Sofia Pinto da Silva tem 52 anos e é professora de educação visual numa escola básica, em Vila do Conde. Descobriu a paixão pela pintura quando frequentava o curso de Belas Artes e, logo a seguir, surgiu o gosto pela ilustração. Até hoje, o sonho ainda não se apagou.
Para Rómulo de Carvalho, o sonho “é uma constante da vida tão concreta e definida como outra coisa qualquer”. Para Sofia Pinto da Silva, escritora e ilustradora, o sonho “é tela, é cor, é pincel”.
Quando descobriu o curso de Belas Artes, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, “não estava muito convencida de que a pintura fosse para si”. No entanto, o destino encaminhou-se de lhe mostrar que, por vezes, a incerteza também se pode tornar numa certeza surpreendente.
Sofia acredita que a pintura não é um hobby, porque “quando pintas, entras num mundo único“. Para explicar este conceito, conta-nos a história curiosa de um professor de Belas Artes que quando estava no atelier, no sótão da sua casa, não deixava ninguém entrar. Na altura, para Sofia, aquilo soou estranho: “Como é que ele podia ter um espaço em casa onde não podia entrar ninguém?”, perguntou-se.
Hoje, compreende o que o professor dizia. “Quando começas o teu processo criativo ficas presa, porque há algo dentro de ti que tens que pôr cá fora. Nessa altura, fechas-te no teu mundo e só consegues sair dele, quando sentes que aquilo que era parte de ti está pronto para ser dos outros”.
Foi a ilustração que despertou o interesse da pintora. Desde muito cedo, começou a criar pinturas baseadas em poemas. “Nessa altura, em Portugal, a área da ilustração não tinha muita relevância, não se ensinava na escola, portanto, não sabia que o que estava a fazer era ilustrar”. Mais tarde, quando os seus filhos nasceram, começou a gostar de inventar histórias para lhes contar. “Lentamente, essas histórias foram passando para o papel em forma de escrita e também em forma de desenho e pintura”.
Sofia nunca experimentou ilustrar uma história que não tivesse sido escrita por si, por isso, a ilustração surge ao mesmo tempo que a criação de história. “É um processo complexo. A primeira coisa a fazer é dar uma forma à personagem principal.” Já escreveu e ilustrou vários livros, uns publicados, outros não. O primeiro livro infantil que deu à estampa foi “A menina que queria consertar corações“.
A artista confessa que um dos maiores desafios é conseguir construir uma personagem coerente ao longo das páginas, “pelo menos na minha forma de desenhar, porque para além de ser necessário desenhar a personagem em diferentes posições, ainda é preciso conseguir que ela transmita as emoções necessárias para contar a história.” Tudo isto requer muitas horas de trabalho, que quase nunca passam despercebidas quando passamos os olhos pelas ilustrações que fazem brilhar os nossos olhos.
Sobre o poder mágico que as ilustrações podem ter para quem lê um livro, Sofia acredita que o tempo da leitura na infância, quando a criança ainda não tem a capacidade de ler sozinha, pode ser um tempo propício para a criança ser transportada para uma realidade fora dela, no contacto com novas formas e novas cores.
O obstáculo de manter vivo o sonho
Sofia Pinto da Silva dá aulas de educação visual (EVT) na EB2/3 Doutor Carlos Pinto Ferreira, em Vila do Conde. Todos os anos, quando vê os blocos de desenho nas mãos dos alunos, relembra-se de que “o que cada um pode fazer numa folha em branco é único”. Questionada sobre se desempenhar o papel de professora pode ser uma forma de manter vivo o sonho de viver da arte, Sofia não hesita na resposta: “Se significa que posso mostrar aos outros o valor da arte, então, sim”.
Para si, um ano letivo bom, “é aquele em que consegue trabalhar em conjunto com os alunos, ajudando-os a criar pequenas obras de arte que lhes permitam ter mais confiança neles próprios”.
Quando começou a escrever, um dia decidiu enviar os originais para algumas editoras. Volvidas duas semanas, recebeu uma resposta de uma delas. “Fiquei mesmo contente porque alguém tinha gostado do que eu tinha escrito. Rapidamente se marcou uma reunião e lá fui eu, com uma capa cheia de sonhos para mostrar”.
Na reunião disseram-lhe que queriam conhecer a pessoa que estava por trás das histórias e na altura não compreendeu. “Umas semanas mais tarde, voltaram a entrar em contacto comigo para me dizer que tinham decidido publicar as minhas histórias, mas era eu que tinha que assegurar os custos da edição. Para mim, isso não fazia qualquer sentido e recusei”. Para a professora, “o artista tem o papel de criar, não tem que pagar pelo que criou”.
Portugal é dos países da União Europeia que menos investe na cultura, menos de 1% do PIB é direcionado para este setor. À luz da sua experiência e do retrato do que sucede no país, a pintora e ilustradora considera que ” a cultura é muito pouco valorizada em Portugal”.
Com o desejo de um dia poder viver apenas da arte numa mão e a necessidade de ter um trabalho garantido na outra, a vontade de lutar pela paixão pela arte é o que motiva Sofia a continuar. No final do dia, perdura o pensamento: “Chegamos? Não chegamos? Haja ou não haja frutos, pelo sonho é que vamos”.
Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro
Este artigo foi realizado no âmbito da disciplina TEJ II – Online