“From Shadow to the Light – Women on Stage” serviu de mote para assinalar, no passado sábado (11), o dia Internacional da Mulher. A pianista e ativista pelos direitos das mulheres iranianas, Aida Sigharian, esteve à frente da organização e contou ao JPN o que a motiva a apoiar os atuais movimentos de emancipação no Irão.

No evento organizado pela comunidade iraniano-portuguesa “From Shadow to the Light”, as mulheres saíram realmente da sombra para a luz do palco. Foto: Sofia Dias

A comunidade iraniano-portuguesa realizou o seu primeiro evento no Porto, no passado sábado (11). “From Shadow to the Light – Women on Stage” (Da Sombra para a Luz – Mulheres no Palco) ocorreu no Conservatório de Música do Porto e teve como motes o dia Internacional da Mulher (8 de março) e a luta pela emancipação da mulher iraniana.

A principal organizadora do evento foi Aida Sigharian, uma pianista e ativista pelos direitos das mulheres iranianas, que vive em Portugal desde 2008. A ativista contou ao JPN que, após a morte de Mahsa Amini, em setembro de 2022, os iranianos residentes em Portugal ficaram mais ativos nos grupos da rede social Telegram, começaram a mobilizar mais pessoas e a organizar manifestações.

Mulheres de várias nacionalidades presentearam a plateia com performances musicais e poéticas. Foto: Sofia Dias

O falecimento da jovem curda provocou uma onda de protestos por todo o Irão exigindo mudanças políticas, o que motivou um sentimento de esperança na população. Em Portugal, “pouco a pouco, vimos que muita gente nos queria apoiar e tornamo-nos um grupo muito unido”, aponta Aida. A onda de solidariedade tem vindo de cidadãos comuns e políticos. Alguns deputados da Iniciativa Liberal (IL), como Tomás Meneses, “têm ajudado bastante”, segundo a ativista. Também a socialista Ana Gomes se mostrou solidária com a causa das mulheres iranianas tendo, inclusive, gravado um vídeo emotivo de apelo à igualdade que passou durante o evento.

Durante as atuações estava constantemente preocupada com a possibilidade de o lenço não estar bem colocado e cair.

“From Shadow to the Light – Women on Stage” contou com dois ingredientes: o ativismo e a arte. O arranque e o término do evento foram marcados por discursos emotivos, proferidos por Tina Sabounati e Aida Sigharian, que abordaram a revolução que está a ocorrer no Irão e a urgência de se fazer cair o regime islâmico. Tina Sabounati também frisou a importância da educação no seio familiar, para uma mudança de mentalidade em relação ao papel das mulheres na sociedade.

O espetáculo fez jus ao seu nome e inúmeras mulheres de diferentes nacionalidades pisaram o palco para, em uníssono, apelar à igualdade através da arte. As atuações contaram com momentos musicais ao som de piano, flauta transversal e violoncelo, declamações de poesia e canto lírico. Após o espetáculo, o público pôde, ainda, observar uma exposição de quadros da pintora iraniana Hoda Madad e provar iguarias iranianas. O dinheiro angariado com a venda de bilhetes reverteu para o movimento “Woman.Life.Freedom”.

Tina Sabounati (na foto, à esquerda) fez um emotivo discurso feminista. No final do evento, houve lugar a uma sessão de perguntas e respostas protagonizada por Tina Sabounati, Carla Cruz e Aida Sigharian (na foto). Foto: Sofia Dias

Perspetivas de uma mulher iraniana

Aida Sigharian, além de organizar o evento, foi uma das pianistas que atuaram no anfiteatro do conservatório. Em conversa com o JPN, Aida confessou que aqui se sente mais livre como mulher e como artista. A ativista referiu que, no Irão, “sempre tocava piano de lenço na cabeça e casaco vestido” e que “durante as atuações”, em vez de se concentrar na música, “estava constantemente preocupada com a possibilidade de o lenço não estar bem colocado e cair”.

[As iranianas aprendem] desde pequenas a representar um papel quando estão fora de casa.

Apesar de também ter sofrido com a pressão das regras impostas às mulheres no Irão, Aida ressalvou que viveu em circunstâncias diferentes: “o meu pai é um homem muito moderno e em minha casa sempre houve igualdade”. Além disso, a iraniana estudou no conservatório de Teerão que considerou ser “menos rígido” do que outras escolas.

A organizadora do evento, Aida Sigharian (na foto), é pianista e ativista pelos direitos das mulheres iranianas. Foto: Sofia Dias

Aida afirma que sempre viu as mulheres a serem muito respeitadas pelos homens. Mas ressalva que as iranianas aprendem “desde pequenas a representar um papel quando estão fora de casa”. Deu ainda o exemplo de algumas conhecidas suas que não puderam entrar na universidade “por não estarem «bem vestidas» ou porque não fingiram bem a religiosidade”, não estando à altura das “provas de ideologia” que dão acesso ao ensino superior.

As iranianas estão a pagar um preço muito alto pela liberdade.

A pianista afirma que foi quando Mahmoud Ahmadinejad assumiu o governo (em 2005) que as pessoas começaram a preocupar-se mais com o caminho que o país estava a tomar. “Lembro-me de dizer aos meus pais «se vocês querem que eu viva tranquilamente, têm de sair do Irão»” confidenciou a pianista. Segundo Aida, o retrocesso verificou-se a partir desse momento e intensificou-se ainda mais com o presidente atual Ebrahim Raisi. “Mas com esta revolução, o povo está a mostrar que está farto e que quer a mudança”, adiciona a iraniana.

“Já fizemos uma revolução em 1979 e correu mal. Por isso, houve pessoas contra a revolução e achou-se que se podia proceder a mudanças e corrigir o sistema pouco a pouco. Mas as expectativas saíram goradas. Tudo correu mal. Mataram muita gente. Agora percebemos que não os podemos mudar e que têm de sair do poder. Com este movimento pela vida e a liberdade, há esperança. Mas as iranianas estão a pagar um preço muito alto pela liberdade”- completa Aida.

Foram expostos vários quadros da pintora iraniana Hoda Madad, alusivos à falta de liberdade das mulheres. Foto: Sofia Dias

Quando questionada sobre as declarações do ayattolah Ali Khamenei face aos envenenamentos que estão a ocorrer em escolas femininas no Irão e sobre as detenções de suspeitos feitas até ao momento, Aida Sigharian não hesitou em considerar tudo isso uma “performance”. Até porque, segundo a cidadã iraniana, o líder supremo “afirmou jocosamente, há uns tempos atrás, que as raparigas das escolas mereciam um castigo”.

Neste momento, as preocupações da comunidade iraniano-portuguesa estão voltadas para o que se passa no Irão e, por isso, estão “muito focados no ativismo”. Porém, Aida afirma que tencionam registar-se e afirmar-se como associação. A ideia é investir “mais em aspetos culturais, divulgar a cultura iraniana e ajudar os iranianos que vêm para cá a integrar-se na sociedade portuguesa”. Contudo, o objetivo imediato passa por “derrubar o regime islâmico” e lutar contra a misoginia impregnada na sociedade iraniana.

Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro

Artigo atualizado às 09h55 do dia 23 de março de 2023 com referência à participação de Tina Sabounati no evento.