“Lear”, uma criação do Teatro da Didascália e do Teatro do Bolhão, dá vida ao texto de Shakespeare sob a visão e encenação de Bruno Martins. Estreia a 17 de fevereiro no Teatro-Cinema de Fafe; de lá, segue para o Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim, com apresentação a 2 de março.
Bruno Martins, ator e diretor-artista da companhia de Famalicão, trabalhou lado a lado na montagem da peça com o antigo professor, António Capelo – fundador e diretor da escola de teatro e companhia do Porto. À semelhança da personagem que interpreta, o rei Lear – que, na história, é guiado pelo seu leal servidor, Kent -, também Capelo é conduzido pelo seu aprendiz nesta produção.
Durante o ensaio de imprensa, que decorreu a 8 de fevereiro no Teatro do Bolhão, o JPN esteve à conversa com o elenco. Na obra de Shakespeare de 1606, o rei, que está prestes a morrer, pretende deixar o reino às suas três herdeiras – dividindo-o de acordo com o afeto que as filhas demonstram ter por ele. Por um lado, retrata urgência na continuidade de um legado. Por outro, a necessidade de cuidados e proteção durante a velhice.
Apesar de abranger várias gerações da ACE Escola de Artes, o elenco é composto, em grande parte, por jovens atores. Olhando para a ideia de legado, Bruno Martins faz um paralelismo entre a equipa e a obra a que dão vida. “[Os atores] foram formados, digamos, pelos mestres, como o Capelo”, explica Bruno Martins. Tendo isso em vista, o encenador quer reiterar que mesmo uma obra “tão intensa e tão complexa como o “Lear”, pode ser dirigida por uma geração mais nova”. Aliás, a juventude não impede que se dirija um ex-professor, “como é o meu caso”, completa.
Aludindo particularmente à relação com Capelo na peça, Bruno Martins afirma que “não é tanto a ideia de mandar, mas de estar ao [seu] serviço”, com o propósito de “colocar este Lear em cena”.
A tragédia edifica-se em frente ao público, para que sintam que a fizeram acontecer
No início da peça, os atores agem como se ainda estivessem a criar a personagem, como que em modo de ensaio. Gradativamente, o espetáculo vai ganhando corpo, quase num processo de descoberta de si mesmo.
É esta a visão de Bruno Martins para a tragédia clássica – uma peça que se constrói, por si, ao longo dos atos. “É como se o elenco ainda não tivesse sido escolhido” e o conceito experimental estende-se sobre a própria cena e sobre papel que as personagens vão ter, explica. “A peça vai-se compondo ou ficando mais teatral, se quisermos, à medida que vai avançando”, completa.
O ator e também encenador João Paulo Costa, que interpreta a personagem de Bobo da Corte, explica que, na interpretação de Bruno Martins, “há uma parábola interessante que tem a ver com a própria evolução do teatro“. Sendo uma obra com vários séculos, exibida “milhares de vezes” surge espaço para que não seja “apenas mais uma maneira de o fazer de novo”. Continua que em “Lear”, como a peça nunca está completamente construída, o público sente que integra a sua montagem, o que “é muito interessante”.
Em relação às expetativas da apresentação, Bruno Martins espera que o público sinta que, a par dos atores, está a descobrir e a edificar o espetáculo. “Queria que sentissem que foi porque eles apareceram que a peça aconteceu”, declara.
O legado do teatro nas mãos das novas gerações – cruzando caminho com as mais antigas
Sobre cruzar caminho com o antigo mentor, Bruno Martins partilha com o JPN que, no teatro, se criam “raízes muito fortes”. “Não perdemos os nossos mestres”, admite. No entanto, salienta a importância de seguir o próprio caminho: “Acho que às vezes temos que roer o nosso cordão umbilical e tornarmo-nos independentes“.
Na mesma linha, António Capelo avança que o que espera dos alunos é que sigam o seu rumo, para depois se encontrarem profissionalmente, como em “Lear” e “sentir que fizeram o seu caminho positivamente”. Mas mais que isso, revela que, ao “passar o testemunho das coisas”, espera ajudar a manter o teatro vivo. “Não gostaria que, no dia que deixasse de o fazer, isto parasse”, declara o ator.
O projeto estreia no âmbito da Odisseia Nacional do Teatro Nacional D. Maria II, uma iniciativa que tem como objetivo disseminar a sua atividade artística pelo país, através de parcerias com teatros nacionais. “Propõe-se, ainda, a relacionar o pensamento contemporâneo com as identidades locais”, lê-se no site da instituição.
“Lear” conta com dramaturgia de António Capelo e do seu ex-aluno. A interpretação é de Ana Fonseca, Anabela Sousa, António Capelo, Eduardo Breda, Inês Garcia, João Figueiredo, João Paulo Costa, Matilde Cancelliere, Paulo Calatré e Pedro Couto.
Além da presença em Fafe e na Póvoa de Varzim, a peça vai passar, ao longo do mês de março, pelo Cine-teatro João Verde em Monção, Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, Casa da Cultura de Ílhavo, terminando no Palácio do Bolhão.
Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira