No futebol, são inúmeras as situações em que os jogadores têm que disputar a bola com a cabeça. Uma investigação divulgada recentemente pela revista The Lancet Public Health avaliou os impactos que os cabeceamentos têm na saúde dos atletas. O estudo conclui que existe uma propensão 1,5 vezes maior do que o normal dos futebolistas para desenvolver doenças neuro degenerativas, como o Alzheimer.
A ligação entre a prática de modalidades desportivas e a possibilidade de, mais tarde, os atletas virem a desenvolver uma doença neurodegenerativa “não deve ser ignorada”, diz o neurologista e professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), Rui Araújo.
Ainda assim, são muitas as variáveis a ter em conta, segundo o profissional de saúde – entre elas a idade, o número de cabeamentos a que o jogador foi sujeito, a exposição ao trauma e o historial médico. Rui Araújo, que é vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN) ressalva ainda que “este tipo de estudos não deve desencorajar a prática desportiva”.
A investigação recaiu sobre os jogadores inscritos na primeira divisão masculina da Suécia, entre 1924 e 2019. As conclusões indicam que a taxa de risco nos jogadores de campo é maior do que nos guarda-redes, o que corrobora a teoria que associa o volume de cabeceamentos ao desenvolvimento, por exemplo, de traumatismos cranianos.
De acordo com a investigação, 9% da amostra de 6007 futebolistas de elite assinala doenças degenerativas do foro neurológico, em relação a 6% dos controles populacionais – 3485 pessoas de um total de 56168.
Benefícios da prática desportiva continuam a prevalecer
O estudo é baseado em “evidências epidemiológicas”, que associam pessoas expostas a um determinado estilo de vida ao desenvolvimento de um tipo de doença. O desafio, para o professor da Universidade do Porto, passa por compreender o mecanismo que está na origem dessa ligação. Uma vez comprovado que deriva de um “trauma cerebral”, as medidas de prevenção e segurança devem ser transpostas a outros desportos, como o boxe.
Em alguns países, impedir os cabeceamentos até uma determinada idade tem sido uma das medidas de prevenção implementadas. Na opinião do neurologista da FMUP, a medida é “favorável e bem intencionada”, mas não existe uma perceção “óbvia” da sua eficácia.
Ao JPN, Rui Araújo recorda que a prática desportiva acarreta benefícios importantes para a saúde. A verdade é que, na doença Parkinson, a tendência é, inclusive, inversa, com maior índice de risco para a população em geral do que para os futebolistas de elite.
Recentemente, a doença do neurónio motor, conhecida por esclerose lateral amiotrófica, tem sido alvo de uma “associação muito forte” à prática desportiva, o que não se verificou no estudo sueco, conta Rui Araújo.
Se em parte existem potenciais riscos de impacto na cabeça, que podem resultar em patologias futuras, por outro lado, a condição física em que se encontram os futebolistas é uma mais valia para o seu bem-estar. Além do mais, o mesmo estudo assinala que a mortalidade foi ligeiramente inferior nos futebolistas comparativamente ao verificado no grupo de controlo.
Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro