Apesar das recentes limitações impostas em alguns países, em Portugal a rede social TikTok tem conduzido artistas em expansão aos holofotes mais ilustres. O Poeta da Cidade, a designer Bruna Pereira e o realizador Ferp são prova certa desta tendência. O alcance e estrutura da aplicação são benefícios inegáveis na promoção de pessoas; mas será que as suas vulnerabilidades a tornam menos apelativa para os jovens?

O TikTok é, desde a sua instituição em 2017, um fenómeno da internet que tem adquirido mais e mais utilizadores – sejam jovens, adultos, instituições ou até políticos. Mantém a lógica de outras redes sociais, possibilitando seguir perfis, compartilhar conteúdos e interagir através de comentários e reações. Mas há algo que o diferencia: é baseado na gravação de vídeos curtos que duram entre 30 segundos e 3 minutos. É neste formato que jovens como Pedro Freitas (poeta), Bruna Pereira (designer e ilustradora) e Fábio Pereira (realizador) criam portfólio e se apresentam a um público mais vasto.

O conteúdo orgânico e fácil de consumir viabiliza a adesão das camadas mais jovens, que constituem o principal público-alvo da rede social (apesar de o acesso ser concedido apenas a partir dos 13 anos). Em parte, pode considerar-se que o sucesso advém da estrutura ser pensada para responder à capacidade média de concentração das pessoas – que, segundo estudos, tem vindo gradativamente a reduzir. Por essa razão, o TikTok é comummente usado para levar sonhos à margem da realidade, funcionando como uma alavanca que impulsiona conteúdos e os difunde por qualquer parte do mundo.

Do papel para a internet, da internet para o mundo

Pedro Freitas, mais conhecido como Poeta da Cidade, é um exemplo do reconhecimento que a plataforma pode dar, pois, segundo diz, “há um público para tudo”. Começou a escrever poemas, primeiro, para a avó e para as namoradas. Na altura, estava longe de imaginar que uma aplicação, lançada uns anos depois, pudesse levar a sua arte ao panorama nacional. “Criei esta persona em 2017. Mas, até 2020, altura em que criei o TikTok, não tinha um alcance por aí além”, conta “o Poeta”, como é agora apelidado quando o reconhecem pelas ruas da capital.

Em 2021, traçava já caminho pela literatura, quando decidiu, com 23 anos, lançar a primeira publicação: “Ela – Metafisicamente d’outro Mundo”. A obra, que em breve parte para a 4.ª edição, foi o livro de poesia mais vendido em Portugal em 2022 – e o mérito do feito vem, em parte, da divulgação online. 

Em entrevista ao JPN, o jovem poeta revela como a decisão de compilar os seus versos foi apoiada na comunidade de seguidores (atualmente mais 137 mil), que já acompanhavam  parte do seu trabalho através das redes sociais. Mas para conseguir tocar as pessoas, há que investir na forma como se comunica. A qualidade do som e o recurso às legendas são duas das estratégias que Pedro Freitas não dispensa nos seus vídeos, que atingem uma média de 50 mil visualizações. A primeira surge porque os vídeos que produz são baseados na voz; a segunda serve “para agarrar o público” e tornar “o conteúdo mais inclusivo”, explica o autor.

Bruna Coelho tem 24 anos, é designer e ilustradora gráfica e também usou a plataforma como ignição para a carreira. Quando iniciou o curso de Marketing Analítico, em fase de pandemia, estava “desmotivadíssima” e, por isso, decidiu fazer um vídeo a desenhar no TikTok. A repercussão foi tão positiva, e o alcance tão vasto, que começou a fazer ilustrações para fora do país e a desenvolver vários trabalhos como freelancer. 

A chave está em “prender o público ao vídeo o maior tempo possível” e “criar uma boa empatia com quem nos vê, revela a artista ao JPN. No seu caso, “se a pessoa realmente quiser ver o resultado final [do desenho] tem de esperar até ao fim”, o que cria uma maior interação com os vídeos e com a sua conta.

 

 
 
 
 
 
Ver esta publicação no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Uma publicação partilhada por Bruna Coelho Pereira (@bunny_pear)

A evolução do digital, do 16:9 ao formato vertical 

Fábio Pereira, ou Ferp, como é conhecido desde que se estreou no Youtube, completa este ano uma década de criação de conteúdos. Está a estudar Cinema na Escola Superior Artística do Porto (ESAP), perseguindo o sonho de se tornar realizador. Recentemente, o prémio de Melhor Curta-metragem Internacional” do festival asiático GLIFF foi atribuído a uma produção da sua autoria.

O jovem não concorda com as políticas da aplicação (por exemplo no que toca a privacidade) mas, ainda assim, passou a produzir vídeos para lá, em outubro de 2022. “Não é a minha plataforma favorita”, confessa Ferp. No entanto, “qualquer pessoa no Tiktok consegue mostrar o seu trabalho”. “Uso-o para mostrar às pessoas aquilo que eu faço e aquilo que eu sou”, completa.

Apesar de saber que “o cinema está a anos luz daquilo que é produzir conteúdo amador”, a “relação amorosa” que desenvolveu com câmaras levou-o onde está hoje – e, consequentemente, a procurar formas de crescer. “Eu não gostava de viver do cinema. Mas, antes de morrer, se quero ter algo em que sou bom, quero ser bom a fazer cinema”, diz. 

O Ferp completa, este mês, 10 anos de produção de conteúdos nas redes sociais.

Através de um vídeo intitulado “Vou provar como é possível viralizar no TikTok numa conta com zero seguidores”, o estudante faz isso mesmo (ainda que, como reitera, prefira o formato 16:9, ao invés do ecrã vertical dos telemóveis). A rede social é, nas suas palavras, uma “montra” que define como “extremamente benéfica” para todos os que se querem divulgar. Sobre o seu caso, acha que “para uma pessoa se tornar realizador, o nosso percurso tem que falar por nós”- e, nesse sentido, expor o que faz de forma acessível a todos facilita o processo. 

Redes sociais não têm de ser “um bicho papão”

O Poeta da Cidade partilha que a arte de declamar poesia é apreciada, habitualmente, por um nicho de fãs que se encontram em espaços boémios, destinados para o efeito. O jovem quer, no entanto, “levar a poesia ao maior número de pessoas” possível. Nesse sentido, “ir a um bar, às onze da noite, onde vão estar 15 pessoas, todas dentro do meio, que conhecem o circuito e as pessoas que o fazem, não vai trazer nada de novo”, explica. 

 

 
 
 
 
 
Ver esta publicação no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 

Uma publicação partilhada por Pedro Freitas (@opoetadacidade)

Na opinião do autor, a poesia incitada pelo Ministério da Educação e pelos programas educativos nem sempre cativa os mais jovens. A primeira interação das gerações mais novas com a arte é “provavelmente o mais importante”, nas suas palavras. Assim, integrar na nova era digital a herança de que vem do passado, como “a literatura, as artes, o teatro ou a música” pode ser uma solução, mas é um trabalho ainda em bruto no país. “As redes sociais, bem utilizadas e incorporadas com todo o sistema de ensino, podem ser uma mais valia ao invés de serem um bicho papão”, afirma.

Ao nível profissional, o TikTok (como outras aplicações), é utilizado por muitos artistas como portfólio. “Hoje em dia, a maior parte de nós usa as redes sociais (se formos minimamente inteligentes), para nos expormos e nos darmos a conhecer ao mundo”, explica Ferp. Bruna Coelho partilha a mesma opinião, porque “se a pessoa quer continuar a evoluir na rede, não pode estar só agarrada ao que faz”. Mais do que isso, tem “de mostrar o que é”, reitera a designer. 

No início de 2023, o TikTok tinha 3,24 milhões de utilizadores com 18 ou mais anos, em Portugal. Foto: Flickr

O Tik Tok em Portugal e no mundo: o “dark side of the internet”

A rede social TikTok, propriedade da empresa chinesa, ByteDance, foi inicialmente criada numa versão denominada “Musical.ly, em 2014. A aplicação divulgou, em setembro de 2021, o alcance de 1 bilião de utilizadores globais ativos mensais.

Citado pela Visão, o New York Times acedeu a um documento interno que revela como é “alimentado” o algoritmo da rede social: através de um sistema de pontuação, os vídeos são classificados com base na atividade real do utilizador, como gostos, comentários e tempo de visionamento.  Em janeiro deste ano, estatísticas da Datareportal, apoiadas na análise da Kepios, revelaram que os países com mais utilizadores do TikTok são os Estados Unidos da América (113,3 milhões), a Indonésia (109,9 milhões) e o Brasil (82,2 milhões). 

Em Portugal, dos 10 milhões que constituem a população, existem 3,24 milhões utilizadores do TikTok, segundo dados do relatório da Datareportal, atualizado a 13 de fevereiro. A aplicação não financia os criadores de conteúdo em Portugal, o que significa que as receitas dos utilizadores mais conhecidos vêm de marcas e de doações dos seguidores.

Mas com o título de viral são também realçados os traços negativos da aplicação. Ferp destaca que todas as redes sociais têm falhas, mas o TikTok representa o “dark side of the internet”. Um relatório da Check Point, citado pelo CNBC, aponta vulnerabilidades no serviço que permitem, por exemplo que hackers acessem aos dados dos utilizadores. A partir daí, podem controlar contas, manipular conteúdos e divulgar dados pessoais, revela a empresa de segurança cibernética. 

Recentemente, as polémicas relativas à privacidade de dados no TikTok têm aumentado, levando várias entidades a proibirem a sua utilização. O Conselho de Administração da Comissão Europeia foi o primeiro a suspender a aplicação nos dispositivos corporativos, por razões de “segurança cibernética”. Depois, seguiu-se o Parlamento da Dinamarca e o Canadá. Mais tarde, foram os Estados Unidos da América, onde a Comissão dos Negócios Estrangeiros votou a favor de um projeto de lei que poderá dar ao presidente Joe Biden o poder de proibir o TikTok no território americano, menciona o jornal ECO. França, Holanda, Noruega são mais alguns dos treze países que impediram o acesso à aplicação, motivados pelo receio de serem alvo de espionagem da empresa chinesa.

Para reforçar a proteção de dados dos utilizadores europeus, que tem sido alvo de críticas por vários países, o TikTok vai criar dois novos centros, na Irlanda e na Noruega, bem como “nomear um terceiro parceiro europeu para supervisionar e auditar a segurança dos dados”, pode ler-se em comunicado disponibilizado pela empresa ao JPN.

Para os criadores, o balanço continua a ser positivo apesar de todas as controvérsias. Acima de tudo, preferem ver a plataforma, e o digital, como uma oportunidade para crescer – um vídeo de cada vez.

Artigo editado por Ângela Rodrigues Pereira