Com um forte argumento e belíssima fotografia, esta longa-metragem, trazida por Sarah Polley, foca-se num grupo de oito mulheres analfabetas que vivem numa colónia religiosa, isolada de tudo. Todas elas sofreram abuso sexual por parte de um grupo de homens que as drogavam e atacavam durante noites sucessivas. Os habitantes da colónia queriam fazê-las crer que os verdadeiros atacantes eram demónios e, até mesmo, culpá-las de terem imaginado as violações. Muitas foram as mulheres que ficaram com traumas profundos, engravidaram e até mesmo morreram.

Grande parte do filme é uma realidade hipotética – “What follows is an act of female imagination” [“o que se segue é um ato de imaginação feminina”] -, em que mostra o que podia ter acontecido se estas mulheres tivessem o poder de reagir, de escolher. Neste cenário imaginário, as mesmas reúnem-se para debater aquilo que vão fazer na sequência dos ataques: lutar pelos seus direitos, perdoar os violadores ou fugir da colónia.

Condicionadas por uma religião controladora que privilegia e incentiva o perdão, estas oito mulheres ponderam intensamente os prós e os contras de cada uma das opções, de forma a conseguirem o melhor para o seu bem-estar, físico e emocional. Marcado por uma narração poética e um argumento extremamente impactante, “Women Talking” é um filme que se destaca pela exploração de um tópico tão sensível, através de uma vertente inovadora: o foco está totalmente nas sobreviventes, nas suas inquietações e traumas, analisando os seus sentimentos ao pormenor.

Através dos longos e intensos diálogos, é notória a criação de um forte laço de união entre todas – que se ajudam mutuamente através do olhar, das palavras e até mesmo do silêncio. A falta de educação académica não limita estas mulheres, que demonstram grande sabedoria e um poder argumentativo lógico e justo.

Sarah Polley fez um excelente trabalho em transmitir o peso e frustração que está intrínseco à mulher numa sociedade patriarcal. Mas, na verdade, o que faz de “Women Talking” um filme memorável é o seu argumento. A forma como as personagens se expressam e colocam por palavras sentimentos indescritíveis é algo que atribui a esta fita um grande poder emocional.

As mulheres representadas destacam-se pelas suas fortes e distintas personalidades, chegando a chocar entre si em diversos momentos do debate. Apesar disso, todas partilham a mesma dor, que está presente ao longo de toda a experiência cinematográfica, e que se manifesta de diversas formas: ataques de pânico, crises de riso, raiva e choro. São diversos os momentos comoventes, consequentes do grande sofrimento carregado pelas personagens – que encaram as consequências da violência a que foram sujeitas e a responsabilidade de mudar a situação para as futuras gerações.

Com atuações exímias de atrizes como Claire Foy, Jessie Buckley, Rooney Mara e Frances McDormand, o filme prima por demonstrar diversos pontos de vista. Mais ainda, lembra que, apesar de terem passado pela mesma situação, nem todas as mulheres têm de concordar com a mesma decisão.

O personagem August, um jovem professor interpretado por Ben Whishaw, tem um papel fulcral no drama. No meio de tanta violência e discriminação, August apoia e respeita estas mulheres durante todo o processo, comprometendo-se a mudar as mentalidades misóginas dos rapazes da colónia, ensinando-lhes melhores valores.

Apesar de se passar numa época remota, “Women Talking” aborda um problema estrutural e que perdura até hoje: a violência contra a mulher. Apesar dos progressos, este continua a ser um tema político que deve ser colocado em destaque nas grandes produções de cinema, para que possa incentivar o debate, a reflexão e a mudança. Na película, isto foi concretizado através da realização de Sarah Polley, juntamente com a atuação das protagonistas e também, não menos importante, graças à sensibilidade de escrita de Miriam Toews.

“Women Talking” está nomeado a Melhor Roteiro Adaptado e a Melhor Filme na 95.º edição dos Óscares que decorrerá este domingo, dia 12 de março, em Los Angeles, Califórnia (madrugada de 13 de março, em Portugal).

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira