“Está aberta a sessão do tribunal”. Foi assim que arrancou, ontem (7), na Faculdade de Direito da Universidade do Porto (FDUP), uma simulação de um julgamento por violação. Em causa estão os mitos e as realidades do crime e a forma como é tratado em julgamento.
A iniciativa surge através do projeto “Hoje, Não!” da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ), realizado em conjunto com o Coletivo Feminista da Faculdade de Direito (FEMfdup). Segundo Mariana Vilas Boas, da APMJ, o projeto visa “alertar a população estudantil“, sobretudo na área de Direito, para os preconceitos associados ao tema.
A representante da associação revela que estereótipos associados a autores e vítimas vigoram na sociedade e, consequentemente, na magistratura. Essas ideias “acabam por minar a equidade do sistema judicial” pois afetam, até determinado ponto, as decisões tomadas pelos tribunais. Mariana Vilas Boas explica que estes fatores podem até ser utilizados para pôr em causa a palavra das vítimas – ou justificar uma culpa diminuta para o acusado.
No anteceder da simulação, a associação começou por apresentar alguns dos mitos mais recorrentes: entre eles, a ideia de que uma vítima apresenta sempre lesões físicas visíveis ou que parte das queixas apresentadas são feitas por despeito.
Foi também contestada a ideia de que uma mulher atacada reage fisicamente contra o violador e agride-o. Medo, imobilidade tónica, estratégia de sobrevivência e dissociação são algumas das razões apresentadas para uma possível falta de reação. “O facto da mulher não reagir ou não dizer nada não significa que dá consentimento para o ato sexual”, evidencia Mariana Vilas Boas.
A ideia de que o violador é desconhecido foi igualmente um dos tópicos abordados – já que, pelo contrário, é mais comum o crime ser feito por alguém que a vítima conhece. Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2021, apresentado pela APMJ, 46% dos acusados eram conhecidos e 13% eram familiares.
Para combater o possível aprisionamento a ideias pré-concebidas em julgamentos existe a Convenção de Istambul. Trata-se de um tratado internacional de direitos humanos que apresenta um quadro jurídico que abrange “padrões mínimos para a resposta de um Estado à violência contra mulheres” – em vigor em Portugal desde 2014. No entanto, muitas das previsões feitas na Convenção não são efetivamente aplicadas em determinados casos.
Desta forma, durante a sessão evidenciou-se a necessidade de investir na formação e sensibilização do tema no sistema judicial português. Mariana Vilas Boas refere que se verifica uma aposta de entidades como PSP e da GNR em ações de sensibilização sobre violência sexual. Reitera, no entanto, que a mudança “não pode esperar por estes patamares – tem que partir da formação das crianças e dos jovens”.
Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira