O ITSat-1 está a um passo de fazer história. Trinta anos depois do lançamento do PoSat-1, o primeiro satélite português a conhecer o espaço, um conjunto de alunos e professores do Instituto Superior Técnico (IST) está prestes a repetir esse feito, desta vez em contexto universitário.

O lançamento a estar previsto para o final do ano e, nesta fase, a equipa liderada pelo docente Rui Rocha prepara os últimos detalhes e procura as aprovações necessárias.

Contudo, todo este trabalho, que durou uma década, pode ser em vão. Em causa está a aprovação de uma portaria associada ao seguro de responsabilidade civil.

Em entrevista ao JPN, Rui Rocha, investigador no IT e um dos fundadores do IST NanosatLab, abordou os principais procedimentos de criação do satélite, da missão prevista e investimento associado, bem como o impasse relativo aos termos necessários

Quais foram as principais motivações para dar início a este projeto? Quando começou?

Este é um projeto que seguramente começou há dez anos. Numa primeira fase montámos uma estação de rastreamento para identificar satélites que trabalham em faixas de frequência do serviço amador, visto que somos todos radioamadores.

Rui Rocha, professor no IST, está confiante que o satélite será lançado em outubro. Foto: Instituto de Telecomunicações/ IST

 Entretanto começámos a pensar em construir um satélite. Consideramos que seria uma boa forma de envolver alunos de engenharia com várias formações, desde mecânica à informática. Seria uma boa forma de os irmos motivando para estas questões dos projetos espaciais, mas também dar-lhes uma formação complementar, que é muito importante numa escola como o Instituto Superior Técnico. Começámos a desafiar alguns alunos em teses para desenvolver vários componentes deste satélite.

Em 2017, surgiu a oportunidade de concorrermos ao programa Fly Your Sattelite! da ESA, a Agência Espacial Europeia, vocacionado para as equipas universitárias. Nessa segunda edição do programa concorreram à volta de 14 equipas e a ESA selecionou oito, entre as quais a equipa do IST. Depois fomos a um workshop de seleção na Holanda, no centro técnico da ESA, e dessas oito eles selecionaram seis. Neste momento, quase a acabar esta 2.ª edição, estamos quatro: uma equipa italiana, que já lançou, uma equipa portuguesa, uma espanhola e uma irlandesa.

Quais foram os procedimentos associados ao desenvolvimento do projeto?

A construção de um satélite é uma tarefa da engenharia complexa porque envolve várias competências, desde engenharia mecânica, para a estrutura e questões de análise térmica, até as questões de eletrónica e de programação. O facto de ser um satélite mais pequeno é até mais desafiante, uma vez que implica uma maior racionalidade na questão da energia.

Por quantos membros é formada a equipa?

Este grupo de professores coordenadores tinha basicamente um aluno por área, mas ao longo do projeto, desde 2017 até agora, já tivemos à volta de 500 pessoas, entre professores e alunos. Temos mais de 25 teses. Também temos bastantes alunos que até participaram fora do contexto das teses porque ficaram entusiasmados com o projeto.

Os primeiros testes foram concluídos com sucesso. Como funcionará esta segunda ronda de testes na Bélgica?

Estamos a acabar neste momento. Os primeiros testes foram feitos no final de fevereiro para simulação das condições de lançamento, isto é, foi submetido a vibrações que de alguma forma imitam as adversidades que o foguete sofrerá quando for lançado. Agora, o que estamos a acabar de fazer são os testes térmicos em câmara de vácuo, para imitar a situação de trabalho em órbita. Os 500 quilómetros que estamos a pensar que o satélite opere, apresenta vácuo e gamas de temperaturas muito variadas. Vão dos 60ºC, quando o satélite está exposto ao sol, até temperaturas negativas de -20º C ou mais, quando estiver em eclipse. É imitando estes ciclos térmicos em vácuo que se consegue perceber se os satélites são capazes de enfrentar condições agrestes.

Estes testes decorreram durante estas duas últimas semanas, a câmara foi aberta ontem e todos os testes intermédios foram positivos. Falta-nos um teste final que está a decorrer nesta altura. É um teste de avaliação funcional de todos os subsistemas do satélite de uma forma mais completa, para além das avaliações que foram feitos dentro da própria câmara para perceber se o satélite estava a aguentar. Depois do satélite sair da câmara, iremos averiguar se houve algum impacto destas “maldades” todas que que foram feitas ao longo desta semana [risos].

 

 
 
 
 
 
Ver esta publicação no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Uma publicação partilhada por Técnico Lisboa (@tecnico_lisboa)

Consegue-me dizer um valor estimado em termos de investimento envolvido na construção deste satélite?

Nós não pagamos os testes porque a ESA assegura esse valor. A ESA também paga as deslocações dos próprios estudantes e estadia. Para além disto, também não pagamos o lançamento. Se a preços de mercado considerássemos que tínhamos que pagar todas estas obrigações, eu diria que o custo do satélite estaria à volta dos 350 mil euros. Uma vez que não temos que nos preocupar com estes aspetos, o investimento ronda os 150 mil e os 200 mil gastos na conceção do satélite.

É importante notar que este valor tão baixo, se deve ao facto do nosso satélite ter sido praticamente todo construído em casa. Todos os sistemas são feitos no próprio Instituto. São montados pelos alunos com participação de algumas empresas que estão connosco, por exemplo, a Lusospace. Nós compramos painéis solares, porque não tínhamos capacidade de os fazer. No próximo satélite estamos a pensar fazermos os nossos próprios painéis, comprando só as células fotovoltaicas.

Portanto, a nossa filosofia é sempre aprender fazendo e tentar fazer sempre o máximo. Resolvemos também comprar um sistema de instalação e órbita das antenas de comunicação, porque normalmente estes sistemas desenvolvidos pela universidade falham muito. De ressalvar que é tudo financiamento próprio. Não tivemos, por exemplo, qualquer ajuda da Agência Espacial Portuguesa.

Qual será então a missão deste satélite no espaço?

Satélite ITSat-1 na câmara de vácuo. Foto: Instituto de Telecomunicações/ IST

A nossa missão passa por testar a recolha de sinais enviados pelos aviões, através do sistema ADS-B. É um sistema que é obrigatório na aviação civil. É algo que permite, por exemplo, o funcionamento do site Flight Radar 24. Toda essa informação que vem na aplicação é transmitida por sinais digitais que vêm dos aviões e que são recolhidos por estações em terra. Sabendo que há muitos sítios no mundo que não têm qualquer possibilidade de receber estes sinais, porque simplesmente não há recetores em terra, o objetivo do nosso satélite é expandir esta recolha. Isso permite, por exemplo, responder mais rapidamente quando se trata de acidentes.

O que nós pretendemos fazer é provar que um sistema muito compacto, com uma antena que também foi feita e projetada em casa, é possível receber estes sinais. Já existem sistemas a bordo de satélites, mas que são muito gastadores do ponto de vista de energia. Têm inclusivamente a necessidade de ter antenas que saem quando o satélite é lançado ou é colocado em órbita. Nós, com o nosso sistema, não precisamos de nada disso.

Qual a localização escolhida para o lançamento do satélite?

O satélite vai ser lançado em Kourou, na Guiana Francesa. É a zona de lançamento que a ESA utiliza, designada por Euro Spaceport. Todos os satélites que são da Arianespace são lançados a partir desta localização, uma vez que está perto da linha do equador.

Sabendo que neste momento, o projeto está numa luta contra o tempo, em busca da assinatura associada ao seguro de responsabilidade civil, acredita que o processo vai ser concluído a tempo?

Eu quero acreditar que sim. O presidente do IST já fez um pedido formal de registo. Há aqui dois procedimentos essenciais. De acordo com a lei do espaço, nós temos que pedir o registo, algo que já foi feito perante a autoridade espacial, que neste caso é a ANACOM. A segunda coisa que vamos pedir, seguramente até ao início de abril, será a emissão da licença. Na prática, remete para a assunção da responsabilidade por parte do Estado português, de quaisquer danos que o satélite possa provocar. No caso do IST, sendo uma entidade pública e tendo uma missão técnico-científica, está previsto na lei que seja dispensado esse seguro. Este processo é um passo absolutamente necessário para qualquer entidade. Se nós não conseguirmos produzir a licença, a ESA obviamente não consegue garantir ao lançador, neste caso a Arianespace, que os riscos estão cobertos. É evidente que eu quero acreditar que este processo vai ser concluído a tempo. Seria no mínimo desapontante, depois de um esforço destes, de seis anos de trabalho com cinquenta pessoas envolvidas, que fosse por um problema burocrático que o satélite não pudesse ser lançado. Era absolutamente inadmissível.

Qual a sensação de ver o vosso projeto cada vez mais próximo de ganhar vida?

É uma mistura de entusiasmo e ansiedade [risos]. Entusiasmo porque é o culminar de muitos anos de trabalho, não só meu, mas de muitas pessoas envolvidas. O projeto é de um conjunto de pessoas que se entusiasmaram. Quando uma pessoa se envolve num projeto e o consegue levar até ao fim é uma satisfação pessoal muito grande. Existe também ansiedade porque qualquer coisinha agora que possa falhar é difícil contornar.

Seria no mínimo desapontante, depois de um esforço destes, que fosse por um problema burocrático que o satélite não pudesse ser lançado. Era absolutamente inadmissível.

Nós estamos cada vez com menos margem de manobra. O lançamento já esteve para ser feito em outubro do ano passado, mas entretanto, foi sendo adiado. Passou para o final do ano, em dezembro, depois para abril deste ano, e agora está fixado em outubro. Estes voos inaugurais são sempre sujeitos a muitos imponderáveis, porque é a primeira vez que o foguete vai ser lançado. Vai ser a coqueluche da indústria aeroespacial europeia, uma vez que o Ariane 6 vai ser o foguete com maior capacidade de transporte de carga útil. Isto para dizer que este pequeno nervosismo é perfeitamente compreensível.

Artigo editado por Miguel Marques Ribeiro