Grupo de católicos defende suspensão provisória dos padres acusados de abusos sexuais, apesar da Conferência Episcopal Portuguesa se recusar a fazê-lo. Comissão Independente reuniu com membros do governo para analisar relatório que contém o nome dos 100 padres denunciados. Memorial às vítimas proposto pela hierarquia da Igreja suscita interrogações.

Conferência Episcopal recusa-se a suspender preventivamente padres alvos de suspeitas. Foto: Cipote Carranza/ Pexels

A associação Nós Somos Igreja (NSI) defende que a Igreja deve suspender preventivamente os padres acusados de abusos sexuais de menores. Alfreda Ferreira da Fonseca, refere, em conversa com o JPN, que a medida é de “elementar bom senso”.

A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais na Igreja Católica (CI) entregou, a 13 de fevereiro, o relatório “Dar Voz Ao Silêncio”, contendo uma lista com 100 nomes de alegados abusadores sexuais, alguns dos quais ainda se encontram em atividade.

No entanto, o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, afirma que a Igreja e as autoridades só poderão agir “se a lista for preenchida com factos”, que comprovem os abusos.

No domingo (5), em declarações aos jornalistas, no final da homilia que encerrou a procissão do Senhor dos Passos da Graça, o Cardeal afirmou que “estamos num país de lei e qualquer pessoa que seja acusada, tem de saber do que é acusada. Está sujeito a contraditório. A suspensão só pode ser dada pela Santa Sé depois de um processo canónico”.

Esta posição está a causar polémica entre alguns grupos de católicos. Alfreda da Fonseca, da “Nós Somos Igreja”, admite que a medida “pode causar danos” à imagem da instituição religiosa, mas “não é a imagem da igreja que nos interessa, são as vítimas”

Falando também no domingo (5) à imprensa nacional, o bispo-auxiliar de Lisboa, D. Américo Aguiar referiu que “não se pode diabolizar uma lista de nomes que não diz absolutamente nada”.

Contudo, o Bispo-auxiliar garante que em caso de crime ou encobrimento, a opção a ser tomada é a suspensão. D. Américo afirma que proporá “a autossuspensão”, caso o seu nome se encontre na lista entregue pela CI, sugerindo que esse é o caminho a seguir pelos padres denunciados.

Outro tópico que tem sido discutido é a questão do pagamento de indemnizações às vítimas. Sobre o assunto, D. Manuel Clemente referiu que a compensação financeira “não deve partir da Igreja”, mas sim de quem cometeu os abusos.

Em sentido contrário, a representante da Nós Somos Igreja afirma que as instituições onde os abusadores estavam a trabalhar “têm evidentes responsabilidades morais, jurídicas e económicas”. Alfreda da Fonseca garante que neste caso também se trata de “um problema interno da igreja” e que algumas dioceses “falharam com o desempenho das suas funções”.

“Mais importante do que as indemnizações, é o tratamento psicológico das pessoas que são vítimas. Também os abusadores precisam de tratamento psiquiátrico para evitar circunstâncias futuras”, afirmou a professora de filosofia que integra o grupo de católicos.

Comissão Independente aponta para um número mínimo de 4.815 vítimas de abusos. Foto: Cottonbro Studio/ Pexels

Comissão Independente reúne com Ministérios da Justiça e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social

As ministras da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, e do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, reuniram na sexta-feira (3) com a Comissão Independente para analisarem o relatório “Dar Voz Ao Silêncio”.

Em comunicado divulgado no site da República Portuguesa, os membros do executivo garantem que foram já “ponderadas algumas linhas de atuação futura”. Entre elas está a “continuidade ao procedimento legislativo já em curso” quanto à contagem do prazo de prescrição de crimes contra “a liberdade e autodeterminação sexual contra crianças”.

Esta medida surge com a intenção de “dirigir maior proteção às vítimas de crimes” de abusos sexuais. A reunião entre a CI, liderada por Pedro Strecht, e os dois ministérios tem, por outro lado, a intenção de aumentar a sensibilidade pública e a “operacionalização de políticas públicas de prevenção e de combate ao fenómeno” dos abusos sexuais de crianças e menores.

Memorial às vítimas gera dúvidas

Na sexta-feira (3), a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) anunciou que “as várias dioceses e instituições religiosas vão analisar a lista de alegados abusadores”. “Estamos disponíveis para acolher a vossa escuta através de um grupo específico, que será articulado com a Equipa de Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis”, pode ler-se no comunicado final da Assembleia Plenária Extraordinária da CEP.

A CEP propôs ainda a construção de um memorial às vítimas dos abusos sexuais, para as celebrações das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ). Falando em nome pessoal, Alfreda Ferreira da Fonseca garantiu, em declarações ao JPN, que “o gesto público de perdão” lhe parece bem, mas confessa que a elaboração de um memorial “não faz muito sentido”. A professora espera que a questão da construção do memorial seja “melhor esclarecida” por parte dos bispos e afirma que a abordagem deste tema é importante para as JMJ.

A Comissão Independente validou 512 dos 564 testemunhos que recebeu e apontou para um número mínimo de 4.815 vítimas destes abusos. Vinte e cinco casos constantes do relatório foram reportados ao Ministério Público e originaram a abertura de 15 inquéritos, dos quais nove se encontram arquivados, e seis permanecem em investigação, esclareceu a Procuradoria-Geral da República à Lusa. Os testemunhos cedidos à Comissão Independente são referentes a casos ocorridos entre 1950 e 2022.

Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro