Uma “pica” que não dói, um raio-X numa caixa de cartão e uns quantos dedos no ar, que lançam dúvidas sobre do funcionamento do corpo humano. No meio do Gaiashopping, ergue-se um hospital de brincar. Crianças entre os 3 e os 7 anos dão asas ao imaginário e exploram o universo da Saúde, guiados por estudantes de Medicina, Nutrição, Veterinária e Medicina Dentária. O objetivo é simples: ajudar os mais novos a perder o medo de instalações e profissionais da área.

Promovida pelas Associações de Estudantes do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e das Faculdades de Medicina Dentária (FMDUP) e Ciências da Nutrição (FCNAUP) da Universidade do Porto, a iniciativa decorreu entre 28 de março e 1 de abril – mas já tem vindo a acontecer desde 2003. Porém, como explicou Mafalda Mota, membro da comissão organizadora, este ano o centro comercial permitiu alargar o público: não só às escolas que habitualmente se inscrevem, como a pais e filhos que, de forma espontânea, decidissem participar.

À chegada, os mais novos foram desafiados a acompanhar um boneco de peluche ao longo de uma consulta médica. Ao longo da tarde, as várias atividades procuraram sensibilizar as crianças para a prática de hábitos de vida saudáveis, higiene oral diária e, ainda, cuidados a ter com os animais de estimação.

Habitualmente, os receios dos “pequeninos”, na opinião da estudante de Medicina no ICBAS, Leonor Campelo, passam pela postura mais autoritária do uniforme dos médicos. Adicionalmente, há estigma quanto ao ambiente hospitalar, que é associado às doenças e aos momentos menos bons vividos na família. Bruno Silva, estudante do mesmo curso, realça ainda o medo das “picas”, relacionado, nesta fase, com a memória da dor causada pela vacina administrada aos cinco anos.

Na vertente da Nutrição, o propósito é incutir “noções básicas de alimentação desde pequenino”, explica a estudante Frederica Teixeira. No entanto, as dicas são também para os pais, porque “em 90% dos casos, se não mais, são eles que decidem o que os filhos comem”, esclarece a estudante da FCNAUP. 

Já na Veterinária, os estudantes distribuíram-se por duas bancas: uma dedicada ao bem-estar animal e aos cuidados de saúde a ter com os animais de estimação; outra, à importância das idas ao veterinário. Aí, também se abriu um espaço para responder às dúvidas dos mais curiosos e conceder informações que, à partida, acabam por passar ao lado do conhecimento geral. Ema Pascoal, estudante da área no ICBAS, conta que filhos, e inclusivamente pais, ficaram “chocados”, quando descobriram que, por exemplo, a medição da temperatura, nos animais, se faz pelo anus. 

Hospital dos Pequeninos “põe à prova” os profissionais de saúde do futuro

Na faculdade, os estudantes do Porto aprendem os procedimentos e as técnicas necessários parar cuidar dos pacientes, mas nem sempre têm a oportunidade de praticar a comunicação e a empatia, fundamentais ao exercício de qualquer atividade profissional. 

Para os universitários, que diariamente estudam o ramo da Nutrição, o Hospital dos Pequeninos “põe à prova” as competências que adquirem em aula, afirma Frederica Teixeira. “As perguntas que eles fazem acabam por ser um desafio para nós também”, acrescenta a estudante, proveniente da Madeira. 

Para Ema Pascoal, esta é uma boa maneira de treinar a interação com os tutores dos animais. “Os veterinários gostam de animais e é por isso que vão para veterinária. Mas, muitas vezes, não gostam muito de lidar com pessoas e o Hospital dos Pequeninos ajuda-nos a pôr em prática a relação com o cliente”, conta a estudante do ICBAS. 

Leonor Campelo, de medicina, sempre teve um fascínio pela área da pediatria, pelo que a iniciativa, na qual já participou no último ano, é “um contacto muito mais próximo” com aquilo que se imagina a fazer no futuro.

Desmistificar o stress da bata branca” 

“O stress da bata branca”, segundo Bruno Silva, é “um trauma ou uma ansiedade, que cresce com as populações e que se vem a manifestar, mais tarde, no contacto com o consultório”. No entanto, é desde a mais tenra idade, nas primeiras consultas pediátricas, que se devem desmistificar os receios inerentes ao meio hospitalar. 

A ansiedade da sala de espera, muitas vezes marcada por ambientes “hostis” segundo o aluno de medicina, faz com que, ao entrar no consultório, a criança esteja, desde logo, apreensiva – e, por isso, não responda às questões com o mesmo grau de interação.

Aliás, essa apreensão estende-se pela vida fora. “Nós, agora, começamos a contactar com adultos no hospital e há pessoas de 60 anos que têm medo de injeções”, explica Bruno Silva, reiterando que, longo prazo, a relação com os cuidados de saúde deve ser normalizada

Assim, pretende-se otimizar os serviços médicos e apostar na medicina de prevenção. Para Bruno Silva, é importante fazer com que as pessoas se tornem mais responsáveis, procurem por cuidados de forma mais atempada e não ignorem sinais que precisam de atenção imediata. 

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira