Muitos jovens têm desenvolvido uma paixão pela stand-up comedy e procuram, por todo o país, palcos para mostrar o seu valor. Com o fenómeno do entretenimento a crescer no digital, para ganharem protagonismo na área, há que explorar múltiplos formatos. À conversa com o JPN, três comediantes explicam que é difícil viver desta área em Portugal - mas acreditam que a comédia é como terapia.

O stand-up comedy é, atualmente, uma atividade em crescimento em Portugal e a vontade de seguir a carreira começa cada vez mais cedo. O conceito é simples: uma pessoa, em pé, num palco, partilha experiências caricatas numa interação constante com a plateia. Cativados pela estrutura, muitos jovens tentam conciliar vida profissional e estudos com o sonho de seguir a vocação humorística. É o caso de Eduardo Barros, Luís Lopes e Tiago Fonseca que, em conversa com o JPN, dão a conhecer a realidade da comédia nos palcos portugueses e os esforços relacionados com o meio.

O conceito já existe desde 1917, embora só tenha sido banalizado anos mais tarde, na década de 1960. Perpetuada desde 2003 no país, com o programa “Levanta-te e Ri” a servir de alavanca, a atividade tem ganho popularidade contínua – revelando ser igualmente multifacetada. Por essa razão, também os espaços onde as pessoas podem mostrar o repertório humorístico têm vindo a aumentar.

Eduardo Barros acredita que a comédia ainda não é vista ao mesmo nível de outros setores culturais. Foto: Zenurik

Eduardo Barros é estudante da Faculdade de Letras da Universidade do Porto e já teve a oportunidade de atuar, nas suas palavras, “nos maiores bares do país” destinados ao humor. São, aliás, os bares que mais recebem este tipo de atuação. O jovem de 21 anos destaca o Comedy Club, em Lisboa, e o Ferro Bar, no Porto, onde realiza espetáculos com maior frequência.

Salienta que há muito talento a nível nacional, apontando Salvador Martinha, Carlos Coutinho Vilhena e Pedro Durão como principais referências. Contudo, acredita que o seu estilo se assemelha à comédia desenvolvida pelo americano Dave Chappelle, pelo lado satírico.

Para o estudante de Línguas e Relações Internacionais é “muito difícil” viver-se apenas da comédia em Portugal, já que a principal forma de receber o rendimento necessário é “através da televisão”. Sobre essa possibilidade, salienta que, no seu caso, o humor que explora não está destinado a esse formato, contrastando com outros comediantes de “elite”. E exemplifica: “Humoristas do Norte, como o Fernando Rocha e o Hugo Sousa, estão ligados a um tipo de humor baseado em anedotas, que os levam para programas de diferentes canais. É uma abordagem mais física”.

Para a comédia parece haver uma atenção reduzida, comparando com outras ramificações do setor cultural. Nesse sentido, Eduardo Barros garante que, apesar de haver “mais dinheiro [a ser] investido” na atividade, os valores estão muito longe daqueles praticados, por exemplo, na música. “Tenho o caso do meu irmão, que é DJ. Ele recebe o dobro ou triplo do dinheiro que eu ganho por espetáculo”, sublinha.

Luís Lopes também estuda na Faculdade de Letras da Universidade do Porto e diz que é o português Rui Sinel de Cordes a sua principal inspiração. “Foi ele que me deu noção de como é preparar um espetáculo de stand-up. Nos seus solos, trata a atuação como se fosse um livro sobre a sua vidaEu utilizo a mesma estrutura”, conta. Expressa inclusive admiração pelo trabalho de Bruno Nogueira e Ricardo Araújo Pereira a nível nacional, e de Louis C.K. e Ricky Gervais a título internacional.

Com 19 anos, o comediante barcelense também atua “maioritariamente em bares”, mas já teve a oportunidade de mostrar o seu conteúdo no Teatro de Famalicão, no Teatro de Barcelos e no Super Bock Arena, no Porto. Ainda que esteja orgulhoso do percurso que fez até ao momento, admite esperar que nos próximos anos “venham muitos mais palcos“.

Luís Lopes já teve a oportunidade de atar em palcos como o do Super Bock Arena, no Porto. Foto: DR

No que diz respeito às dificuldades no sustento em Portugal, Luís Lopes partilha a opinião de Eduardo Barros. Nessa perspetiva, refere que o aumento da preponderância do digital acaba por usurpar e moldar a arte performativa. Aliás, graças às redes sociais, há uma maior insurgência de jovens criadores – ainda que quantidade não traduza, necessariamente, qualidade, sublinha o entretainer.

Para o barcelense, a stand-up comedy faz-se no formato convencional – isto é, num palco, em socialização com os espectadores, respeitando a estrutura de narrativa. Nesse sentido, o hábito do consumo de conteúdo imediato, à distância de um clique, tem “dificultado os novos comediantes“.

Se rir é o melhor remédio, fazer rir é uma “terapia”

Na visão dos entrevistados, fazer rir gera um sentimento de bem-estar – não só nos espectadores, como no próprio humorista. Aliás, Eduardo Barros percebe a comédia como um subterfúgio da própria realidade. “Durante esse momento em que estás a fazer uma pessoa rir, ela não está a pensar em mais nada”, garante. 

Para o jovem, a comédia pode mesmo ser encarado como uma “terapia”. “Já falei com muitos humoristas que usam as suas atuações para desabafar. É excelente estarmos a contar algo que nos correu mal na vida e vermos as pessoas a rir disso. Ficamos a perceber que aquilo que nos aconteceu afinal não foi assim tão mau”, confessa.

Tiago Fonseca, humorista de 27 anos, natural de Vila Nova de Gaia, concorda com a opinião do colega. Num exercício de autorreflexão descreve o seu humor como observacional e autodepreciativo – pois remete para determinadas “inseguranças pessoais” associadas a “traumas de infância”. “Se as pessoas que estão no público sentirem um pouco daquilo que tu sentes, certamente se irão rever nas tuas palavras. Somos milhares de milhões de indivíduos no mundo, há pessoas que vão passar coisas muito parecidas com as tuas”, remata, destacando o caráter intimista como o que torna a stand-up comedy especial.

Nesse sentido, conta que foi numa situação tão banal como a catequese, em criança, que o seu fascínio espoletou. “Apercebi-me no outro dia que aquele espaço foi o meu primeiro palco. O ambiente era tão descontraído que o meu [maior] objetivo era fazer a catequista rir”, partilha.

Luís Lopes destaca ainda a capacidade do riso de unificar a sociedade. Para o comediante de Barcelos, piadas sobre uma determinada camada ou minoria social não devem ser vistas como um problema, mas sim como uma solução para a discriminação. Considera que os próprios destinatários se sentem “aliviados”, e integrados, quando as ouvem.

Adaptações, estudos e compromissos: é preciso pôr o stand-up em stand-by?

Com o ingresso na faculdade, Eduardo Barros e Luís Lopes tiveram de pôr as performances provisoriamente de lado para se focarem nos estudos. Por reduzirem a regularidade dos espetáculos, os comediantes acabaram por ceder e apostar em novas ferramentas digitais para não se desligarem completamente. Eduardo Barros tem, portanto, um projeto de sketches no Youtube, apelidado de “Para-Brisas”; já “Q de Quá-Quá” é o nome do podcast da autoria de Luís Lopes.

Tiago Fonseca acredita que as plataformas digitais são um benefício na evolução da stand-up comedy. Foto: Mário Canelas

Tiago Fonseca, por sua vez, já acabou os estudos. Atualmente, alia o trabalho como engenheiro com a sua grande paixão – e tem atuações em vários locais do Norte do país.

Mesmo assim, acredita que “a disciplina” é essencial para coordenar a vida profissional com o stand-up. “Trabalho das 8 horas às 17 horas. Portanto, tenho que definir bem o tempo que dedico a criar o meu material. Ao longo do dia vou tendo ideias e, mal chego a casa, passo-as para o papel”, partilha. Apesar da ideologia, o comediante afirma que nem sempre é fácil, até porque, ironicamente, é “completamente indisciplinado”.

Pelas características do seu trabalho também prefere ter um público com quem conversar. Ainda assim, na visão do jovem de 27 anos, “se antes [programas como] o Levanta-te e Ri serviam de rampa de lançamento para algo maior em Portugal”, agora é inevitavelmente através do digital que se expande o alcance. Destaca os novos formatos e todo o potencial que advém deles – especialmente na divulgação. “O Conan O’Brien passou do “Late Night” para o podcast. As pessoas abordam-no por causa do podcast que tem há relativamente pouco tempo e não pela televisão, que fez durante 30 anos”, evidencia. Tiago Fonseca criou, então, um programa no Spotify: “Conspiradores de Segunda”.

Porém, a afluência nem sempre é garantida e também varia consoante as plataformas. Nesse sentido, Eduardo Barros confessa que o projeto no Youtube “não está a correr tão bem” como esperava mas, na rede social TikTok, os resultados têm sido bem mais positivos. O humorista gaiato garante que a versatilidade é essencial para se chegar ao sucesso nesta atividade.

Eduardo Barros avança que, atualmente, “há por volta de 500 humoristas em Portugal“. Com o interesse dos jovens por esta vertente a aumentar cada vez mais, os comediantes acreditam que este número suba de forma exponencial num futuro próximo.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira