPJ desenvolveu-se pelo menos nos seguintes concelhos: Santo Tirso, Póvoa de Varzim, Famalicão, Valongo, Trofa, Paredes, Maia, Vila Nova de Gaia e Vale de Cambra.

Os orçamentos municipais alocados à iniciativa variam substancialmente de concelho para concelho. Em Santo Tirso, por exemplo, as verbas não excedem os 120 mil euros, para um máximo de duas propostas. Em alguns casos, porém, as verbas são bem mais generosas, como é o caso de Vila Nova de Gaia, que atingiu, na edição mais recente, um valor global de 360 mil euros. Valongo decidiu aumentar recentemente a verba alocada, que passou de 150 mil a 200 mil euros.

São sinais de consolidação deste instrumento ao nível municipal, o que se contrapõe à interrupção do projeto de âmbito nacional, verificada em 2019, depois de três edições bem sucedidas.

Em resposta a questões colocadas pelo JPN por email, a Secretaria de Estado do Desporto e Juventude refere que “não está previsto que este programa venha a ser retomado futuramente, considerando a complexidade para a implementação de alguns projetos”, ressalvando, contudo, que é uma “decisão política que pode ser alterada”.

As atividades selecionadas entre 2017 e 2019 foram financiadas com fundos próprios do IPDJ, I.P., estimando-se que todos os projetos apoiados ao longo das três edições nacionais do OPJ estejam concluídos em 2023/24.

A Secretaria de Estado sublinha, contudo, que existem diversas iniciativas do Executivo que visam “a promoção da participação dos jovens”, como o “Parlamento dos Jovens”, o concurso “EUROSCOLA”, o programa de voluntariado jovem “Voluntariado Jovem 70 JÁ – Direitos da Juventude” e o Plano Nacional de Incentivo ao Associativismo Jovem . Em termos globais, as medidas previstas no II Plano Nacional para a Juventude preveem um investimento de “de três mil milhões de euros em três anos (44% com origem em fundos europeus)”.

Jovens pelo clima Foto: Angela Pereira

Os jovens conduzem o processo, enquanto a escola desempenha papel nos bastidores

Resta, assim, pelo menos para já, a implementação da iniciativa a nível local e aí diversos estabelecimentos de ensino apoiam as autarquias na divulgação dos projetos e na angariação de participantes para os OPJ.

Ana Carla Campos, professora na Escola Secundária Rocha Peixoto, situada na Póvoa do Varzim, envolveu-se com os seus alunos na preparação e candidatura de um dos projetos vencedores do OPJ 2021 do concelho varzeense.

Concebido em época de pandemia, o “Xeque-Bike” utilizou financiamento superior a 21 mil euros para construir um abrigo de bicicletas na escola e fornecer o clube de xadrez de professores e alunos com um tabuleiro gigante que permitisse praticar o jogo com o distanciamento social exigido na época.

Foi importante para a “participação em grupo, capacidade de liderança e de cooperação com os outros”, explica Miriam Marques, que foi uma das proponentes do projeto, quando tinha 15 anos.

Ana Carla Campos considera que cabe aos docentes “estar nos bastidores. Deixar os jovens fazer, serem eles o motor e os condutores, mas estar sempre nos bastidores para garantir que eles não caem”.  

Embora considere que o projeto “não é uma forma de fazer política”, a responsável pela disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, admite que o OPJ “é uma forma dos jovens se tornarem cidadãos participativos na sua comunidade” e de motivá-los à “participação nas estruturas da cidade”.

Miriam concorda com a antiga professora: os jovens empenham-se no OPJ porque ele trata de assuntos que lhes dizem respeito e que têm resultados imediatos. A política, pelo contrário, “precisa de tempo, os resultados demoram a chegar”.

Um debate que ainda não terminou e que se quer participado 

A experiência do Orçamento Participativo Jovem pode ter aproximado Catarina Cunha e Clara Costa, as proponentes do projeto “Conta-me Histórias”, no OPJ promovido pela Câmara de Valongo, mas nem por isso elas concordam no que à possibilidade de voto a partir dos 16 anos diz respeito.

“Uma adolescente de 16 anos já sabe o que deseja para a sua vida”, defende Clara, mais tendente a aceitar a redução da idade para votar. “Para votar é preciso ter maturidade e consciência”, contrapõe Catarina, mais desconfiada da eficácia da medida: “Vai depender do jovem e da vontade que ele tenha para participar”.

Estarão os jovens preparados para enfrentar este desafio a partir dos 16 anos? O debate prossegue, nos próximos meses, à boleia do processo de revisão constitucional.

Artigo editado por Fernando Costa