Na Avenida dos Aliados, ainda longe da hora marcada para o início da greve de professores (11h), o trânsito nas ruas do Porto já era maior do que o habitual. Docentes do distrito saíram à rua “em união pela educação”, como se podia ler em várias camisolas. Soaram vozes de protesto e ergueram-se cartazes pelo reconhecimento dos direitos dos docentes em Portugal. 

A paralisação pelos 18 distritos foi iniciada a 16 de janeiro, em Lisboa, com uma adesão “extraordinária”, nas palavras de Mário Nogueira, de 90%. O ciclo de greves distritais terminou hoje, no Porto, e está já agendada uma reunião com o Ministério da Educação para o dia 15 ou 17 deste mês (data inicialmente prevista para os dias 10 ou 11).

Em causa está a negociação do regime de concurso de professores, a contagem do tempo de serviço, as quotas e vagas na carreira docente, a mobilidade por doença, a aposentação dos professores e, ainda, a duração dos horários de trabalho. 

A medida mais urgente para os presentes era indiscutível: repor seis anos, seis meses e 23 dias de tempo de serviço perdido. A contagem dos anos de trabalho continua a ser uma das principais reivindicações dos sindicatos e uma possibilidade já afastada pelo primeiro-ministro. António Costa, a 18 de janeiro, em declarações aos jornalistas, afirmou: “Não posso resolver o passado. Mas posso garantir que no futuro não se repetem estas situações”. 

O futuro da educação é posto em causa: com instabilidade e falta de ajudas não há “quem queira ser professor”

De entre as várias queixas, surge, em destaque, a carreira. “Tanto faz se é uma pessoa a acabar o curso e entrar na profissão como alguém que já está há trinta anos – ganha exatamente a mesma coisa”, explica Deolinda Marques. Em concordância, João Marinho, professor de educação física há 20 anos, afirma que a instabilidade “faz com que hoje em dia ninguém queira ser professor – e isso vai ter grandes consequências para o futuro do nosso país”.

Algumas das vozes que se destacaram na manifestação são de professores contratados, como é o caso de Marlene Pinto, de 42 anos. “Como contratada já trabalho para o Ministério da Educação desde 2004. Todos os anos fico numa escola diferente e bastante longe de casa”, conta. A professora da Póvoa de Varzim revela ao JPN que, ao longo da carreira, já passou por inúmeras cidades. Em consequência do vaivém que tomou conta do seu dia a dia, o trabalho afetou a estabilidade familiar

Mas não é só – realça-se o contraste do cenário vivido pelos professores em relação a outros serviços. “Noutros setores do nosso país, nomeadamente no jurídico, por exemplo, se um juiz for mobilizado para outra comarca, automaticamente tem subsídios. Nós não temos”, diz Bruno Fonseca, professor há 23 anos. Reforçando a problemática, Carmo Marques, educadora de infância, retrata a história de colegas contratadas que, ao longo de trinta anos de serviço, não tiveram quaisquer ajudas em custos de deslocação ou alojamento.

Aos docentes que fizeram encher os Aliados, juntaram-se alguns alunos, como Tiago –  que conversou com o JPN enquanto segurava uma faixa, juntamente com os colegas. O jovem de 17 anos sonha, um dia, ser professor: “Juntei-me porque [os professores] já nos ajudam tanto que acho que, desta vez, devíamos ser nós a ajudá-los nesta luta. É deles, mas também é nossa”.

Não foram só docentes que se manifestaram – os alunos também marcam presença na paralisação. Foto: JPN

Apesar da avenida ter estado cheia, houve quem não pudesse participar devido a convocatórias para assegurar serviços mínimos. “Houve, por parte do tribunal arbitral, uma imposição de mínimos para as greves do S.TO.P. – mas para as greves distritais não”, explica Carmo Marques. E continua: “Está a haver, por parte das direções dos agrupamentos, leituras erradas e estão a fazer essa imposição”. 

Existiam greves marcadas para o mesmo dia por vários sindicatos e, apesar da deliberação do Colégio Arbitrarial incidir apenas sobre o S.TO.P., a Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP) não ficou esclarecida. Perante as dúvidas que surgiram, a decisão da direção dos agrupamentos foi a de convocar os serviços mínimos para a greve distrital do Porto.

Elisa Castro, professora de história de 60 anos, não acredita num futuro compromisso que possa conciliar as exigências dos sindicatos com as condições estabelecidas pelo governo. “Tenho algumas dúvidas, porque acho que o governo está a apostar no arrastamento da situação para nos deixar com menos margem”, explica. Já Ana Rosas, de 50 anos e no ensino há 24, mantém a esperança num futuro para o processo negocial, apesar das dificuldades impostas. E sublinha: “É por isso é que estamos aqui”.

Apesar de o ciclo de greves distritais ter terminado, Mário Nogueira garante que as manifestações não vão ficar por aqui: “Estamos muito longe de parar a luta”, conclui o secretário-geral da Fenprof. 

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira