Quando estreou nas salas de cinema portuguesas, no ano passado, o filme teve muito pouca adesão. No entanto, agora é o principal candidato ao Óscar de Melhor Filme e lidera nas nomeações.

Foi protagonista desta temporada de cerimónias de entrega de prémios, com especial destaque para a nomeada ao Óscar de Melhor Atriz, Michelle Yeoh, que interpretou dezenas de personagens numa só. Daniel Kwan e Daniel Scheinert, os diretores, também têm sido alvo de um maior protagonismo com um roteiro e direção completamente inovadores.

O título resume o conteúdo da película de forma exímia. Evelyn, interpretada por Michelle Yeoh, é uma imigrante chinesa nos Estados Unidos da América que tem um pequeno negócio de uma lavandaria self-service. O que ela não sabe é que está prestes a embarcar numa aventura que ultrapassa os limites do seu mundo.

Assim, Evelyn descobre que se deve conectar a múltiplos universos paralelos, onde vai conhecer diferentes versões de si própria, para prevenir um desastre que pode afetar todo o multiverso. Ao mesmo tempo, tem de lidar com um divórcio eminente e com uma relação conturbada com a sua filha. De uma forma mais simples, são várias Evelyns a lutar contra o tempo em lugares completamente distintos.

Surgindo da questão existencial acerca da (in)significância da vida, a fita dá a conhecer as coisas que realmente lhe dão conteúdo, de uma maneira totalmente tresloucada e surpreendente. Dito de outra forma, é um filme que aparenta ser algo vago e sem sentido, numa primeira instância – mas, na realidade nos faz-nos mergulhar numa maré reflexiva cheia de camadas cada vez mais complexas.

“Everything Everywhere All At Once” (Tudo Em Todo o Lado Ao Mesmo Tempo) junta a loucura da ficção científica com as artes marciais, juntando-lhe uma pitada de comédia que apura ainda mais a película. Por isso, é quase impossível definir este filme sem desvendar a história mirabolante que o acompanha.

A dupla de direção agarrou num tema que, para muitos, pode já estar batido – será que na vida poderíamos ter feito escolhas melhores? –, e trata-o de uma forma nada cliché e previsível. O espectador é completamente abalado emocionalmente, mas, ao mesmo tempo, leva com uma descarga de adrenalina que tornam a experiência cinematográfica ainda mais imersiva. Acaba por haver uma conjugação perfeita entre a poesia do roteiro com a ação incessante da película.

A escolha do elenco também parece ter sido feita ao pormenor. Michelle Yeoh, no papel principal, encarna o Jackie Chan no feminino num papel feito exatamente à sua medida. Stephanie Hsu – que interpreta Joy, filha de Evelyn – representa toda uma geração. É uma jovem adulta que carrega os pesadelos da família às costas, sendo os seus traumas a causa de toda a confusão do filme. A razão pela qual os espectadores mais novos se identificam tanto com Joy talvez seja pela própria idade da atriz, que a faz saber lidar melhor com as camadas da personagem. Já Ke Huy Quan, nomeado ao Óscar de Melhor Ator Secundário pelo papel de marido de Evelyn, executa de forma exímia um às das artes marciais com um coração mole e puro.

É um perfeito retrato de família. É também engraçado que a trama se passe numa lavandaria – onde vemos uma mãe e uma filha tentar resolver o seu conflito geracional num local tão anticlimático. Ou seja, a expressão “lavar roupa suja” nunca fez tanto sentido.

Deve inclusive destacar-se o impacto sociopolítico de “Everything Everywhere All At Once”. Isto porque, apesar de estarmos a falar de uma produção hollywoodesca, estamos também perante um elenco maioritariamente asiático, o que não é muito comum nas produções ocidentais. Estamos perante uma família de imigrantes nos Estados Unidos da América que tenta viver o sonho americano. Mais que tudo isso, estamos perante uma representação realista da palavra falhar e da superação de obstáculos. E esse legado ninguém tira ao filme.

Os mistérios são atirados à nossa cara por todo o lado e ao mesmo tempo, cabendo aos espectadores sentir e perceber a mensagem. Pelo carácter arriscado da fita, acaba por não ser para todos. Mas devia.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira