Há um certo romantismo na palavra “regresso”. No novo filme de Davy Chou, regressar é também descobrir, e o romantismo dá lugar a um desejo de liberdade e desprendimento das raízes

Freddie é francesa e, num impulso, decide viajar indefinidamente à Coreia do Sul, onde nasceu, em busca da sua família biológica. Parte, assim, numa descoberta das suas origens. Parece-nos uma decisão consciente, ainda que imponderada, e vemos um pouco de todos nós naquela urgência em conhecer-nos primeiro, e só depois ao mundo.

No entanto, em Freddie vemos também um desejo muito humano e mais pungente: o de desprendimento. Com uma obsessão constante por ser livre, a jovem abandona tudo a que se sente emocionalmente conectada, desde namorados a cortes de cabelo: vive numa contínua e exaustiva fuga.

Pelo caminho, vemos cenários fascinantes da Coreia rural e urbana, com uma fotografia inesperada e colorida. É, na verdade, esta explosão de cores e emoções que nos fazem continuar a ver o filme e quase sorrir, mesmo em cenas onde é palpável o desespero das personagens.

Esta ambiguidade e contraste são o que torna “Regresso a Seul” um filme tão especial, onde nos identificamos com uma personagem que, ainda que confusa e magoada com a vida, se consegue surpreender com a beleza do mundo que a rodeia.

Resta-nos apreciar a cena comovente da dança de Freddie, que surge quase como um manifesto por liberdade, com movimentos atrapalhados e urgentes. Minutos depois, ouvimos dizerem-lhe “tu es une personne très triste” [“tu és uma pessoa muito triste”]. Esta sequência define aquela que é, possivelmente, a personagem feminina mais complexa e bem construída em 2022, interpretada pela fabulosa Park Ji-Min, uma atriz não profissional (!).

Vemos momentos desconfortáveis, em que Freddie quebra barreiras sociais e magoa pessoas que se preocupam com ela, mas conseguimos sempre encontrar uma causa quase naturalista para os seus comportamentos, sem nos deixarmos cair numa compaixão exacerbada.

Apesar disso, nesta fita tudo tem um toque de arbitrariedade: porque é que nascemos assim, e não nascemos de outra forma? Porque é que nos cruzamos com estas pessoas, e não com outras?

Com uma produção de grande qualidade, “Regresso a Seul”, que chega às salas de cinema portuguesas a 16 de março, é uma bonita homenagem à confusão onde estamos imersos e ao desejo humano de saltar para lá da bolha que nos sufoca. Não apenas ser, mas sim viver. Não rejeitar o passado, mas sim levá-lo connosco numa mala de viagem.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira