Há centenas de alunas intoxicadas desde novembro pela onda de alegados ataques que o ayattolah Ali Kahmenei classificou de “crime imperdoável”. Contudo, o governo iraniano não dá detalhes sobre as detenções e alguns ativistas responsabilizam as autoridades pelo sucedido.

grupo de alunos com hijab vistas de costas

Os envenenamentos nas escolas femininas no Irão continuam a ocorrer desde novembro. Foto: David Stanley/ Flickr

“Várias pessoas foram presas em cinco províncias” iranianas, declarou esta terça-feira (7) à televisão estatal, o vice-ministro do Interior, Majid Mirahmadi, suspeitas de serem responsáveis pelos envenenamentos que, nos últimos meses, vitimaram centenas de raparigas no Irão.  Mirahmadi não forneceu detalhes sobre os detidos, referindo apenas que está a ser levada a cabo uma investigação pelos serviços de inteligência.

Apesar da incidência de envenenamentos em escolas ocorrer desde novembro, foi somente esta segunda-feira (6) que o líder supremo Ali Kahmenei se pronunciou sobre o assunto pela primeira vez. O ayatollah referiu que estes alegados ataques constituem “um crime imperdoável” e que os autores “devem ser punidos com severidade”.

As detenções ocorreram num momento em que o governo iraniano tenta reprimir as críticas à sua atitude passiva perante os acontecimentos. Na segunda-feira (6) foram chamados a interrogatório três jornalistas e três dissidentes por questionarem a forma como o governo atuou.

Segundo os meios de comunicação do Irão, o presidente Ebrahim Raisi sublinhou a natureza “desumana” dos atos e a necessidade de investigar exaustivamente o que aconteceu. Também o ministro da educação iraniano, Yousef Nouri, se manifestou, pedindo desculpa pelo sucedido, através da televisão estatal. Paralelamente, Nouri afirmou que mais de 90% das raparigas que dão entrada nos hospitais não apresentam problemas de saúde, tratando-se apenas de “medo e preocupação”, conforme cita o Deutsche Welle.

Antes das detenções, o governo iraniano confirmou que foram encontradas “amostras suspeitas” durante a investigação. O Ministério da Saúde publicou também o primeiro relatório de investigação no qual se refere que “algumas alunas foram expostas a uma substância irritante inalável“, mas não adiantaram mais pormenores. Com afirmações e atitudes contraditórias, o governo aponta o dedo a “inimigos” sem especificar.

Um “ataque” às escolas femininas que dura há 4 meses

O primeiro caso de envenenamento em instituições de ensino iranianas foi reportado no início de novembro, na cidade santa de Qom. Desde então, o cenário tem vindo a repetir-se em numerosos estabelecimentos. Segundo o The Guardian, grupos iranianos de direitos humanos atestam que, pelo menos, 7068 estudantes foram afetadas em 103 escolas espalhadas por 28 províncias. Estes alegados ataques têm desencadeado uma onda de protestos que envolvem pais e professores.

Centenas de alunas têm sido hospitalizadas com o mesmo quadro sintomático – náuseas, problemas respiratórios, dores de cabeça, palpitações cardíacas, paralisia e letargia. Mais de mil raparigas confirmaram ter tido os mesmos sintomas e, segundo o Jornal de Notícias, algumas relatam ter sentido intensos odores de produtos de limpeza, cloro e tangerina.

Conforme menciona o The Guardian, a jornalista de direitos humanos Deepa Parent afirmou que “os ataques não são de todo sofisticados”. A jornalista adicionou que um médico com quem falou disse que, tendo em conta os sintomas, os envenenamentos poderão estar a ser causados por “um agente organofosforado fraco”, comummente usado como pesticida.

Manifestante com fotografia de Mahsa Amini

A morte de Mahsa Amini (na foto) espoletou manifestações por todo o país. Foto: Marximus Prime/ Flickr

O que poderá estar por detrás dos alegados ataques?

Entre as várias hipóteses levantadas, há quem defenda que os envenenamentos podem constituir uma vingança perpetrada pelas autoridades, no seguimento das inúmeras manifestações levadas a cabo por raparigas nos últimos tempos. As primeiras ocorrências  foram relatadas imediatamente após o início dos protestos desencadeados pela morte de Mahsa Amini, de 22 anos. A jovem de origem curda foi detida pela polícia da moralidade por não usar corretamente o hijab (lenço islâmico), violando o código de vestuário feminino. Segundo a sua família e os meios de comunicação locais, Amini foi violentamente espancada pela polícia e morreu três dias depois da sua detenção.

Tendo em conta que o começo dos incidentes nas escolas se seguiu aos protestos, “ninguém acredita que se trate de uma coincidência“, comenta a jornalista Deepa Parent. Esta acrescenta que “o que se ouve dos ativistas é que isto é uma vingança contra estas raparigas e as suas famílias“.

De acordo com a Sábado, alguns políticos apontam para um ataque pensado por grupos religiosos extremistas que se opõem ao acesso à educação por parte das mulheres, à imagem do pensamento talibã que se verifica atualmente no Afeganistão. Tratar-se-ia, portanto, de um aproveitamento da situação política para fazer com que os pais não deixem as filhas frequentarem escolas, através da promoção do medo.

Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro