De acordo com a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA), a gaivota-de-patas-amarelas, espécie cientificamente designada por “Larus michahellis”, adaptou-se “extraordinariamente bem à presença humana”No entanto, a migração intensiva de gaivotas para os espaços urbanos tem acarretado alguns riscos, e é nesse sentido que surge o Plano de Ação para o Controlo da População de Gaivotas nos Municípios Costeiros da Área Metropolitana do Porto (AMP).

Um dos pilares abrangidos pelo plano da AMP consiste em “impedir e minimizar a reprodução em espaço urbano”. Entre os métodos previstos para o controlo da espécie, está o “uso de parafina ou óleo alimentar nos ovos, para criar uma camada que impeça as trocas gasosas entre o embrião e o exterior”. 

A estratégia é inspirada numa experiência desenvolvida em Nice, na França. Tem a vantagem de excluir, como se lê no documento, “o problema associado a posturas de substituição” – isto é, o facto de não alterarem o local onde fizeram ninho. As aves continuam a proteger os ovos, mas estes são neutralizados com “óleo impermeabilizante” através da ação de drones adaptados que alcançam os ninhos de difícil acesso, revela o estudo. 

Em causa estão os concelhos de Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim e Vila do Conde. Segundo o plano de ação, durante o período de reprodução da espécie – entre os meses de abril e maio/início de junho -, “cada município deverá desenvolver um programa de controlo de nidificação”

Os restantes pilares centrais do estudo são a “obtenção de uma licença geral do ICNF (Instituto de Conservação da Natureza e Florestas) para controlo das gaivotas urbanas”, “tornar a AMP menos atraente para as gaivotas” e “assegurar a continuidade do plano de ação e a revisão periódica do mesmo”. 

Para os civis que alimentam as gaivotas em casa ou na via pública, o referido estudo equaciona também a eventual aplicação de “penalidades“, mediante “regras claras, consistência na atuação e transparência nos processos”. 

Em casos extremos, segundo o plano mencionado, “os municípios devem obter do ICNF uma licença excecional para captura e abate de gaivotas urbanas”. Questionada pelo JPN, Inês Sousa Real, deputada do PAN, refere, porém, que a solução para o desequilíbrio da biodiversidade que a espécie cria nas cidades “não pode ser o abate, nem soluções que passem pela fragilização do lado do animal”.

Já há, nesse sentido, alternativas em prática. Em algumas esplanadas de Gaia e do Porto já se encontra em vigor o treino de quatro águias-de-Harris para dispersar a população de gaivotas, sem perturbar o natural desenvolvimento da espécie. Segundo informações divulgadas pelo Diário de Notícias, a responsável da empresa falcoeira, Joana Silva, esclareceu à Lusa que “na maioria das vezes, basta estarem no local para que as gaivotas voem para longe”.

A investigação resulta de uma colaboração, desenvolvida em 2021 e 2022, pela Floradata, empresa de consultoria especializada em biodiversidade, ecologia, ambiente e recursos naturais, e pela Wedotech, empresa de I&D e consultoria técnica em Engenharia do Ambiente. 

Contactada pelo JPN, a AMP não adiantou mais pormenores do estudo, dado que ainda não está confirmada a sua implementação

Gaivotas invadiram os espaços urbanos – mas podem ser consideradas uma “praga”?

Entre os riscos delineados no documento está a saúde pública – devido à possibilidade de estas aves serem portadoras de doenças. Somam-se os roubos de comida em espaços ao ar livre, como esplanadas e jardins. Assinalam-se, ainda, prejuízos ao nível económico, decorrentes do impacto dos custos de manutenção e substituição de equipamentos (como painéis solares e caleiras, por exemplo) e da limpeza de excrementos nas infraestruturas das cidades.

A “agressividade (real ou percebida)” das gaivotas, destacada no documento, resulta, na opinião de Inês Sousa Real, do impacto da ação humana e do “de desequilíbrio profundo em que vivemos”. “Não existe alimento no seu habitat natural por força da pesca super intensiva”, refere. A solução, na opinião da deputada, passa pelo cumprimento das quotas de pesca estabelecidas e pela reconstituição de habitats e locais de alimentação destas aves.

Apesar de não estar a par do Plano de Ação em questão, Álvaro Almeida, professor de Economia e deputado do PSD, conhece o problema. Aquando da candidatura à Câmara do Porto, nas autárquicas de 2017, realçou a necessidade de terminar com a “praga de gaivotas” na Invicta.

Em conversa com o JPN, Álvaro Almeida afirma que a neutralização dos ovos já era, na altura, uma das soluções discutidas com os peritos e a medida que “era vista como a que mais eficácia teria, no sentido de controlar a dimensão da população”. 

Segundo o deputado, apesar de não ser uma medida fácil de executar, “controlar o depósito dos lixos e limitar o acesso das gaivotas seria, do ponto de vista da saúde pública, a solução com melhores resultados.”

Porto é a cidade-hóspede de 61% dos ninhos

É no distrito do Porto que a maioria da população, fixada em ambiente urbano, se localiza, de acordo com o Censo Nacional de gaivota-de-patas-brancas. Dos 794 registos de nidificação ou comportamento reprodutor, analisados pelo Plano de Ação para o Controlo de Gaivotas relativo à AMP, 61% dos ninhos concentram-se na Invicta. A análise relata que “a grande maioria (…) situa-se em edifícios particulares (cerca de 90%), maioritariamente em telhados tradicionais (85,5%)”.

Segundo Álvaro Almeida, esta “é uma espécie predadora que afasta outras espécies”.  No caso, “deixamos praticamente de ter pombos na cidade porque as gaivotas os expulsaram e são um perigo de saúde pública, na medida em que estão sempre a mexer no lixo”, explica o professor. 

Segundo o plano que prevê controlar as gaivotas na AMP, as regiões que albergam mais de gaivotas são a “zona da Ribeira, Sé e Vitória (Porto)”. Por se tratarem de locais com “alguma concentração de turistas“, apresentam “maior disponibilidade de alimento”, e por isso, são propícias à fixação das aves. 

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira